Redação Pragmatismo
Saúde 15/Mai/2020 às 16:03 COMENTÁRIOS
Saúde

Jair Bolsonaro quer um terraplanista no Ministério da Saúde

Publicado em 15 Mai, 2020 às 16h03

Jair Bolsonaro não quer alguém que atue de forma minimamente técnica no Ministério da Saúde. Quer alguém que diga a ele "sim, senhor!" e "amém". Apesar da apatia e das humilhações, nas poucas semanas que ficou no cargo Nelson Teich não abraçou duas aberrações do chefe

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Osmar Terra, e o presidente Jair Bolsonaro Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo

Leonardo Sakamoto, em seu blog

Teich, o Breve, foi um ministro da Saúde perdido, incompetente e inexpressivo. Foi humilhado repetidas vezes pelo chefe, que ocupou militarmente a pasta e não teve pudores de demonstrar publicamente que o empresário-médico não apitava nada. O resumo de sua passagem foi a patética cena em que descobriu pela imprensa que Jair Bolsonaro decidiu liberar da quarentena academias, salões de beleza e barbearias sem lhe consultar.

Mas nestas poucas semanas que ficou no cargo, apesar das concessões para sua própria dignidade, não abraçou duas aberrações do chefe: o libera-geral da cloroquina para tratar todos os pacientes de covid-19 e a defesa do “isolamento vertical” – a ficção infanto-juvenil de que o vírus mata apenas idosos e pessoas imunodeprimidas e, portanto, para combatê-lo basta trancar esses grupos em casa. Isso levou Nelson Teich ao cadafalso.

O presidente não quer alguém que atue de forma minimamente técnica no Ministério da Saúde. Quer alguém que diga a ele “sim, senhor!” e “amém”.

Bolsonaro tem duas apostas hoje. Primeiro, forçar que a economia volte ao “normal”, pois sabe que um desemprego prolongado transformará seu mandato em morto-vivo e sua reeleição, em 2022, em conto da carochinha. O problema é que voltar ao trabalho e reabrir comércios não vai afugentar o vírus, pelo contrário, será o empurrãozinho que ele precisa para passarmos de tragédia para massacre.

Entra, então, a segunda aposta: caso hospitais entrem em colapso, cadáveres se amontoem, faltem recursos para milhões sobreviverem e ocorram saques e protestos, o presidente poderá tomar medidas autoritárias, centralizando poder, em um estado de sítio, suspendendo direitos e liberdades, agindo em nome da garantia da ordem. Com o apoio do que ele chama “povo, que é o naco radical de seus apoiadores e setores das Forças Armadas. Um antigo sonho de consumo.

Bolsonaro ataca as quarentenas, chamando-as de “inúteis” em lives nas redes sociais. Afirma, de forma cínica, que não foram capaz de impedir as quase 14 mil mortes por covid-19, sendo que as medidas de isolamento social têm sido responsáveis por postergar o colapso do sistema de saúde e, portanto, evitado que o número de óbitos seja muito maior. Culpa governadores e prefeitos pelo desemprego decorrente do isolamento e conclama empresários para a guerra pela reabertura forçada da economia.

Ao mesmo tempo, anunciou, nesta quinta (14), que quer a previsão de uso da cloroquina para sintomas leves de covid-19 e não apenas em quadros mais graves. O presidente não tem provas de que isso dará certo, mas lhe sobram convicções. A questão é que nada indica que o medicamento salvador seja este, como apontam pesquisas em todo o mundo, como as que analisaram milhares de pacientes e foram publicadas no New England Journal of Medicine e no Journal of the American Medical Association. Pelo contrário, há mais problemas do que soluções envolvendo a cloroquina.

Mas a promessa de um remédio mágico e barato ajuda a enfraquecer a importância da quarentena. “Quando um remédio é apontado como a solução, parte da população relaxa os cuidados preventivos. Nesta pandemia, pode parar de usar a máscara, ignorar a quarentena”, explica André Nathan, médico pneumologista do Hospital Sírio-Libanês. Afinal, se há uma cura, para que ficar em casa?

Bolsonaro confunde propositadamente o uso compassionado do remédio, quando a situação é limite e há uma suspeita de que, em um caso específico, possa ajudar, com o uso preconizado, baseado em trabalhos científicos. Mas a autorização significa que um médico não será acusado de cometer má prática médica se usar em um paciente. O que é bem diferente de indicar o uso, o que depende de estudos científicos.

Independentemente de quem seja, Bolsonaro quer alguém obediente, que aceite passar por cima da ciência e da medicina, e o ajude a devolver o Brasil à normalidade. No fórceps, se for preciso. Ou seja, que em nome da tranquilidade de seu mandato ou da proteção de sua visão autoritária, entregue à população brasileira à própria sorte.

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