O que será de nós? A esquerda entre o passado, a realidade e a impotência
Em tempos de crise social, política, econômica, ambiental – e sanitária – não faltam aqueles que alheios ao mundo concreto, bailam, flutuam, sem fincar seus pés no chão, não compreendendo aquilo que o velho Marx disse em poucas palavras: até o momento fomos impelidos a ler e pensar sobre o mundo, quando o importante é transformá-lo.
Pior: se abstêm e se fazem neutras perante um mundo em ruínas. Vivem outra realidade. Dão de ombros, não querem de nada saber. Se apegam a deuses e santos, como os tolos do passado. Não sabem que seu respirar é, diariamente, um ato político.
Enquanto isso progressistas de todas as matizes – socialistas, comunistas, socialdemocratas, legalistas, etc. – são atacados e vilipendiados, hoje mais que nunca, muitas vezes por essa gente que jamais se assentou numa poltrona e teve a brilhante ideia de ler o que os grandes nomes do passado nos relegaram.
Enquanto do lado de lá, assentada a extrema-direita, sempre se observou um escancarado desejo pela tirania, patriotismo e moralismo torpes e com claros objetivos de controle e vigilância, além de flertes sanguinolentos com o status quo e o senso comum grotesco, os livros de História e as bibliotecas nos enchem de figuras à esquerda imbuídos na construção de um outro mundo, novas sociedades igualitárias e fraternas, além de utopias libertárias e revolucionárias.
Diferente dessa gentinha pequena, somos movidos por sonhos – que deles verteram suor e sangue.
Suor e sangue de mulheres e homens que deram as suas vidas por uma causa e ergueram bandeiras das mais diversas, e que hoje nos enchem de orgulho e nos fazem olhar para frente, mirando um futuro que não seja o distópico e catastrófico que nos avizinha. Mulheres e homens que jamais serão esquecidos.
Como escreveu Safatle em uma recente obra: a Esquerda não deve temer em dizer seu nome. Sempre calcados na teoria, mas também na práxis, foram eles que moveram as alavancas da História, guiando e construindo pontes e direções em um caminho deveras tortuoso: o caminho da luta, do confronto, de greves, motins, comunas, revoltas, rebeliões e revoluções.
Mulheres e homens que fizeram de seus punhos e corações poderosas armas contra toda forma de exploração, opressão, machismo, racismo e colonialismos dos mais diversos. Mulheres e homens onde seus feitos estão ferroados nos corpos e mentes de gerações posteriores e na História dos povos oprimidos, marginalizados e esquecidos, entrelaçados em seus grilhões.
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Mas não. Não vivemos mais tempos de convulsões e motins revolucionários (um Chile esfomeado e um Império racista em chamas, talvez, não guiem para outro caminho). Guerrilhas camponesas não mais existem. A condições para uma Revolução tal qual realizaram russos e cubanos, por exemplo, acabaram. Revoltas populares geralmente são esmagadas pela força cada vez mais destruidora do Estado (e do Mercado) – o balcão de negócios de uma burguesia transnacional e globalizada.
Sem dúvidas um novo mundo será gestado pós-pandemia do coronavírus. Mas qual mundo será esse? Entre a frustração, a angustia e a impotência frente ao obscurantismo, a violência estatal e a desigualdades atrozes, o que fazer?
Frente ao horizonte apocalíptico que nos atormenta diariamente é chegado o momento de nos apegarmos cada vez mais aos grandes nomes do passado – José Martí, Fidel Castro, Lênin, Rosa Luxemburgo, Che Guevara, Allende, Gramsci, Olga Benário, Jango, Leonel Brizola, Dandara, Tupac Amaru, Bolívar, Mandela, Malcom X, Simone de Beauvoir, entre tantas e tantos – como grandes personalidades do momento presente, e redesenhar este caminho. Entre erros (grandes erros!) e muitos acertos, foram eles e outros gigantes que tentaram fazer deste mundo de infortúnios um lugar melhor, mais digno e justo para todos.
Ao seu lado, o povo e a força furiosa e justa das multidões: os sujeitos principais da História. Salvador Allende, presidente socialista que morreu em 11 de setembro de 1973 em um Palácio em chamas contra as bárbaras forças fascistas e burguesas da extrema-direita chilena, verbalizou o desejo que moveu e ainda move os corações e mentes da esquerda internacional: “a História é nossa e a fazem os povos”.
Que as grandes personalidades do passado estejam conosco na busca e encontro desse novo mundo que vai renascer destruído, caótico, apocalíptico. Que os povos de todas as nações sejam o nosso farol. Que enraizemos o nosso agir e pensar na realidade cruenta dos dias e que bandeiras vermelhas, rebeldes, impacientes e com sede de justiça social voltem a tremular pelos campos e cidades de todo planeta.