Jair Bolsonaro

Um psicopata na presidência?

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É importante transparecer que a maioria dos autores não considera a psicopatia uma doença mental, mas sim uma forma de se comportar no mundo. Nem todo psicopata é um criminoso, ainda que a maioria dos criminosos violentos seriais o sejam.

Imagem: thestkittsnevisobserver

Guilherme B. da Silva*, Pragmatismo Político

Muito se tem falado nos últimos dias sobre a possibilidade de que o presidente Jair Bolsonaro apresentar algum tipo de transtorno mental. Esquizofrênico, paranoico, delirante, psicótico, psicopata. Li alguns destes, em postagens de redes sociais e mesmo em reportagens em veículos de comunicação mais tradicionais. Enquanto professor de Psicopatologia Forense e pesquisador em Psicologia, resolvi trazer alguns apontamentos.

Desde já digo aquilo que exponho para meus alunos: não é assim que se faz um psicodiagnóstico, uma avaliação psicológica (são diferentes, não entrarei no mérito aqui). Estes tipos de avaliação são processuais, requerem diversos encontros, entrevistas, aplicação de técnicas e/ou testes diversos. Aqui trago apenas um exercício, com dados públicos sobre uma pessoa muito pública.

Vamos lá, a hipótese que pretendo demonstrar é de que estamos falando de um quadro de transtorno de personalidade antissocial – a anteriormente chamada “psicopatia”. Por que posso dizer isso? Porque temos várias definições científicas, em manuais e livros consagrados (o DSM-V, p. ex.), com características sintomatológicas que podem ser observadas nas falas de nosso mandatário nacional e de pessoas próximas a ele, retirados de excertos da mídia.

É importante transparecer que a maioria dos autores não considera a psicopatia uma doença mental, mas sim uma forma de se comportar no mundo. Nem todo psicopata é um criminoso, ainda que a maioria dos criminosos violentos seriais o sejam. O crime não é componente essencial na psicopatia; o comportamento antissocial sim, revelando um tipo de insuficiência de caráter na esfera moral.

O DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), elaborado pela Associação Psiquiátrica Americana (APA) define a psicopatia como transtorno de personalidade antissocial, elencando as seguintes características:

A. Um padrão difuso de desconsideração e violação aos direitos das outras pessoas, que ocorre desde a adolescência, como indicado por três (ou mais) dos seguintes critérios:

1. Fracasso em ajustar-se às normas sociais relativas a comportamentos legais, conforme indicado pela repetição de atos que constituem motivos de detenção.
2. Tendência à falsidade, conforme indicado por mentiras repetidas, uso de nomes falsos ou de trapaça para ganho ou prazer pessoal.
3. Impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro.
4. Irritabilidade e agressividade, conforme indicado por repetidas lutas corporais ou agressões
físicas.
5. Descaso pela segurança de si ou de outros.
6. Irresponsabilidade reiterada, conforme indicado por falha repetida em manter uma conduta consistente no trabalho ou honrar obrigações financeiras.
7. Ausência de remorso, conforme indicado pela indiferença ou racionalização em relação a ter ferido, maltratado ou roubado outras pessoas.

B. O indivíduo tem no mínimo 18 anos de idade.

C. Há evidências de transtorno da conduta com surgimento anterior aos 15 anos de idade.

D. A ocorrência de comportamento antissocial não se dá exclusivamente durante o curso de esquizofrenia ou transtorno bipolar.

Então, precisamos de três critérios da letra A. Coloquemos exemplos para cada critério.

1. Fracasso em ajustar-se às normas sociais relativas a comportamentos legais, conforme indicado pela repetição de atos que constituem motivos de detenção.

Em 1987, VEJA publicou a reportagem “Pôr bombas nos quartéis, um plano na ESAO [Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais]”, mostrando que Bolsonaro e outro militar tinham um plano de explodir bombas em unidades militares do Rio para pressionar o comando. (https://veja.abril.com.br/blog/reveja/o-artigo-em-veja-e-a-prisao-de-bolsonaro-nos-anos-1980/). O descumprimento às medidas sanitárias previstas pelo Ministério da Saúde também se enquadra neste tópico. (https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/04/11/bolsonaro-descumpre-medidas-de-distanciamento-social-pelo-terceiro-dia-seguido.ghtml)

2. Tendência à falsidade, conforme indicado por mentiras repetidas, uso de nomes falsos ou de trapaça para ganho ou prazer pessoal.

“Eu desde o começo me preocupei com vida e emprego.” – fala do presidente em 29abr2020. “Bolsonaro mente, diz que OMS incentiva masturbação de crianças e depois apaga post” (https://www.brasil247.com/brasil/bolsonaro-mente-diz-que-oms-incentiva-masturbacao-de-criancas-e-depois-apaga-post).

O presidente se valeu de informações falsas ao se referir, em campanha eleitoral, ao “kit gay”, visando ganho pessoal na eleição. https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/12/politica/1539356381_052616.html)

3. Impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro.

“Bolsonaro é impulsivo, às vezes atira antes de pensar”, diz Boris Casoy (https://tvefamosos.uol.com.br/blog/mauriciostycer/2019/08/28/bolsonaro-e-impulsivo-as-vezes-atira-antes-de-pensar-diz-boris-casoy).

“Mesmo ungido superministro, Guedes deve ter considerado a necessidade de ser cauteloso diante do estilo impulsivo de Bolsonaro”. (https://oglobo.globo.com/opiniao/ameaca-mandetta-reflete-que-bolsonaro-1-24355359)

4. Irritabilidade e agressividade, conforme indicado por repetidas lutas corporais ou agressões
físicas.

“Minha especialidade é matar” – fala do presidente em 30jun2017. (https://www.oantagonista.com/brasil/minha-especialidade-e-matar/)

“Segundo o blog do jornal de Brasília, por conta disso, o presidente está muito irritado com o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo. A demissão dele selaria também a saída, a pedido, de Sergio Moro, ministro da Justiça. O Planalto tenta costurar um acordo.” (https://www.conjur.com.br/2020-abr-23/investigacao-pf-carlos-deixa-bolsonaro-irritado)

5. Descaso pela segurança de si ou de outros.

“A molecada pode se contagiar, não tem risco, zero (…)” – fala do presidente em 20abr2020.

“O que ele [o diretor da OMS] disse, praticamente? Em especial, os informais, tem que trabalhar.” – fala do presidente em 31/mar/2020.

“Essa garotada, se infectando agora, ela seria uma barreira no futuro para não transmitir o vírus aos mais idosos.” – fala do presidente em 01/abr/2020.

6. Irresponsabilidade reiterada, conforme indicado por falha repetida em manter uma conduta consistente no trabalho ou honrar obrigações financeiras.

“Não descumpro qualquer orientação sanitária por parte do senhor ministro da Saúde, a nossa autoridade máxima no momento sobre esse caso.” – fala do presidente em 18/mar/2020.

Em 16 de março, por exemplo, ele afirmou que a pandemia “não é isso tudo que dizem”. Já no dia 27, em entrevista à Band, disse: “alguns vão morrer? Vão, ué, lamento. Essa é a vida”. Dois dias depois, repetiu a ideia ao dizer que “todos nós vamos morrer um dia”.

7. Ausência de remorso, conforme indicado pela indiferença ou racionalização em relação a ter ferido, maltratado ou roubado outras pessoas.

“E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Sou o Messias, mas não faço milagre” – fala do presidente em 29/abr/2020.

Ainda temos três outros pontos. O “sujeito” tem mais de 18 anos (critério B). Nada se pode sobre afirmar sobre transtorno de conduta anterior aos 15 anos (critério C), dada ausência de informações, mas a psicopatia é uma condição que tem uma evolução constante e que tem manifestações comportamentais desde a infância. O critério D parece estar esclarecido, por não termos manifestações de esquizofrenia ou transtorno bipolar em fase maníaca.

Para complementar, podemos referenciar estes mesmos exemplos nas características apontadas por Robert Hare, psiquiatra criador do teste Psychopathy Checklist-Revised (PCL-R), que nos traz que o psicopata tende a ser superficial, insensível, arrogante, presunçoso, dominante e manipulador. Ainda, irritável, sem remorso ou empatia e sem vínculos emocionais profundos. Ainda tende a manifestar impulsividade, irresponsabilidade, violação de normas sociais e um estilo de vida desviante, com facetas de egocentrismo e grandiosidade autocentrada.

No resumo citado acima, parece que se está fazendo a descrição comportamental de alguém que se manifesta publicamente em meio a multidões em situação de surto epidêmico de coronavírus, como alguém que estabelece leis próprias e faz coisas que não são necessariamente ilegais, mas certamente são antiéticas e imorais, prejudiciais aos outros.

Ainda existem diversas afirmações do presidente que caberiam em mais de uma categoria aqui. “Não te estupro porque você não merece” (https://www.huffpostbrasil.com/2014/12/09/nao-te-estupro-porque-voce-nao-merece-repete-bolsonaro-a-depu_n_6296418.html), “Seria incapaz de amar um filho homossexual. Prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí” (https://www.terra.com.br/noticias/brasil/bolsonaro-prefiro-filho-morto-em-acidente-a-um-homossexual,cf89cc00a90ea310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html), “Pau-de-arara funciona. Sou favorável à tortura, tu sabe disso” (https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/10/26/O-discurso-de-Bolsonaro-o-que-ele-diz-desdiz-e-reafirma), “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre”, (https://exame.abril.com.br/brasil/vamos-fuzilar-a-petralhada-diz-bolsonaro-em-campanha-no-acre/), “Questão ambiental só importa aos veganos que comem só vegetais.” (https://gauchazh.clicrbs.com.br/ambiente/noticia/2019/07/questao-ambiental-e-para-veganos-que-comem-so-vegetais-diz-bolsonaro-cjylui44r017k01k0j6y3ueb2.html). “O erro da ditadura foi torturar e não matar” (https://revistaforum.com.br/noticias/jair-bolsonaro-erro-da-ditadura-foi-torturar-e-nao-matar/)

Os argumentos me parecem suficientes para sustentar este exercício de diagnóstico, configurando um caso de transtorno de personalidade antissocial. Com estes apontamentos fica cada vez mais certo de que estamos lidando com um psicopata na presidência, que conduz o país na mesma direção de seu caos mental. Toda esta narrativa de desprezo pela vida e dignidade alheia só pode cessar com seu imediato afastamento das funções presidenciais, conforme artigo 86 da Constituição Federal.

*Guilherme B. da Silva, Perito Criminal, Psicólogo, Especialista em Saúde Mental, Mestre e Doutorando em Psicologia Clínica.

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