Cozinheira de acampamento pró-intervenção militar “com Bolsonaro no poder” morre de Covid-19. Outros membros do acampamento também foram infectados. Eles defendiam a tese de que a pandemia era “um exagero”
Geni Francisca de Mello, de 72 anos, morreu no último dia de 12 de junho. A mulher era moradora e cozinheira do acampamento montado em frente a um quartel do Exército em São Paulo que pede “intervenção militar com Bolsonaro no poder”.
Ativista, ela trocou a própria casa por uma das barracas montadas na calçada e era uma dos cinco integrantes permanentes até o novo coronavírus aparecer. Depois de ficar 33 dias internada, ela morreu na sexta-feira da semana passada. As informações são do portal UOL.
Cristina Villas Boas, 59 anos, também é favorável à intervenção militar, visita com frequência o acampamento e se tornou a pessoa mais próxima de Geni. No começo de maio, ela percebeu que a cozinheira do acampamento estava “jururu”, não queria comer, e a convidou para passar a noite na casa dela. A proposta incluía um banho quente, jantar seguido de chá e descanso numa cama com colchão.
Geni declinou do convite nesta ocasião e nos dois dias seguintes. Na última recusa, Cristina conta que o alerta inicial havia mudado para preocupação. A cozinheira continuava sem apetite, avisou que ia deitar mais cedo e logo que chegou à barraca, começou a tossir. Houve insistência para que fosse ao hospital, mas não teve jeito.
A saúde não melhorou e no dia seguinte Geni aceitou buscar um médico. O quadro clínico era grave. Cristina esperou seis horas na frente do hospital até uma enfermeira aparecer com um saco com o boné, o relógio e outros pertences da amiga que ficou internada na ala de covid-19. Era 9 de maio, um sábado, Cristina lembra bem. No dia seguinte, o hospital não passou o boletim médico porque não havia ninguém da família.
“Aí começa a saga. Não podia visitar, não podiam nos dar informação porque não havia laços de sangue. Insisti para ter informação e permaneceram irredutíveis”, conta.
Nova tentativa 24 horas depois, quando Cristina foi acompanhada de mais nove frequentadores do acampamento. Eles fizeram muita pressão e registraram um boletim de ocorrência, atraindo a atenção dos funcionários do hospital. Uma das integrantes do movimento aproveitou a distração e, na unidade de saúde, fez perguntas. Descobriu que Geni estava intubada.
Também soube que não estavam dando cloroquina porque não havia familiar para assinar a documentação, uma exigência do hospital. Foi explicado aos médicos e enfermeiros que a cozinheira não tinha parentes. Coube à pessoa que levou Geni ao hospital assinar a papelada.
“Assinei os protocolos. Eram oito folhas. Foram dias difíceis para ela, uma pessoa que estava dando o sangue pela pátria”, lembra.
Mais contaminação
Alexandre Neves é uma das lideranças do acampamento e contou que Geni não foi um caso isolado. “Outras pessoas que fazem parte do nosso movimento também pegaram. Eu peguei, mas não passou de uma coriza e a boca seca. Teve gente que pegou, se curou e voltou para o acampamento.”
Com Geni, a evolução da doença foi diferente. Ela lutou por mais de um mês na UTI, mas morreu na sexta passada. No último domingo, integrantes do acampamento pediram que os participantes da manifestação em defesa de Bolsonaro fizessem um minuto de silêncio pela memória dela.
Nas conversas com os integrantes do acampamento, a cozinheira demonstrava admiração por Bolsonaro e ojeriza ao comunismo. Cristina diz que este era o único motivo que deixava Geni zangada. “Ela odiava esquerdista, não conseguia ficar com esquerdista perto dela de tão patriota que era.”
Apesar da perda, os companheiros seguem repetindo o modo de vida da cozinheira em seus últimos dias. Ninguém usa máscara nem álcool gel, e as conversas giram em torno de como promover uma intervenção militar. A morte dela também serve como argumento. Cristina acredita que se tivessem dado hidroxicloroquina desde o começo, a amiga estaria viva.
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