Anderson Pires*
O ex-ministro Ciro Gomes tem tentado capitanear um movimento que lhe viabilize como candidato à Presidência da República com chances reais de disputa. Usando a bandeira do resgate da democracia tem proposto uma ampla aliança, que, segundo ele, nesse momento não existe restrição para participação de quem esteja disposto a aderir a causa e fortaleça o movimento de impeachment de Bolsonaro. Nas Janelas pela Democracia cabem de tudo, desde que o tema seja derrubar o presidente.
Porém, nessa jornada, Ciro tem feito bem mais que defender o combate ao Governo. Mais que atacar Bolsonaro, ele constrói atalhos para se tornar aceitável à direita brasileira. Com isso, tenta qualificar a extrema-direita bolsonarista, como também, o que chama de Lulopetismo Corrupto, de males oriundos de um mesmo DNA, que seria a visão fundamentalista da política.
Em sua caminhada na busca pelo poder Ciro tece críticas óbvias contra Bolsonaro, mas suas energias para atacar o PT e acusar de responsável pela ascensão do fascismo são muito mais enfáticas. Fica claro que o discurso é muito mais eleitoral do que propriamente preocupado com a defesa da democracia. Sabe que os seguidores do presidente o acompanharão cegamente. Logo, não adianta tentar conquistá-los. Por outro lado, para não causar constrangimentos, passa de forma leve pela discussão sobre combate a corrupção e defende um “projeto para o país” que não representa rompimento com o modelo que perdura. Ciro é um capitalista, isso está claro.
Enquanto isso, Ciro faz acenos para FHC e Rodrigo Maia. Em paralelo, monta no seu entorno uma legião de viúvas do PT, a começar pela ex-ministra Marina Silva e outros remanescentes. Para tanto, foca em impor ao Lula a pecha de corrupto e desprovido de humildade. Notadamente, a humildade que Ciro cobra seria facilmente esquecida se o ex-presidente tivesse lhe declarado apoio em 2018.
Nessa hora, as contradições de Ciro ficam mais que evidentes. Porque se ele hoje acusa Lula de corrupto e o PT de ser um partido que não lhe serve mais como aliado, nada do que utiliza em seu discurso como justificativa para ataques aconteceu após 2018. Logo, o ranço de Ciro fica evidente que é puro oportunismo eleitoral. O mesmo oportunismo que usou quando fez beicinho para não apoiar Haddad e, intimamente, torceu pela vitória de Bolsonaro, por acreditar que poderia apropriar-se do espólio do PT.
O discurso de Ciro é de uma fluidez capaz de escorrer por um pote a prova d’água. Usa de moralismo contra seus antigos aliados. Porém, isso soa como pura demagogia, para quem conhece um pouco da política brasileira e sabe da trajetória de seus colegas de PDT, como também, da sua relação de eterno compadrio com Tarso Jereissati e alguns proeminentes liberais da sua época de PSDB.
Falar que o PT foi responsável por quebrar a economia do país, depois de passar décadas aliado de quem promoveu os absurdos praticados pelo PSDB, que favoreceu grupos empresariais a tomarem posse de estatais, não parece coerente. Questionar a democracia sendo membro de um partido como o PDT, que tem sua estrutura controlada pelos mesmos desde a fundação, sem qualquer possibilidade de alternância, não é abonador.
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Como disse, o discurso de Ciro é fluido e conveniente. Como foi sempre sua vida política. Transitou pelos mais diversos partidos e posicionamentos. Tem o viés autoritário de um coronel, que se apropria de políticas realizadas em seu estado, mesmo sem ser o governador há bastante tempo. Como se fosse o proprietário do espaço político e, quem ali estiver ocupando, a ele deve remeter todos os louros. Isso é preocupante.
Mais preocupante é que no discurso que adota, fica claro sua proposta em passar um lustra-móveis no capitalismo brasileiro para que pareça menos atrasado e explorador. A matriz de Ciro não é de esquerda, muito pelo contrário. Até quando levanta a bandeira de acabar com o endividamento na população brasileira não consegue fazer uma discussão honesta para solucionar o problema. Deixar no ar bravatas da possibilidade populista de calote, que ele chama de negociação.
Da mesma forma, arrota soluções que poderiam ser aplicadas pelo Estado Brasileiro para fomento da indústria nacional, como forma de fortalecer nossa economia. Usa números de forma unilateral, ciente do pouco conhecimento de quase todos. Assim, confere um ar de sapiência, mas se for sujeito a uma análise mais apurada, muitos perceberão que nem em Cuba algumas das medidas que defende são realizadas com o vigor que diz estar disposto.
Notem que o mesmo Ciro que derrama sua ira sobre o PT, é incapaz de aprofundar o debate relativo a reforma partidária ou a administrativa. Fizesse isso, poderia ter sua cabeça decepada em seu próprio partido, como também, acabaria com as possibilidades de apoio da burguesia de centro-direita que ocupa as funções do Estado de forma majoritária.
A tentativa de Ciro em construir uma alternativa política com bases semelhantes as que o PSDB formou quando chegou ao poder, evidencia a confusão programática que tenta encabeçar. Acusa Lula de ter cometido estelionato político em 2018, mas tenta construir um Frankstein sem um conceito claro. A grande qualidade desse ajuntado, segundo o próprio Ciro, será lhe apoiar para as próximas eleições, mesmo que depois use da sua verborragia para dizer da impossibilidade de fazer o que bradava. (Hipótese só existente caso eleito)
A forma como Ciro porta-se assusta. Depois de um Bolsonaro a cota de desequilíbrio e arrogância parece que já foi mais que utilizada na política brasileira. Alguém com a sua facilidade para moldar discursos conforme os aliados e objetivos eleitorais que busca, também é algo que me parece bem perigoso. Numa mesma semana assisti duas entrevistas dadas por Ciro e por Lula. Escutar Ciro gastar a maior parte do tempo para atacar e acusar Lula e o PT foi sintomático. Mais revelador foi a comparação quando escutei um Lula, que pouco se ocupou de Ciro Gomes e não gastou mais que 15 segundos para responder o que lhe foi perguntado sobre o antigo aliado.
Independente dos erros que Lula e o PT tenham cometido, não tenho dúvidas de que não virá deles uma proposta de ressurgimento de um novo agrupamento nos moldes do PSDB. No caso de Ciro, o mais preocupante não é o arco de alianças que está disposto a formar, mas sim, o grau de concessões e o tamanho da maquiagem que tenta produzir no capitalismo, para que pareça palatável a todos. Como se fosse possível, estabelecer um modelo onde o capital é tão eficiente, que seja capaz de esconder a desigualdade.
Aos aliados de Ciro, que se intitulam de esquerda, está na hora de puxar ele pouquinho mais pra perto e dar uns conselhos. A irá que manifesta para exterminar o PT, parece algo semelhante a Sara Winter que de militante feminista fervorosa, abraçou com paixão o fascismo de Bolsonaro. Com relação a Ciro, só se tem uma certeza: ele sempre estará certo, mesmo que precise esquecer o que disse no verão passado.
*Anderson Pires é formado em comunicação social – jornalismo pela UFPB, publicitário, cozinheiro e autor do Termômetro da Política.
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