Esposa divulga trocas de mensagens com o marido e relata que últimos textos estavam sendo recebidos, mas não foram respondidos. Buscas pelo caminhoneiro, que levava 2 caminhões em balsa, teriam sido feitas em área equivocada. Depoimento de tripulantes é contraditório e investigação descarta hipótese de pirataria
Jorge de Souza, Histórias do Mar
Faz 20 dias que a manicure Fátima Rocha, de Regente Feijó, no interior de São Paulo, vive um drama angustiante: o de não saber o que aconteceu com o marido, o caminhoneiro paulista Anderson Rocha, de 48 anos.
Ele está desaparecido desde o início do mês, quando embarcou em uma balsa transportadora, em Santarém, com dois caminhões, com destino a Itacoatiara, mas desapareceu no meio do caminho, no Rio Amazonas. E ninguém sabe explicar onde, como nem por quê?
Além do caminhoneiro, não havia mais ninguém na balsa – só os três tripulantes do barco empurrador, que afirmam que ele sumiu no rio.
Sumiu durante a noite
Anderson, que era o responsável pelos dois caminhões, era o único passageiro da balsa Navebran, que fazia parte de um comboio com mais duas balsas de carga que estavam sendo levadas por um barco empurrador (uma espécie de rebocador ao contrário, que empurra balsas em vez de puxá-las, muito comum nos rios amazônicos), onde seguiam o comandante – e dono das balsas -, Aroldo Barroso, e mais dois tripulantes.
O embarque foi no dia 2 deste mês, e, segundo os tripulantes, o caminhoneiro foi visto pela última vez no início da noite do dia 4, quando apareceu para jantar no barco empurrador, único local do comboio onde era possível comer, beber água e ir ao banheiro.
Mas, na manhã seguinte, de acordo com os tripulantes, Anderson não voltou para tomar café e eles decidiram averiguar. E não encontraram o caminhoneiro na balsa – apenas todos os seus pertences.
Ainda segundo o comandante e os dois tripulantes, eles teriam diminuído a marcha do comboio, para ver se encontravam algum sinal do caminhoneiro na água, mas não retornaram para fazer uma varredura no rio, porque alegaram que isso seria inútil, pois seria impossível determinar quando e onde ele havia caído.
E o fato só pode ser comunicado bem mais tarde, porque, segundo o comandante do comboio, não havia sinal para comunicação na região.
O comboio seguiu em frente até Itacoatiara, distante mais dois dias de viagem, onde chegou com os dois caminhões intactos na balsa, mas sem o caminhoneiro, que nunca mais foi visto.
Sem brigas, nem bebedeiras
Na cidade, os três tripulantes prestaram depoimento na delegacia de polícia e na Capitania dos Portos, e relataram não ter havido nada de anormal entre eles e o único passageiro – nenhuma briga, discussão nem bebedeira.
E que tampouco teriam visto Anderson demonstrar qualquer sinal de problemas de saúde ou de estar passando mal, embora o caminhoneiro fosse cardíaco e portador de dois stents nas artérias do coração.
O comandante afirmou ainda que havia oferecido um camarote para Anderson no barco empurrador, “pois era proibido permanecer nas balsas durante à noite”, mas ele teria preferido ficar nos caminhões, que tinham ar-refrigerado.
E completou seu depoimento dizendo que não havia iluminação entre as balsas e o empurrador.
Buscas no local errado?
Acionada, a Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental afirmou, depois, em nota, que “promoveu buscas, entre os dias 6 e 10, na área do Rio Amazonas entre a cidade de Parintins e Itacoatiara, mas nada foi encontrado”, e que instaurou inquérito, “para apurar circunstâncias e possíveis responsabilidades”.
“Mas, e se o quer que tenha acontecido aconteceu antes de o comboio passar por Parintins, onde o rio não foi vasculhado?”, questiona a esposa do caminhoneiro, com quem tem dois filhos – há outros três, do primeiro casamento de Anderson.
Fátima baseia seu questionamento no fato de que, até o dia seguinte ao embarque do marido na balsa, 3 de julho, ela vinha mantendo contato frequente com o marido, através de mensagens de celular.
“A última vez que trocamos mensagens foi na manhã do dia 3. Depois, à tarde, enviei outra mensagem, que foi recebida, mas não respondida. Como não estávamos brigados nem nada, estranhei e mandei outras mensagens, que também chegaram, mas não foram mais visualizadas, no próprio dia 3. Mas a tripulação diz que o Anderson só desapareceu entre a noite do dia 4 e a manhã do dia 5, o que dá mais de 24 horas de diferença entre o fim dos meus contatos e a suposta data do desaparecimento dele. Isso altera radicalmente a área de buscas, porque, se algo aconteceu com ele entre os dias 3 e 4, e não 4 e 5, como diz a tripulação, o comboio ainda não havia atingido a área que foi vasculhada pela Marinha. Isso me deixa ainda mais angustiada”, diz a mulher do caminheiro, que, oficialmente, ainda é dado apenas como “desaparecido” – embora as chances de sobrevivência a uma queda no meio do maior rio da Amazônia sejam mínimas.
“Por que ele ficaria mais de 24 horas sem dar notícias, se havia recebido minhas mensagens, portanto tinha sinal, e se, sozinho dentro de uma balsa no meio do rio, não há nada o que fazer a não ser ficar mexendo no celular?”, questiona-se Fátima, desde então.
Em nota oficial, a Marinha informou que vasculhou 163 quilômetros ao longo do rio e nada encontrou.
Que o caminhoneiro foi parar dentro do Rio Amazonas, isso é certo. Resta saber por quê?
O que pode ter acontecido
A hipótese de roubo de carga ou pirataria, algo bem comum nos rios amazônicos hoje em dia, está descartada, já que nada foi roubado dos caminhões, nem mesmo da carteira de Anderson, que foi encontrada intacta, junto a todos os seus pertences.
Já algum eventual desentendimento entre o caminhoneiro e os tripulantes não pode ser descartado, embora eles tenham negado isso à Polícia e a perícia não tenha constatado nenhum vestígio de briga ou ferimentos a bordo.
No depoimento, os tripulantes disseram ainda que o caminhoneiro passava os dias inteiros sozinho, dentro da balsa, só vindo ao barco para comer, beber água ou ir ao banheiro.
“Acho estranho eles dizerem isso, porque o Anderson é uma pessoa extrovertida e comunicativa, que gosta de conversar com todo mundo, embora tivesse mesmo me dito que fazia muito calor e que, por isso, tinha preferido dormir no caminhão. Mas ficar recluso o tempo inteiro eu acho estranho, porque isso não combina com o estilo dele”, diz Fátima, que, com voz baixa e olhos marejados, ainda se refere ao marido no tempo presente, e não no passado, como narra neste vídeo, que gravou para pedir ajuda das pessoas através do telefone (18) 99645-4898, já que praticamente não tem tido retorno das autoridades.
Para ela, ainda há uma chance, mesmo que a cada dia mais remota, de Anderson estar vivo, em algum ponto ermo da selva amazônica, após ter conseguido nadar até a margem do rio.
“Ele sabia nadar, mas pode ter tido algum mal súbito, por causa do coração, embora estivesse bem de saúde”, diz Fátima, com a voz embargada.
“Mas a verdade é que eu já não sei mais o que pensar, nem em quem acreditar. Preciso saber o que aconteceu com ele. Essa angústia e incerteza está acabando com a gente”, diz Fátima, cujo filho mais novo tem apenas 7 anos e compreende menos ainda por que o pai não aparece mais.
Balsa chegou sem o passageiro
O caminhoneiro Anderson saiu de casa no dia 24 de junho, véspera de seu aniversário, para liderar um comboio de dois caminhões até Boa Vista, em Roraima, viagem que já havia feito duas vezes.
Em Santarém, embarcou os caminhões na balsa do comandante Barroso, depois de perder a balsa regular que faz a travessia para Itacoatiara.
De lá, seguiria por terra até a capital do Acre, depois de ganhar a companhia de outro motorista, no segundo caminhão. Mas Anderson jamais desembarcou.
Quando o comboio do comandante Barroso atracou em Itacoatiara, só restavam os dois caminhões sem ninguém na balsa.
Hipótese mais provável
O mais provável é que Anderson tenha caído no rio por acidente, mal súbito, descuido ou desequilíbrio – ao tentar urinar da borda, por exemplo (a balsa não tinha banheiro), ou atravessar, no escuro da noite, da balsa para o barco empurrador, com este mesmo intuito (a passagem de uma embarcação para a outra não era iluminada).
Mas isso, bem como a própria eventual confirmação oficial da morte do caminhoneiro, só acontecerá quando for concluído os inquéritos instalados pela Capitania e pela Polícia, que não têm data para terminar.
Procurado, o comandante Barroso não quis se manifestar, bem como o delegado Lázaro Mendes, da Polícia Civil de Itacoatiara, que investiga o caso.
Nem virou notícia
O triste episódio do desaparecimento do caminheiro do interior de São Paulo não é o primeiro – nem será o último – caso de queda de pessoas nos rios da Amazônia, que, por suas dimensões, mais parecem oceanos, e onde os barcos são o único meio de transporte.
Tanto que, na época do desaparecimento do caminhoneiro no Rio Amazonas, o fato sequer foi devidamente noticiado na região.
Era apenas mais um caso. E segue sendo tratado assim até hoje, apesar dos esforços da esposa em busca de conclusões e notícias.
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