Acredito que é por meio da música popular, que o povo conhece o amor, conhece a si mesmo e intensifica suas experiências.
Cinthia Filomeno*
Acho que Paulinho dispensa apresentações, né, e dizer que ele é um dos maiores compositores e cantores de samba até hoje, é pleonasmo. Mas é sempre bom lembrar que ele foi discípulo de lendas como Pixinguinha, Jacob do Bandolim e Nelson Cavaquinho e que dois de seus discos, estão listados entre os 100 maiores da música brasileira segundo a revista Rolling Stone: “A Dança da Solidão”, de 1972 e “Nervos de Aço”, de 1973.
Mas na verdade, o que eu quero falar nesta coluna, não é propriamente dele, e, sim, de como ele ajuda a entender o amor e como ele trata desse sentimento na maioria de suas letras.
O amor é um tema recorrente no universo sambístico e nas canções populares de modo geral, mas a forma peculiar que ele aborda este sentimento, fez com que ele se tornasse uma espécie de ‘educador sentimental’. Eu explico: essa expressão, foi dada por Eliete Eça Negreiros, cantora, escritora e doutora em Filosofia pela FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP), que em sua tese de doutorado cujo título é “Paulinho da Viola e o elogio do amor”, – lançada também em livro pela Ateliê Editorial em 2016 -, ela analisa a representação do amor na obra do compositor por meio de referências e, sua subjetividade, é revelada em forma de poesia.
Em sua tese/livro, ela cita quase que o tempo todo obras filosóficas e literárias de Montaigne, Walter Benjamin, Aristóteles e Maurice Merleau-Ponty para situar essa lírica de Paulinho e a tradição de transcorrer o amor em suas letras. (Eu recomendo muito esse livro*).
Isso instigou demais a minha curiosidade e a minha percepção nesse universo do qual faço parte, porque quando paramos para pensar que praticamente toda a obra de composições de um sambista virou tema de estudo dentro do mundo da filosofia, temos a certeza real e científica, do quão importante essa obra é, nos obrigando refletir a música e sua importância nas nossas vidas mas, principalmente, nos fazendo refletir sobre a importância da própria arte.
Formada em Artes e por anos atuando como arte-educadora, eu sempre acreditei na transformação do ser-humano através dela. A arte num todo, tem a função de incomodar, obrigando a gente pensar o mundo e produzir a partir dessas reflexões.
Pensar as ações e suas consequências, as justiças e as injustiças das quais vivemos e presenciamos diariamente e, claro, a questionar a beleza, porque, o que é o belo pra você? Que tipo de “beleza” você quer presenciar na sua vida? De qual “beleza” você quer fazer parte? Afinal, o que eu acho “bonito”, não necessariamente é bonito para você ou, a música que chega aos meus ouvidos e que eu acho linda, aos seus pode não ser, e por aí vai. Tudo isso faz o conceito do ‘belo’, que surgiu na Grécia antiga, ir pelos ares nos dias de hoje.
E Paulinho da Viola é um embalo de respostas pra tudo isso, porque quando se trata de seu trabalho impecável e quando ele nos presenteia com suas canções, ele nos faz enxergar uma beleza peculiar e nos leva a respostas para nossas indagações da vida, perante a vida.
O bacana de observar nessa temática é que normalmente ele aborda a separação dos amantes, tema esse que é falado, cantado e contado há milhares de anos. Mas, além disso, para ele, o amor é uma fonte de ensinamentos para a existência como um todo e, euzinha aqui, penso igual.
Acredito que é por meio da música popular, que o povo conhece o amor, conhece a si mesmo e intensifica suas experiências. Nesse contexto, as canções dele se tornam um “saber compartilhado” sobre esse sentimento, pois ele faz às vezes de amigo e acompanha quem o ouve.
A gente sabe que o relato dessas experiências é comum na nossa música, mas o que torna especial nas letras de Paulinho é o tom reflexivo de um mergulho no próprio sentimento, que dialoga com os altos e baixos das experiências amorosas como, por exemplo, na letra Onde a Dor Não Tem Razão:
“Canto
Pra dizer que no meu coração
Já não mais se agitam as ondas de uma paixão
Ele não é mais abrigo de amores perdidos
É um lago mais tranquilo
Onde a dor não tem razão”
Já o aprendizado da vida vem quase que por obrigação através dessa experiência amorosa de que ele tanto fala, como em Coisas do Mundo, Minha Nega:
“Hoje eu vim, minha nega
Sem saber nada da vida
Querendo aprender contigo a forma de se viver
As coisas estão no mundo só que eu preciso aprender…”
E, quando ele fala da felicidade, ainda que difícil de alcançar, ele a define em Cantando, assim:
“Cantando
Um novo sentido, uma nova alegria
Se foi desespero hoje é sabedoria
Se foi fingimento hoje é sinceridade
Lutando
Que não há sentido de outra maneira
Uma vida não é brincadeira
E só desse jeito é a felicidade”
Pra mim, Paulinho da Viola é um artista por completo. Elegante nas palavras e na condução da sua vida, ele merece uma profunda análise de suas letras com o mesmo toque da sua elegância. E, ao fazer isso, sugiro como acompanhamento, uma bela taça de vinho na mão, a meia luz e seus discos tocando na vitrola.
Voilà!
*Cinthia Filomeno é artista visual, pós-graduada em Fundamentos da Cultura e das Artes pelo Instituto de Artes da UNESP, escritora e pesquisadora do samba, e autora do livro Samba: Uma Cultura Popular Brasileira
Referência:
Negreiros, Eliete Eça. Paulinho da Viola e o elogio do amor – Ateliê Editora, 2016.
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