Ao longo da historia os livros sempre foram combatidos por regimes autoritários e ditatoriais. A leitura de livros de literatura, ciências, filosofia, sempre foi vista como um perigo, seja para a maioria ignorante ou para elite detentora do poder, que assenta seu domine-o em função da ignorância do povo.
Pedro Adonias Gomes Lira*
1. Literatura e oralidade:
Fake news, propagandas enganosas, negaciosismo, revisionismo histórico, novos mitos, velhos mitos. Atualmente, no ápice do desenvolvimento tecnológico e econômico, nunca a humanidade e a Terra sofreram com tantos perigos.
É a sociedade da informação, que engendrou o maior nível de desinformação da história, conjuntamente com a destruição mais aguda e radical da natureza terrestre e as formas mais brutais de exploração do ser humano, incluindo uma nova escravidão, conhecida por muitos sob a forma nome de totalitarismo.
A democracia, a liberdade de expressão, de empreender, de organização, de criação, os direitos individuais, os direitos sociais, nunca tiveram inimigos tão poderosos. Os cientistas se tornaram vassalos dos novos tiranos.
A modernidade inclina-se para a destruição do humano, dos recursos naturais, da história. Como isso se tornou possível? Já que esta mesma humanidade nunca possuiu tanto conhecimento, teria o conhecimento tornado-se sinônimo de escravidão? Porque no momento em que a humanidade alcançou o maior desenvolvimento econômico ela criou tantas formas de destruição e obscurantismo?
O fato é que o enfoque das nossas sociedades no econômico em detrimento do desenvolvimento da democracia e direitos sociais, coloca o aumento do consumo em oposição a democracia e ao desenvolvimento cultural, que vem sempre em segundo plano nos interesses dos governos, empresas e corporações.
A educação está em oposição aos interesses do capital financeiro, principalmente a educação pública de qualidade já que ela não gera lucros e juros aos banqueiros, embora professores bem assalariados e trabalhadores da educação com bons salários movam parte importante da economia.
Nesta sociedade em que o consumo de mercadorias torna-se o sentido da vida, faz com que o trabalho passe a ser mais importante que a “educação”, como se a educação não fosse trabalho, dai o estímulo ao conhecimento passa a ser o lucro unicamente, o salário, a bolsa, e não o prazer natural pelo assombro do mundo, pela compreensão das coisas, pelo amor do conhecimento . Um conhecimento voltado para o humano e para liberdade. As pessoas são estimuladas a obedecer em troca de dinheiro, ou com medo da punição policial, repressão social e etc.
Neste estado de coisas um nova era de trevas surge, e os homens cultos, professores, intelectuais, artistas, trabalhadores conscientes, com seus livros, experiencia de reflexão, de fala, passam a ser os principais inimigos do capital, pois eles conscientizam a população demonstrando que tão importante quanto seu o trabalho, são seus direitos; direito a saúde, educação e segurança, a uma alimentação saudável e barata, é esta consciência de democracia que o capital e as elites tanto odeiam.
Com o desenvolvimento das mídias no final do século XIX, em especial com o rádio e o cinema, a leitura das grandes obras clássicas aos poucos deixa de ser uma forma comum de entretenimento, a crise do romance no século XIX marca a ascensão de novas formas de comunicação. Se antes um homem letrado era sinal de prestígio, hoje esse termo perdeu totalmente o uso e o sentido, usualmente este sentido tornou depreciativo com termos como NERD, em inglês, ou CDF, em português significando pessoa culta detentora de um conhecimento acima da media.
Em uma sociedade voltada para o lucro e para o consumo a velocidade passa a ser o maior atrativo, e o tempo da literatura, se não tiver uma motivação social, passa a ser sinônimo de perca de tempo, pois a leitura passa a ser feita em função de objetivos econômicos, institucionais, e políticos. Lê se porque têm tempo, porquê não “trabalha”, como se a leitura não fosse uma forma de trabalho, lê se porquê o professor mandou, porque a igreja exigiu, para fazer concurso publico, para fazer uma prova, enfim as motivações com sentido mecânicos são inúmeras, entretanto poucos lêem por amor a leitura e ao conhecimento.
Ao longo da historia os livros sempre foram combatidos por regimes autoritários e ditatoriais. A leitura de livros de literatura, ciências, filosofia, sempre foi vista como um perigo, seja para a maioria ignorante ou para elite detentora do poder, que assenta seu domine-o em função da ignorância do povo. Sabemos que com a invenção da imprensa por tipos moveis e publicação da bíblia por Guttenberg, conjuntamente com a alfabetização promovida por Lutero, Calvino entre outros protestantes que o mundo medieval se revolucionou abandonando o obscurantismo e acelerando o desenvolvimento das ciências e artes.
Além de criarem as bases para o surgimento da democracia moderna, isto é, através primeiramente da eleição dos lideres religiosos, e também com a capacitação para leitura e compreensão das leis da cidade. Uma vez que a população já estava capacitada para compreender as obras da literatura sacra, romances, libelos filosóficos, e as cartas constitucionais, tornaram se aptas para compreender e incentivar o desenvolvimento das ciências, cria-se assim era da popularização das enciclopédias, jornais e revistas proliferam neste meio fértil. Foi isso que marcou o renascimento e o iluminismo.
O período moderno surgiu com o decline-o da idade media e com o surgimento das ciências e das artes modernas que incrementaram o capitalismo comercial, estes fatores entretanto são consequência do surgimento da burguesia, uma classe que não era formada pelos servos e vassalos medievais, nem por escravos do mundo antigo, mas principalmente por artesãos e comerciantes, entretanto, essa visão ficaria incompleta se não incluirmos, os artistas e escritores, teólogos, filósofos e cientistas. Em outras palavras o mundo moderno só foi possível devido a uma revolução intelectual politica e cientifica que abalaram todo o planeta Terra. Ora compreendida as raízes as origem das ciências e artes modernas, podemos agora nos aprofundar nesta arte maior que é a arte da escrita.
A literatura como entendida hoje surgiu como uma extensão da linguagem, como uma alternativa e extensão da linguagem oral. Não precisamos fazer um histórico dos símbolos pré históricos ao hieróglifo, nem dos hieróglifos ao alfabeto fonético semítico. A língua escrita vai além disso desenvolvendo se através dos números e notas musicais.
Uma vez que a faculdade de memorização se complexificou para além do mero testemunho, isto é, a forma épico poética, forma que envolve tanto música como poesia, finalmente ela se cristaliza através do texto escrito, enquanto memória de uma civilização e sociedade; cronicas, tratados, manuais e etc. Em outras palavras a escrita faz parte da infraestrutura básica de uma sociedade junto com a memória oral, já a cultura, instituições e formas de interpretação, formam a chamada superestrutura, a língua é viva, e assim como o corpo, é a primeira forma de consciência de si.
Com o advento da democracia moderna a alfabetização passou a ser um dos critérios para o voto, isso principalmente na passagem do renascentismo para o iluminismo período em que ouve a alfabetização de todo clero, nobreza e burguesia, mesmo da pequena burguesia e dos trabalhadores com mão de obra especializada, sapateiros, artesãos. O voto era por renda, mas este aumento gerou uma tremenda politização das classes medias, havendo uma passagem de um mundo dominado pelo simbólico e pelo oral, tradicional, para o universo da cidadania, da lei da constituição, da literatura sagrada, a enciclopédia, o romance.
A partir de meados do século XIX com a conquista do voto universal, e a inserção de todo proletariado no universo republicano e democrático, fez com que uma nova sociedade surgisse, e que o conflito de classes do antigo regime tomasse uma nova forma. Se antes o conflito era entre burguesia e as classes do antigo regime (nobreza e clero), a partir de meados do seculo XIX passou a ser entre grande burguesia e proletariado. A educação obrigatória para todas as crianças e jovens, somados a um combate ao analfabetismo marcaram este período.
Mas tão logo o analfabetismo declina em meio ao povo, novas formas revolucionarias de comunicação surgem; o rádio, o cinema e a televisão. Os livros, as obras clássicas das ciências modernas, as artes literárias passam a ter um nova concorrente, a chamada industria cultural. Mas este breve resumo basta para contextualizar a nossas circunstancias atuais, vejamos agora o problema da formação do homem; o problema do letramento e da formação do cidadão.
*Pedro Adonias Gomes Lira é professor, formado em ciências sociais, escritor e poeta.
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