Repórter desnudou Bolsonaro com pergunta indigesta sobre Queiroz e Michelle. Presidente mostrou a verdadeira face e ameaçou agredir fisicamente o profissional. Família Bolsonaro compartilha versão falsa do episódio
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou ontem a um jornalista que tem vontade de “encher tua boca com uma porrada” ao ser perguntado sobre os depósitos feitos pelo policial militar aposentado e ex-assessor Fabrício Queiroz na conta bancária da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
Durante visita à Catedral de Brasília, Bolsonaro foi questionado por um repórter do jornal O Globo sobre o motivo dos depósitos feitos a Michelle: “Presidente, por que a sua esposa recebeu R$ 89 mil do Fabrício Queiroz?”.
O presidente então reagiu: “Minha vontade é encher tua boca com uma porrada, tá”. Sem responder à pergunta, Bolsonaro emendou: “Seu safado”.
O jornal O Globo repudiou a atitude do presidente e afirmou que “tal intimidação mostra que Jair Bolsonaro desconsidera o dever de qualquer servidor público, não importa o cargo, de prestar contas à população” (leia abaixo a íntegra da nota). Entidades jornalísticas e políticos da oposição também criticaram a postura do presidente da República.
Versão falsa
Vereador no Rio de Janeiro e filho do presidente da República, Carlos Bolsonaro compartilhou o vídeo com a seguinte legenda: “E conhecereis a verdade é a verdade vos libertará!”
Sites e perfis ligados ao bolsonarismo chegaram a usar o vídeo compartilhado por Carlos como uma tentativa de dizer que o presidente respondeu a uma agressão do jornalista a sua filha.
A mentira publicada diz que o repórter disse ao presidente: “Vamos visitar sua filha na cadeia”. Entretanto, o que se ouve é uma voz ao fundo dizendo “vamos visitar nossa feirinha da Catedral”.
A voz é de um ambulante que aparece fazendo um convite ao presidente em meio aos questionamentos do jornalista. “Vamos visitar nossa feirinha da catedral, presidente”, afirma o homem, mais de uma vez.
Deputados e senadores reagiram à ameaça contra o jornalista. Além de repudiar nas redes sociais e de aderir à campanha de refazer a pergunta, dois parlamentares vão levar para as vias institucionais a reação ao ato do presidente.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) também anunciou uma ação após a agressão do presidente. “Superamos a ditadura, somos uma democracia e Bolsonaro tem que respeitar os direitos adquiridos. Iremos apresentar denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA p/ que o órgão acompanhe a violência contra a liberdade de imprensa no Brasil”, disse.
Ameaça é crime previsto no artigo 147 do Código Penal.
Michelle e Queiroz
Queiroz e Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente, são investigados pelo Ministério Público do Rio por suposta rachadinha em seu gabinete na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). A prática envolve a devolução de parte dos salários por servidores.
A investigação foi deflagrada pouco após as eleições de Bolsonaro à Presidência e de Flávio ao Senado a partir de relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) que identificou movimentações suspeitas de 74 servidores e ex-servidores da Alerj.
Entre elas, constava a “movimentação atípica” de R$ 1,2 milhão em uma conta no nome de Queiroz entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. Segundo o Coaf, as movimentações bancárias seriam “incompatíveis com a atividade econômica” de Queiroz e grande parte era feita em dinheiro.
Entre as transações, foi identificado um cheque no valor de R$ 24 mil favorecendo a então futura primeira-dama Michelle Bolsonaro. À época, Bolsonaro afirmou que o cheque era parte de uma dívida de R$ 40 mil que o ex-assessor tinha com ele. O dinheiro não foi declarado em seu Imposto de Renda.
Neste mês, reportagem da revista Crusoé revelou que Queiroz fez outros depósitos em cheque na conta de Michelle. Ao todo, o ex-assessor Queiroz e a mulher dele, Márcia Aguiar, repassaram R$ 89 mil para a conta de Michelle Bolsonaro entre 2011 e 2016 — antes, portanto, de o marido assumir a Presidência da República.