Aborto

“Cidadãos de bem” querem forçar criança de 10 anos a ter filho de estuprador

Share

Criança era estuprada pelo tio desde que tinha 6 anos de idade. Grávida aos 10 anos do seu abusador, menina tem direito a aborto, mas apatia da Justiça fez com que "militantes pró-vida" se manifestassem em defesa do feto. Ministra Damares Alves entrou no caso

(Imagem ilustrativa)

O caso de estupro de uma criança de 10 anos em São Mateus (ES) tem provocado indignação nas redes sociais. A criança, que era abusada pelo tio desde os 6 anos de idade, está grávida de três meses.

A polêmica começou porque a interrupção da gestação ainda é considerada uma “possibilidade”, de acordo com a secretária de Assistência Social do município, Marinalva Boedel. Por isso, a hashtag “#gravidezaos10mata” ficou nos assuntos mais comentados do Twitter Brasil nesta sexta-feira (14).

De acordo com a Polícia Militar, a menina deu entrada no Hospital Estadual Roberto Silvares acompanhada de um familiar informando ter sido vítima de estupro e estar grávida. O agressor está foragido.

A morosidade da Justiça para se posicionar sobre o caso, enquanto a gravidez avança, abriu espaço para que grupos que se intitulam “pró-vida” se manifestem em defesa do feto.

“O bebê é inocente e não tem culpa de nada” e “matar o bebê é crime imperdoável aos olhos de Deus” foram comentários publicados por pessoas que se autoproclamam contra o aborto.

Apesar de o caso estar ’em análise’ pela Justiça, na legislação brasileira consta a possibilidade de aborto quando uma menor é vítima de abusos sexuais.

A legislação permite o aborto em apenas três situações: caso haja risco da mãe morrer devido a sua condição, se a mãe for vítima de estupro, e se o feto for anencéfalo. A criança em questão se enquadra no primeiro e no segundo item.

Em 2019, uma menina de 13 anos morreu durante o parto do bebê gerado pelo estupro do próprio pai na cidade de Coari, no Amazonas. Luana Ketlen, filha de Tome Faba, de 36 anos, descobriu a gravidez quando já tinha cinco meses de gestação. Ela não contou que era estuprada porque era ameaçada de morte pelo pai. Depois que a gravidez foi descoberta, ela relatou que sofria os abusos desde os nove anos de idade.

Em um outro caso, dessa vez na Argentina, uma menina de 11 anos estuprada pelo companheiro da avó teve a interrupção da gestação dificultada por médicos que alegaram “objeção de consciência”, embora ela tivesse permissão legal para fazer o aborto. À época, estava grávida de 19 semanas. A disputa judicial demorou tempo suficiente para a menina ter passado por uma cesariana quando estava com seis meses de gestação. O bebê morreu dez dias depois.

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que complicações na gravidez são a principal causa de morte de meninas com idades entre 15 e 19 anos. Em segundo lugar, aparece o suicídio e, em terceiro, acidentes de trânsito.

Damares Alves

A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves disse hoje, nas redes sociais, que ajudará a menina de 10 anos que está grávida.

Damares, que é evangélica, afirmou que sua equipe está entrando em contato com as autoridades da cidade de São Mateus, onde vive a família, para ajudar a criança.

A ministra não especificou que tipo de ajuda oferecerá à criança, mas imagina-se que ela atuará para que o aborto seja evitado. Professora da Universidade de Brasília (UnB), a antropóloga Debora Diniz criticou a ministra.

“Menina de 10 anos é violentada desde os 6. Está grávida de um estupro. Ministra Damares quer oferecer “ajuda”. Há pressa aqui. Pressa em cuidar de uma frágil menina vítima de tortura. Ela tem o direito de interromper esta gestação e não sofrer pressão religiosa do Estado”, afirmou Débora.

Débora Diniz explicou quais são as obrigações do Estado e falou sobre o dever da ministra de assegurar que a menor tenha um aborto seguro garantido para preservar sua infância – etapa fundamental para o desenvolvimento humano saudável.

“Ela é só uma menina. Ministra Damares fala em ‘ajudar a criança e sua família’, termina dizendo que sua equipe irá ‘acompanhar o processo criminal até o fim’. Está errada. Seu dever é garantir que essa menina seja protegida, que sua identidade seja mantida no anonimato, que não grite essa história para fazer demagogia política”, observa Débora.

Nas redes, o caso continua repercutindo: