Especialistas explicam o que é nitrato de amônio, apontado como o provável responsável pela tragédia, e como ele pode causar uma explosão tão devastadora. Carga chegou ao porto de Beirute em 2013
BBC News
O presidente do Líbano, Michel Aoun, afirmou que uma substância chamada nitrato de amônio, usada como fertilizante e em materiais explosivos, pode ter causado a mega-explosão que deixou dezenas de mortos e milhares de feridos em Beirute, capital do país.
Aoun afirmou ser “inaceitável” que 2.750 toneladas do composto fossem estocadas em um depósito, sem a segurança necessária.
Uma investigação está em andamento para encontrar o gatilho exato da explosão. O Conselho Supremo de Defesa do Líbano afirmou que os responsáveis vão enfrentar a “punição máxima” possível.
O primeiro-ministro do país, Hassan Diab, afirmou que o depósito onde o nitrato de amônio estava armazenado existia desde 2014, e que a situação do local será investigada pelas autoridades.
“O nitrato de amônio é um dos fertilizantes mais utilizados na agricultura no mundo inteiro. Também é usado na fabricação de explosivos”, explica Reinaldo Bazito, professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP).
A substância pode ser utilizada na produção de explosivos e bombas. “Ele é um explosivo altamente potente”, diz Bazito.
Segundo o professor, normalmente o nitrato de amônio é estocado em grandes quantidades, pois a substância atende a uma grande demanda da agricultura por fertilizantes.
“Ele é importante porque fornece uma necessidade básica das plantas, que são os nutrientes NPK, sigla para nitrogênio, fósforo e potássio”, explica.
Bazito afirma que o fertilizante não apresenta grandes riscos se armazenado de maneira segura.
“Ele não explode sozinho. É preciso um gatilho muito grande para que uma explosão ocorra. No caso do Líbano, se for isso que aconteceu, acredito que a explosão pode ter sido causada pelo incêndio que estava ocorrendo antes”, explica.
Para armazenar o elemento de maneira segura, diz Bazito, “são necessárias precauções contra incêndio.”
“Os armazéns precisam ser feitos de tal forma que não haja acúmulo de nitrato de amônio. É preciso garantir que não haja ‘pontos quentes’ (temperatura excessivamente alta) no material estocado, evitando a decomposição térmica”, afirma.
Para Luiz Carlos Dias, professor do instituto de química da Universidade de Campinas (Unicamp), armazenar o produto em casa (um sólido granulado semelhante a um sal grosso) não causa grandes riscos, a menos que ele seja exposto a altas temperaturas.
“É necessária uma combustão para ocorrer a explosão. Se havia uma grande quantidade do produto armazenado, uma temperatura acima de 300 graus pode o tornar explosivo. Um incêndio atinge essa temperatura facilmente”, afirma.
Já Bazito diz que seguir a legislação e precauções básicas bastam para estocar o produto sem correr riscos.
“Ele é um material seguro se armazenado de maneira adequada, conforme a legislação e normas pertinentes, para evitar incêndios e explosão em caso de incêndio. Embora haja casos de explosões, o número de acidentes em relação à quantidade de vezes que ele é utilizado e transportado no mundo é pequeno, proporcionalmente”, afirma.
O Brasil é um dos líderes na produção mundial de alimentos, e a demanda dos agricultores é muito maior do que o país consegue produzir de nitrato (cerca de 500 mil toneladas por ano) e outros adubos químicos. Com isso, a maior parte dos fertilizantes precisa ser importada.
O Brasil importou cerca de 1,2 milhão de toneladas de nitrato de amônio em 2019, cerca de 3% do que o país utiliza de fertilizantes. Nos 10 últimos anos, o volume variou acima do 1 milhão de toneladas, e o principal fornecedor tem sido a Rússia.
O nitrato de amônio já causou algumas explosões trágicas, inclusive no Brasil. Relembre:
Fábrica da Basf em Oppau (Alemanha) – 1921
Um dos primeiros acidentes com nitrato de amônio deixou 561 mortos e quase 2 mil feridos em 1921. Ocorreu em uma fábrica da Basf em Oppau, na Alemanha, quando cerca de 4,5 mil toneladas de uma mistura de sulfato de amônio e nitrato de amônio explodiram.
Foram duas explosões, uma de menor intensidade e, em seguida, a maior, com efeitos catastróficos. Elas foram ouvidas até em Munique, a 300 km de distância. Das cerca de mil casas da pequena cidade, 80% foram destruídas.
Não se sabem exatamente as causas da tragédia, pois todos os envolvidos morreram, mas acredita-se que foi causada quando trabalhadores tentaram “afofar” a mistura, que tende a se solidificar, transformando-se em uma substância parecida ao gesso, com pequenas cargas de dinamite.
Era uma prática comum na época, quando se pensava que misturas contendo menos de 60% de nitrato não explodiriam.
Navio no Porto de Texas City, no Texas (EUA) – 1947
Foi o acidente industrial mais mortal da história dos EUA e uma das maiores explosões não nucleares da história.
A tragédia aconteceu em 16 de abril de 1947, quando um incêndio no meio da manhã atingiu o navio SS Grandcamp, de bandeira francesa e ancorado no porto. As chamas provocaram a detonação de cerca de 2,3 mil toneladas de nitrato de amônio armazenadas na embarcação.
Isso iniciou uma reação em cadeia de incêndios e explosões em outros navios e nas instalações de armazenamento de petróleo vizinhas, matando pelo menos 581 pessoas nas proximidades, com exceção de um bombeiro.
O desastre levou à primeira ação coletiva contra o governo dos Estados Unidos, em nome das vítimas.
Atentado em Oklahoma City (EUA) – 1995
Em 19 de abril de 1995, o extremista americano Timothy McVeigh detonou uma bomba feita com duas toneladas de nitrato de amônio na frente de um edifício federal em Oklahoma City, capital do Estado de Oklahoma, matando 168 pessoas e ferindo outras 700.
O atentado levou as autoridades do país a endurecer as regras sobre o armazenamento da substância.
Segundo a lei americana, instalações que armazenem mais de 900 kg de nitrato de amônio são obrigadas a passar por inspeções regulares.
Usina da AZF em Toulouse (França) – 2001
Cerca de 300 toneladas de nitrato de amônio armazenadas em um galpão da usina química AZF, em Toulouse, explodiram em 21 de setembro de 2001, causando a morte de 31 pessoas. A explosão pôde ser ouvida a 80 km de distância.
Atentado em discoteca em Bali (Indonésia) – 2002
O nitrato de amônio foi usado na fabricação de explosivos usados no atentado contra uma discoteca no distrito turístico de Kuta, na ilha indonésia de Bali, em 12 de outubro de 2002, que deixou 202 mortos, sendo 88 australianos, e 209 feridos.
O ataque envolveu a detonação de três bombas e foi reivindicado pelo grupo extremista Jemaah Islamiyah.
Por volta das 23h daquele dia, um homem-bomba dentro da discoteca Paddy’s Pub detonou uma bomba em sua mochila, fazendo com que muitos clientes, com ou sem ferimentos, fugissem imediatamente do local para a rua.
Vinte segundos depois, uma segunda bomba, muito mais poderosa e escondida dentro de uma van, foi acionada por outro homem-bomba.
Uma terceira bomba foi detonada do lado de fora do consulado dos EUA em Denpasar, que se acredita ter explodido pouco antes das duas bombas de Kuta, causou ferimentos leves a uma pessoa e danos materiais mínimos.
Ataque em Oslo (Noruega) – 2011
A substância também foi usada no ataque a bomba pelo extremista norueguês Anders Behring Breivik em 22 de julho de 2011.
A explosão de um carro-bomba em Oslo, capital da Noruega, mirou o Regjeringskvartalet, bairro do governo executivo do país.
A bomba foi colocada dentro de uma van ao lado do bloco da torre que abrigava o escritório do então primeiro-ministro Jens Stoltenberg.
A explosão matou oito pessoas e feriu pelo menos 209 pessoas, doze com gravidade. Breivik seguiu para a ilha de Utoya, onde assassinou outras 67 pessoas a tiros.
Usina da West Fertilizer, no Texas (EUA) – 2013
A explosão aconteceu nas instalações de armazenamento e distribuição da West Fertilizer Company em West, no Estado americano do Texas, enquanto serviços de emergência tentavam debelar um incêndio criminoso na usina.
Quinze pessoas morreram, mais de 160 ficaram feridas e mais de 150 edifícios foram danificados ou destruídos.
Os investigadores confirmaram que o nitrato de amônio foi o material que causou a explosão. Em 11 de maio de 2016, o Departamento de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos dos Estados Unidos anunciou que o incêndio havia sido causado deliberadamente.
Armazém no porto de Tianjin (China) – 2015
Uma explosão em um armazém pertencente a uma empresa de logística de produtos químicos no porto de Tiajin, na China, deixou 173 mortos e centenas de feridos em 2015.
Produtos químicos e nitrato de amônio estavam armazenados juntos na instalação, localizada no leste do país.
Foram duas explosões iniciais, que ocorreram a 30 segundos uma da outra. Mas a segunda explosão foi muito maior e envolveu a detonação de cerca de 800 toneladas de nitrato de amônio (equivalente a 336 toneladas de dinamite), formando uma bola de fogo que pôde ser vista à distância.
Os incêndios causados pelas explosões iniciais continuaram a queimar sem controle durante o fim de semana, resultando em oito novas explosões em 15 de agosto.
Dos 173 mortos, 104 eram bombeiros.
Tanque da Vale Fertilizantes em Cubatão (Brasil) – 2017
O incêndio começou na tarde de 5 de janeiro de 2017, depois de uma explosão em uma correia transportadora que alimentava o armazém da unidade de nitrato de amônio da Vale Fertilizantes, subsidiária da Vale, em Cubatão, em São Paulo.
A estrutura foi evacuada e nenhum funcionário ficou ferido.
O acidente aconteceu quando um dos tanques da empresa explodiu, provocando um grande vazamento de nitrato de amônio. Seguiu-se, então, um grande incêndio, com a emissão de grande quantidade de fumaça tóxica, resultante da queima de nitrato, de cor laranja avermelhada.
Técnicos da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) foram ao local e, com ajuda de um drone, monitoraram a área.
O incêndio só foi completamente extinto após 15 horas. Um bombeiro precisou ser socorrido, vítima de intoxicação. Ele foi medicado e liberado.
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