Redação Pragmatismo
Racismo não 10/Ago/2020 às 17:46 COMENTÁRIOS
Racismo não

Pai de racista diz que filho "recebeu educação para tratar com respeito o próximo"

Publicado em 10 Ago, 2020 às 17h46

Após diversos protestos na porta do condomínio de luxo, moradores colocam faixa em que afirmam não compactuar com o preconceito. Pai tenta justificar racismo do filho, mas é confrontado por psiquiatra da USP. Entregador diz que perdoa agressor

entregador atacado racista

“Meu filho Mateus recebeu educação para tratar com respeito o próximo, independente de classe social, credo ou raça. Valores que lhe foram furtados pela esquizofrenia”.

A declaração acima é do pai de Mateus Abreu Almeida Prado Couto. O homem de 31 anos que vive às custas dos pais chocou o Brasil ao atacar o entregador de comida Matheus Pires com xingamentos racistas.

O episódio gerou uma onda de revolta e principalmente na cidade de Valinhos (SP). Muita gente passa em frente ao condomínio de luxo onde tudo aconteceu protestando contra o agressor. O condomínio fixou um cartaz dizendo que os “moradores não compactuam com o morador em questão” e a PM precisou ser chamada.

“Não podemos esquecer que o racista sempre quer matar o outro, e quando eu digo matar o outro é matar a dignidade, a autoestima, o orgulho. E hoje em dia cada vez mais nós, negros ou pardos, nós temos orgulho das nossas raízes, e a conduta do Matheus e a reação do Matheus é impressionante por causa disso: ele não perde a paciência, ele não hostiliza, ele não vai às vias de fato. Ele simplesmente diz: mas porque você faz isso? Ah, eu tô trabalhando, eu não tenho inveja de você”, explica o advogado Fabiano Machado.

Sobre a justificativa do pai de Mateus, que atribui o racismo do filho a um “quadro de esquizofrenia”, o psiquiatra Paulo Clemente Sallet, da USP, diz que o comportamento do agressor precisaria de investigação mais detalhada, mas afirmou que, no vídeo, o rapaz não parecia estar em surto psicótico.

“Aparentemente, no fragmento apresentado, esse rapaz não estava em surto psicótico. Ele tinha capacidade mental, cognitiva e de autocontrole, que é demonstrado nas atitudes que ele tem no vídeo. Pela expressão verbal, pelos gestos e pela atitude que se vê no vídeo, eu afirmaria que esse rapaz no momento da agressão não parecia estar numa crise psicótica”, afirma Sallet.

O psicanalista e professor Christian Dunker, por sua vez, afirma que “não dá pra gente justificar um ato pela presença de um transtorno como a esquizofrenia”.

“A esquizofrenia pode alterar a percepção do outro. Frequentemente isso acontece em uma condição conhecida como ‘delírio’. No entanto, quando a gente olha para atos agressivos que giram entorno de um transtorno, a pergunta é sempre como a pessoa está lidando com aquilo do ponto de vista da medicação, do tratamento”, explica Dunker.

Contradições sociais, como racismo e a desigualdade, também interferem na percepção de pessoas que sofrem com esse transtorno. “É importante lembrar que os delírios frequentemente captam algo da contradição de um determinado ambiente social onde aquela pessoa está. O antagonismo social se traduz em uma prática racista, de preconceito, e que, muitas vezes, se infiltra nesses sintomas”, afirma o psicanalista.

Nas redes sociais, o agressor racista já admitiu sua admiração por Olavo de Carvalho, guru do presidente Jair Bolsonaro. “Eu tenho muito orgulho de ter descendência portuguesa, como Olavo de Carvalho escreve ‘O idioma que herdamos de Camões é uma língua de guerreiros navegantes, não de cortesãos efeminados’”, escreveu Mateus.

Em entrevista à Rádio Bandeirantes, o motoboy diz que perdoa o agressor. “Desde o primeiro dia, ele está perdoado. Meu objetivo ao tornar essa história pública nunca foi criar essa repercussão toda. Só espero que ele reflita. Se ele tiver algum problema psicológico, como estão dizendo, espero que possa melhorar, que receba ajuda. E estou à disposição se ele quiser falar comigo. Não faço nada disso para me glorificar. Sou só um cidadão comum”.

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