Salmão do sushi pode ser classificado como alimento ultraprocessado
Professor da Faculdade de Saúde Pública da USP explica por que o salmão que comemos no Brasil poderia ser catalogado como um alimento ultraprocessado – mesma categoria dos biscoitos recheados e da salsicha
Marcos Nogueira, Cozinha Bruta
De Tabatinga, no Amazonas, a Chuí, no Rio Grande do Sul, o Brasil tem centenas de cidades às margens do mar, de rios e de lagos. Lugares que, pelo menos em tese, são autossuficientes na pesca.
E o que você encontra nos restaurantes dessas cidades? Salmão e tilápia de criação.
Deixemos a tilápia de lado, por enquanto. Foquemos no salmão. Ele é o favorito dos restaurantes de sushi, do norte ao sul do Brasil. Manaus, terra de tambaqui, tucunaré e matrinxã? Salmão. Fortaleza, paraíso do pargo? Salmão. Vitória, rica em badejo e dourada? Salmão. Floripa, a ilha da tainha? Salmão.
O abundante salmão tem fama de ser benéfico à saúde –o peixe capturado no mar é rico em ômega-3, gordura boa para o sistema cardiovascular.
Ocorre que o salmão não é capturado no mar. Ele é abundante porque vem de fazendas marinhas gigantescas, a maioria delas localizadas no Chile.
Esse peixe não é saudável. Para o professor Carlos Monteiro, do departamento de nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP, o salmão de criação poderia ser catalogado como um alimento ultraprocessado –mesma categoria dos biscoitos recheados e da salsicha.
(Aqui é preciso abrir parênteses. Carlos Monteiro coordenou a elaboração do Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado pelo Ministério da Saúde em 2014, com as diretrizes básicas para a compra e o consumo de comida. No Guia, ele emprega uma classificação que divide os alimentos em quatro categorias. O ingrediente in natura [hortaliças, grãos, carnes] ou minimamente processados [farinhas, macarrão, frutas secas] são a primeira e mais importante. Depois vêm os ingredientes culinários [gorduras, sal e temperos] e os alimentos processados [conservas, carnes defumadas], que devem ser usados com comedimento. Por último, vêm os tais ultraprocessados. São os produtos industriais, feitos com insumos industriais que mal e mal remetem a qualquer alimento encontrado na natureza. Entram no saco as salsichas, os sorvetes de pote, os pães industrializados, as massas instantâneas e a maior parte das comidas vendidas prontas no varejo.)
“Quando elaborávamos o Guia, cogitamos incluir o salmão e outros animais de criação nos ultraprocessados”, disse o professor para o podcast Cozinha Bruta (aqui, você encontra os links para a parte 1 e a parte 2 do programa).
Isso porque o animal de criação passa a vida toda comendo uma ração que, no fim das contas, é um alimento ultraprocessado.
Mas o professor desistiu da classificação polêmica, uma vez que poderia causar confusão na cabeça do consumidor. “A maioria das pessoas não tem essa informação.”
A dieta de ração anula os supostos benefícios da carne do salmão. “A ômega 3 vem de algas que o peixe come na natureza”, conta Carlos Monteiro. Na carne dos peixes alimentados com ração à base de soja ou milho, ela é suplantada por outro tipo de gordura: a ômega-6. Em doses moderadas, não faz mal; mas não é nenhum elixir da longa vida.
Isso sem mencionar os remédios que dão –literalmente– aos baldes para os peixes, sujeitos a doenças nos cercadinhos superpovoados. E no impacto ambiental dessas fazendas, poluidoras dos oceanos.
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P.S.: O salmão foi usado como exemplo devido ao tamanho da indústria e à percepção generalizada de que é uma comida saudável. O que foi dito sobre ele, entretanto, vale também para outros animais de criação industrial, como muito do frango que chega ao mercado. Para a maioria da população, é inviável a compra de carne produzida em fazendas que adotam boas práticas. Esses produtos são caros e difíceis de se encontrar. É melhor comer carne de baixa qualidade do que não comer proteína alguma –o que não significa que o alimento em questão seja bom.