Padre terá de pagar R$ 398 mil de indenização por impedir um aborto legal e fazer com que jovem de 19 anos desse à luz a bebê com síndrome de body stalk. Decisão é do STF e não cabe recurso
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o padre Luiz Carlos Lodi deve pagar R$ 398 mil de indenização por danos morais ao casal Tatielle Gomes e José Ricardo Dias por impedir um aborto legal e fazer Tatielle dar à luz a um bebê que viveu por apenas uma hora.
O caso, que começou há 15 anos, teve fim após decisão do Supremo, no dia 18 de agosto, de manter a condenação do padre em última instância.
“Por que essa medida judicial é importante? É a primeira que eu conheço na América Latina e no Caribe de tamanha sentença contra a Igreja Católica. Segundo, ela tem um papel inibidor da voz da igreja para causar danos morais às mulheres. Esse padre parou de fazer habeas corpus contra as mulheres, então essa ação tem um papel inibidor. E essa é uma história que pode ser inibidora sobre as ofensivas religiosas sobre o espaço público”, diz a pesquisadora Débora Diniz em entrevista à revista AzMina.
De acordo com reportagem da revista, aos 19 anos de idade e com cinco meses de gestação, Tatielle descobriu que o feto que carregava tinha uma anomalia: síndrome de body stalk, doença rara que faz com que os órgãos do feto fiquem do lado de fora do corpo, tornando a vida fora do útero inviável.
Ao receber o diagnóstico, o casal foi orientado a buscar a Justiça e pedir autorização para interromper a gestação. “Eu tinha que fazer isso o mais rápido possível, porque era perigoso eu ir junto [morrer] também”, contou Tatielle em entrevista concedida em 2016.
Após diversas consultas com especialistas, a jovem passou por sete médicos diferentes, que repetiram o exame e emitiram laudos confirmando que o feto não teria mesmo como sobreviver. A orientação médica era a interrupção da gestação.
O aborto no Brasil é permitido por lei em três casos: em situações de gravidez resultante de violência sexual, anencefalia do feto e quando a gestação oferece risco à vida da mulher.
A autorização chegou, cerca de um mês depois, e tudo indicava que Tatielle conseguiria realizar o procedimento, conforme está previsto na lei. Moradora de Morrinhos, a cerca de 130 quilômetros de distância da capital de Goiás, ela teve que ir para Goiânia para fazer o aborto. No dia da operação, os médicos deram a ela os medicamentos para a indução do parto e ela começou a ter dilatação.
No entanto, durante a internação hospitalar, os doutores disseram que teriam de parar o procedimento. Segundo eles, havia chegado ao hospital uma decisão do Tribunal de Justiça de Goiás, que atendeu ao pedido do padre e determinou a interrupção do procedimento. O habeas corpus afirmava que os pais iriam praticar um homicídio.
Por causa da decisão, a jovem foi mandada para casa e não realizou o procedimento, embora estivesse preparada para o parto. A grávida, com dilatação já iniciada, voltou para casa. Nos oitos dias que se seguiram, assistida só pelo marido, ela agonizou até a hora do parto, quando retornou ao hospital. O feto morreu logo após o nascimento.
Os processos do casal
O casal decidiu entrar com uma ação contra o padre, em 2008, por danos morais. Quatro anos depois, os pedidos do casal foram julgados improcedentes pelo juiz da 13ª Vara Cível e Ambiental da Comarca de Goiânia, Otacílio de Mesquita Zago, que entendeu que não houve abuso por parte do padre ao recorrer à Justiça para interromper o procedimento. O casal foi condenado a pagar R$ 1200 ao padre como custas processuais e honorários advocatícios.
De acordo com o processo, descrito na reportagem, a defesa do casal levou o caso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), em 2013. No entanto, só recebeu posicionamento a favor em 2016 quando a ministra do STJ Nancy Andrighi escolheu reverter todas as negativas anteriores e condenou o padre ao pagamento de indenização de R$ 60 mil a Tatielle e José Ricardo. Hoje, com correção, esse valor está em R$ 398 mil.
A decisão foi noticiada na época, e o padre Lodi chegou a afirmar que não tinha bens para pagar a indenização. Com base nessa decisão, o ministro do STF Dias Toffoli manteve a condenação, em última instância, encerrando o processo em agosto de 2020.
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