Jair Bolsonaro

Veja a íntegra do pronunciamento de Bolsonaro na ONU

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Em pronunciamento gravado para a Assembleia Geral da ONU, Bolsonaro falou em Covid, 'Cristofobia', Amazônia, Venezuela e até 5G. Presidente chegou a dizer que incêndios no Pantanal são provocados por índios e caboclos. Veja a íntegra

Como um aluno que sabe ter feito bobagem, Jair Bolsonaro abriu a Assembleia Geral da ONU sob olhares de professores e colegas de classe na comunidade internacional.

Diferentemente do cercadinho do Planalto, onde manda jornalista calar a boca, diz não ser coveiro e pergunta “e daí?” diante do desastre de seu governo na condução da pandemia, o presidente mostrou comedimento desta vez. Mas estava sentado sobre quase 140 mil mortos por coronavírus em seu país.

Na versão oficial, que ele tenta emplacar nas redes aos seguidores e, agora, aos pares, Bolsonaro foi tolhido de tomar qualquer decisão contra a histeria do slogan “fique em casa” que, por culpa e risco de prefeitos e governadores, produziu uma carnificina humana e econômica nos últimos seis meses. De modo macabro, o populismo do presidente brincava de “comigo não morreu”.

Quem ouve nem imagina que sua comitiva voltou de uma viagem aos EUA com ministros e auxiliares contaminados, que ele fez o que pode para boicotar os esforços pelo isolamento, que a determinação judicial não criou amarras, como diz, para agir como deveria na pandemia, em vez de desfilar de cavalo e jet ski e prometer churrasco enquanto seus governados eram enterrados sem velório.

Bolsonaro levou à ONU a postura de um jovem da quinta série que aponta o dedo para o colega quando está prestes a ser repreendido.

Que corre para abrir a janela e ligar o ventilador para desbaratar a fumaça no ambiente que o mundo inteiro vê e sente por conta das queimadas na Amazônia e no Pantanal, que ele ousa atribuir a índios e caboclos que supostamente querem botar fogo na mata para ter onde plantar — e não ao sucateamento do sistema de proteção e fiscalização, a perseguição a ativistas e inspetores ambientais e à ação de grupos criminosos estimulados pelo governo que queria aproveitar as atenções da imprensa na pandemia para passar a boiada nos marcos regulatórios do Meio Ambiente.

Bolsonaro foge da responsabilidade ao dizer que as más notícias de quem sente o cheiro de fumaça na sala são fruto de ativistas com interesses “escusos” unidos a entidades estrangeiras que invejam e querem nossas riquezas naturais para eles. Falou e ficou por isso mesmo.

Contrariando a própria Polícia Federal, que investiga ação criminosa de posseiros no Pantanal, Bolsonaro responsabilizou a natureza e as “consequências inevitáveis” da alta temperatura e o acúmulo da massa orgânica em decomposição pelas queimadas na região — onde, não por acaso, as multas por crimes ambientais despencaram neste ano.

Apostando nas memórias de curta distância ou de seletividade patológica, ele finge agora que não precisa ser responsabilizado por ter, no momento mais grave da crise, criado crises internas sucessivas com dois ministros ejetados na Saúde, a confirmação de um interino que não era da área, e a energia canalizada no conflito com seu ex-ministro Sergio Moro após as mudanças no comando da Polícia Federal

Ele exaltou no discurso a ajuda do auxílio emergencial que, se dependesse da vontade de sua equipe econômica, teria um terço do valor.

As discussões para transformar o benefício em renda universal acabam de ser suspensas por ordem do mandatário, mas isso, claro, não foi citado. Bolsonaro escondeu, assim, a fumaça de outra queimada, a da fritura de seu superministro da Economia no momento em que abre a carteira para atender ao centrão, formado pelas figuras do velho fisiologismo político em Brasília.

O presidente falou também da parceria na fabricação de uma vacina que ele mesmo diz não ser obrigatória para a população. E lançou ao vento os velhos de outras conversas, como a cristofobia, que no Brasil mata anualmente um total de zero pessoas, enquanto jovens e negros são ainda as maiores vítimas da violência do Estado antes, durante e depois da pandemia.

Entre tantas conversas fiadas, Bolsonaro acertou ao dizer que seu país tem na família a sua base. A família dele, no caso, como mostram os caminhos de cheques e salários recolhidos de funcionários, a prosperidades de negócios particulares com imóveis e lojas de chocolate e a relação com um ex-faz-tudo escondido da polícia na casa do advogado da família em Atibaia.

Para o público interno, o discurso performático pode ter funcionado. Aos olhos estrangeiros, Bolsonaro segue como um dos piores, se não o pior, líder governamental da pandemia, como cravou o Washington Post. Se fosse uma prova de Redação, não passaria para a sexta série.

Leia a íntegra do discurso:

“Senhor presidente da Assembleia Geral, Volkan Bozkir;

Senhor secretário-geral da ONU, António Guterres, a quem tenho a satisfação de cumprimentar em nossa língua-mãe;

Chefes de Estado, de governo e de delegação;

Senhoras e senhores,

É uma honra abrir esta assembleia com os representantes de nações soberanas, num momento em que o mundo necessita da verdade para superar seus desafios.

A COVID-19 ganhou o centro de todas as atenções ao longo deste ano e, em primeiro lugar, quero lamentar cada morte ocorrida.

Desde o princípio, alertei, em meu País, que tínhamos dois problemas para resolver: o vírus e o desemprego, e que ambos deveriam ser tratados simultaneamente e com a mesma responsabilidade.

Por decisão judicial, todas as medidas de isolamento e restrições de liberdade foram delegadas a cada um dos 27 governadores das unidades da Federação. Ao Presidente, coube o envio de recursos e meios a todo o País.

Como aconteceu em grande parte do mundo, parcela da imprensa brasileira também politizou o vírus, disseminando o pânico entre a população. Sob o lema “fique em casa” e “a economia a gente vê depois”, quase trouxeram o caos social ao país.

Nosso governo, de forma arrojada, implementou várias medidas econômicas que evitaram o mal maior:

– Concedeu auxílio emergencial em parcelas que somam aproximadamente 1000 dólares para 65 milhões de pessoas, o maior programa de assistência aos mais pobres no Brasil e talvez um dos maiores do mundo;

– Destinou mais de 100 bilhões de dólares para ações de saúde, socorro a pequenas e microempresas, assim como compensou a perda de arrecadação dos estados e municípios;

– Assistiu a mais de 200 mil famílias indígenas com produtos alimentícios e prevenção à COVID;

– Estimulou, ouvindo profissionais de saúde, o tratamento precoce da doença;

– Destinou 400 milhões de dólares para pesquisa, desenvolvimento e produção da vacina de Oxford no Brasil;

Não faltaram, nos hospitais, os meios para atender aos pacientes de COVID.

A pandemia deixa a grande lição de que não podemos depender apenas de umas poucas nações para produção de insumos e meios essenciais para nossa sobrevivência. Somente o insumo da produção de hidroxicloroquina sofreu um reajuste de 500% no início da pandemia. Nesta linha, o Brasil está aberto para o desenvolvimento de tecnologia de ponta e inovação, a exemplo da indústria 4.0, da inteligência artificial, nanotecnologia e da tecnologia 5G, com quaisquer parceiros que respeitem nossa soberania, prezem pela liberdade e pela proteção de dados.

No Brasil, apesar da crise mundial, a produção rural não parou. O homem do campo trabalhou como nunca, produziu, como sempre, alimentos para mais de 1 bilhão de pessoas.

O Brasil contribuiu para que o mundo continuasse alimentado.

Nossos caminhoneiros, marítimos, portuários e aeroviários mantiveram ativo todo o fluxo logístico para distribuição interna e exportação.

Nosso agronegócio continua pujante e, acima de tudo, possuindo e respeitando a melhor legislação ambiental do planeta.

Mesmo assim, somos vítimas de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o Pantanal.

A Amazônia brasileira é sabidamente riquíssima. Isso explica o apoio de instituições internacionais a essa campanha escorada em interesses escusos que se unem a associações brasileiras, aproveitadoras e impatrióticas, com o objetivo de prejudicar o governo e o próprio Brasil.

Somos líderes em conservação de florestas tropicais. Temos a matriz energética mais limpa e diversificada do mundo.

Mesmo sendo uma das 10 maiores economias do mundo, somos responsáveis por apenas 3% da emissão de carbono.

Garantimos a segurança alimentar a um sexto da população mundial, mesmo preservando 66% de nossa vegetação nativa e usando apenas 27% do nosso território para a pecuária e agricultura. Números que nenhum outro país possui.

O Brasil desponta como o maior produtor mundial de alimentos.

E, por isso, há tanto interesse em propagar desinformações sobre o nosso meio ambiente.

Estamos abertos para o mundo naquilo que melhor temos para oferecer, nossos produtos do campo. Nunca exportamos tanto. O mundo cada vez mais depende do Brasil para se alimentar.

Nossa floresta é úmida e não permite a propagação do fogo em seu interior. Os incêndios acontecem praticamente, nos mesmos lugares, no entorno leste da Floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas.

Os focos criminosos são combatidos com rigor e determinação. Mantenho minha política de tolerância zero com o crime ambiental. Juntamente com o Congresso Nacional, buscamos a regularização fundiária, visando identificar os autores desses crimes.

Lembro que a Região Amazônica é maior que toda a Europa Ocidental. Daí a dificuldade em combater, não só os focos de incêndio, mas também a extração ilegal de madeira e a biopirataria. Por isso, estamos ampliando e aperfeiçoando o emprego de tecnologias e aprimorando as operações interagências, contando, inclusive, com a participação das Forças Armadas.

O nosso Pantanal, com área maior que muitos países europeus, assim como a Califórnia, sofre dos mesmos problemas. As grandes queimadas são consequências inevitáveis da alta temperatura local, somada ao acúmulo de massa orgânica em decomposição.

A nossa preocupação com o meio ambiente vai além das nossas florestas. Nosso Programa Nacional de Combate ao Lixo no Mar, um dos primeiros a serem lançados no mundo, cria uma estratégia para os nossos 8.500 quilômetros de costa.

Nessa linha, o Brasil se esforçou na COP25 em Madri para regulamentar os artigos do Acordo de Paris que permitiriam o estabelecimento efetivo do mercado de carbono internacional. Infelizmente, fomos vencidos pelo protecionismo.

Em 2019, o Brasil foi vítima de um criminoso derramamento de óleo venezuelano, vendido sem controle, acarretando severos danos ao meio ambiente e sérios prejuízos nas atividades de pesca e turismo.

O Brasil considera importante respeitar a liberdade de navegação estabelecida na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

Entretanto, as regras de proteção ambiental devem ser respeitadas e os crimes devem ser apurados com agilidade, para que agressões como a ocorrida contra o Brasil não venham a atingir outros países.

Não é só na preservação ambiental que o país se destaca. No campo humanitário e dos direitos humanos, o Brasil vem sendo referência internacional pelo compromisso e pela dedicação no apoio prestado aos refugiados venezuelanos, que chegam ao Brasil a partir da fronteira no estado de Roraima.

A Operação Acolhida, encabeçada pelo Ministério da Defesa, recebeu quase 400 mil venezuelanos deslocados devido à grave crise político-econômica gerada pela ditadura bolivariana.

Com a participação de mais de 4 mil militares, a Força Tarefa Logística-Humanitária busca acolher, abrigar e interiorizar as famílias que chegam à fronteira.

Como um membro fundador da ONU, o Brasil está comprometido com os princípios basilares da Carta das Nações Unidas: paz e segurança internacional, cooperação entre as nações, respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais de todos. Neste momento em que a organização completa 75 anos, temos a oportunidade de renovar nosso compromisso e fidelidade a esses ideais. A paz não pode estar dissociada da segurança.

A cooperação entre os povos não pode estar dissociada da liberdade. O Brasil tem os princípios da paz, cooperação e prevalência dos direitos humanos inscritos em sua própria Constituição, e tradicionalmente contribui, na prática, para a consecução desses objetivos.

O Brasil já participou de mais de 50 operações de paz e missões similares, tendo contribuído com mais de 55 mil militares, policiais e civis, com participação marcante em Suez, Angola, Timor Leste, Haiti, Líbano e Congo.

O Brasil teve duas militares premiadas pela ONU na Missão da Republica Centro-Africana pelo trabalho contra a violência sexual.

Seguimos comprometidos com a conclusão dos acordos comerciais firmados entre o MERCOSUL e a União Europeia e com a Associação Europeia de Livre Comércio. Esses acordos possuem importantes cláusulas que reforçam nossos compromissos com a proteção ambiental.

Em meu governo, o Brasil, finalmente, abandona uma tradição protecionista e passa a ter na abertura comercial a ferramenta indispensável de crescimento e transformação.

Reafirmo nosso apoio à reforma da Organização Mundial do Comércio que deve prover disciplinas adaptadas às novas realidades internacionais.

Estamos igualmente próximos do início do processo oficial de acessão do Brasil à OCDE. Por isso, já adotamos as práticas mundiais mais elevadas em todas as áreas, desde a regulação financeira até os domínios da segurança digital e da proteção ambiental.

No meu primeiro ano de governo, concluímos a reforma da previdência e, recentemente, apresentamos ao Congresso Nacional duas novas reformas: a do sistema tributário e a administrativa.

Novos marcos regulatórios em setores-chave, como o saneamento e o gás natural, também estão sendo implementados. Eles atrairão novos investimentos, estimularão a economia e gerarão renda e emprego.

O Brasil foi, em 2019, o quarto maior destino de investimentos diretos em todo o mundo. E, no primeiro semestre de 2020, apesar da pandemia, verificamos um aumento do ingresso de investimentos, em comparação com o mesmo período do ano passado. Isso comprova a confiança do mundo em nosso governo.

O Brasil tem trabalhado para, em coordenação com seus parceiros sul-atlânticos, revitalizar a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul.

O Brasil está preocupado e repudia o terrorismo em todo o mundo.

Na América Latina, continuamos trabalhando pela preservação e promoção da ordem democrática como base de sustentação indispensável para o progresso econômico que desejamos.

A LIBERDADE É O BEM MAIOR DA HUMANIDADE.

Faço um apelo a toda a comunidade internacional pela liberdade religiosa e pelo combate à cristofobia.

Também quero reafirmar minha solidariedade e apoio ao povo do Líbano pelas recentes adversidades sofridas.

Cremos que o momento é propício para trabalharmos pela abertura de novos horizontes, muito mais otimistas para o futuro do Oriente Médio.

Os acordos de paz entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, e entre Israel e o Bahrein, três países amigos do Brasil, com os quais ampliamos imensamente nossas relações durante o meu governo, constitui excelente notícia.

O Brasil saúda também o Plano de Paz e Prosperidade lançado pelo Presidente Donald Trump, com uma visão promissora para, após mais de sete décadas de esforços, retomar o caminho da tão desejada solução do conflito israelense-palestino.

A nova política do Brasil de aproximação simultânea a Israel e aos países árabes converge com essas iniciativas, que finalmente acendem uma luz de esperança para aquela região.

Matheus Pichonelli, Yahoo News!

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