Candidata negra é rejeitada em cota de concurso por ser "bonita demais"
Justiça determina que candidata seja readmitida no concurso para o qual foi aprovada. Rebeca comemorou a decisão, mas disse lamentar que situações como essa façam os adversários das políticas afirmativas justificarem a ideia de que elas devam ser extintas
Ao passar no concurso do Ministério Público da União (MPU) em 2018, a economista Rebeca Silva Mello, de 28 anos, achou que seus principais problemas haviam ficado para trás. Contudo, uma banca avaliadora reprovou a jovem no exame de cotas, alegando que ela não possui o fenótipo de pessoas negras.
Nesta semana, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal determinou que Rebeca seja readmitida no processo para o qual foi aprovada. No entendimento do desembargador Teófilo Caetano, a jovem foi eliminada do certame porque a banca examinadora considerou que ela não sofreu discriminação por ser bonita e não ter características físicas associadas a pessoas negras, como “cabelo crespo e nariz e lábios extremamente acentuados”.
Segundo o magistrado, o Cebraspe, organizador do concurso, adotou em relação a Rebeca um critério “subjetivo” e no sentido inverso do sistema cotas, “destinado a eliminar e reparar desigualdades históricas”.
Em manifestação feita à Justiça durante o processo judicial aberto pela economista, o Cebraspe afirmou que, para ingressar pelo sistema de cotas, a pessoa deve ser considerada parda e possuir também “características fenotípicas de pessoas negras”.
Rebeca, que, de acordo com a decisão judicial, comprovou ser descendente de quilombolas, prestou concurso para técnico administrativo do MPU (Ministério Público da União), cargo cujo salário inicial é de cerca de R$ 7.000 por mês. Após ter passado na prova, ela foi chamada para uma entrevista para verificar suas características de negra, como o fenótipo. Uma banca formada por três avaliadores, porém, desclassificou a candidata por considerar que ela não tinha direito ao sistema de cotas.
A economista foi à Justiça e ganhou a ação. O Cebraspe recorreu da decisão. Agora, na segunda instância, Rebeca ganhou por 3 votos a 2 e espera ser nomeada após a pandemia de coronavírus.
Em sua defesa na Justiça, o Cebraspe disse que “o fato de uma pessoa ser não branca não significa reconhecer compulsoriamente que seja negra”.
“O pardo, para fins da política de inclusão em foco, deve ser entendido como o preto de pele clara, e deve apresentar características fenotípicas de pessoas negras, as quais serviram ao longo de sua vida como obstáculo, colocando-o à margem da sociedade”, disse o advogado do Cebraspe, Daniel Barbosa Santos.
De acordo com o Estatuto da Igualdade Racial, a população negra é formada por pessoas que se declaram pretas ou pardas, os critérios definidos pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A legislação não prevê que, para ser elegível ao sistema de cotas para negros, o candidato tenha que ter sofrido discriminação.
Rebeca comemorou a vitória judicial, mas disse lamentar que situações como a vivida por ela façam os adversários das políticas afirmativas justificarem a ideia de que elas devam ser extintas.
“Quem é contra o movimento negro usa isso para dizer que não vai dar certo, que é discriminatório. O que era para melhorar está criando uma dissidência sem sentido nenhum”, afirmou.