“Perdi tudo ao me posicionar contra o racismo”. Ginasta demitido do Clube Pinheiros após levar queixas de racismo à direção passa por dificuldades e diz que muitas portas se fecharam
Demitido do Clube Pinheiros após ter levado queixas de racismo à direção, o ginasta Angelo Assumpção, 24, luta para se recuperar do episódio desde então.
“Não recebi muito apoio do pessoal da minha modalidade, então me apoiei na família”, conta. Angelo, que já foi medalha de ouro na Copa do Mundo de Ginástica Artística, está desempregado há quase um ano, continua sem clube e tem treinado por conta própria.
Para pagar as contas e sua alimentação, uma campanha organizada por amigos e familiares já arrecadou mais de 40 000 reais. “Minha existência na ginástica, um esporte elitizado e de brancos, significa muita coisa. Vou lutar por ela até o fim”.
“O que quero mesmo é poder trabalhar porque muitas portas se fecharam para mim”, desabafa. O contato do paulistano com o esporte se consolidou aos 7 anos, quando foi aprovado em todos os clubes da cidade e escolheu entrar no Pinheiros por incentivo da mãe. “Na época, senti como se o mundo estivesse se abrindo”, relembra.
“Tentei dialogar dentro do ginásio e fui recebido com uma suspensão e, um mês depois, com a rescisão de contrato. É difícil os atletas negros quererem se manifestar se são sempre silenciados e não têm apoio dos que têm poder. A empatia não pode ser seletiva”, acrescenta.
Episódio em 2015
Em maio de 2015, Angelo tinha 18 anos e foi surpreendido com uma convocação às pressas para substituir o companheiro de clube Arthur Nory, lesionado, na seleção brasileira que disputaria a etapa de São Paulo da Copa do Mundo.
Na final, foi sua vez de surpreender a todos, inclusive à própria família que o assistia nas arquibancadas, com um salto perfeito. Mas o ouro inédito não o blindou do menosprezo que já era frequente nos treinamentos. Duas semanas depois da conquista, Nory publicou um vídeo em que ele e outros dois colegas brancos faziam bullying racista com Angelo.
“O saco do supermercado é branco, o de lixo é preto. Por quê?”, debochava Nory –até então conhecido como Arthur Mariano (seu segundo sobrenome). A repercussão do caso afetou mais a carreira de Angelo que a dos agressores.
Após o episódio, seu desempenho ascendente no tablado se tornou irregular. Tentou esquecer as ofensas dos companheiros de clube e seleção, mas era simplesmente impossível superar o trauma.
“O racismo que sofri naquela época impactou minha vida de forma muito profunda”, conta o ginasta. “Fiquei doente depois de tudo que aconteceu. Mas ninguém se preocupou em me proteger. Tive de me virar sozinho. Me tirei do fundo do poço, da depressão, sem nenhum suporte do clube ou de treinadores. Colocaram minha história de conquistas no esquecimento ao aceitar que me comparassem com lixo.”
As trajetórias de Angelo e Nory tomaram rumos distintos. Enquanto o agredido não se firmou como titular da seleção brasileira, o agressor, que só cumpriu 30 dias de suspensão pela Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) por causa da brincadeira racista e foi poupado de denúncia pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva, disputou a Olimpíada do Rio no ano seguinte e saiu consagrado ao ganhar uma medalha de bronze no solo.
Angelo não desmerece o sucesso de Nory. Se resigna, porém, ao pensar sobre como poderia ter tido o mesmo destaque caso o racismo não tivesse cruzado seu caminho. “Vivia uma ascensão na carreira. Onde eu estaria hoje se não passasse por aquela exposição racista? Será que eu teria disputado uma Olimpíada, ganhado uma medalha? Qual é a importância da vida de um negro? Ainda busco respostas para estas perguntas.”
com Blog Terraço Paulistano
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