Comentários racistas culpam João Alberto por sua própria morte
As duas mortes do negro João: para dezenas de comentaristas racistas, culpa foi da vítima. Justiceiros do tribunal da internet revelam a face cruel de uma sociedade ainda escravocrata
Ricardo Kotscho, em seu blog
Se o caro leitor ficou chocado com as imagens do brutal assassinato do negro João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, no estacionamento de uma loja do Carrefour em Porto Alegre, mais revoltado ainda ficará ao percorrer os comentários na internet.
Na notícia sobre o assassinato no portal UOL, boa parte dos mais de 400 comentários que entraram no texto revela que o racismo arraigado na nossa sociedade matou João pela segunda vez, colocando na vítima e na imprensa a culpa pelo que aconteceu.
Destaco aqui alguns deles:
♦ “O cara foi pra cima dos seguranças, que revidaram _ homicídio culposo _ daí os abutres da imprensa (esquerda) se deliciaram” (sapé10).
♦ “Acordem, alguma coisa esse João branco ou negro fez no caixa (…) Ele aprontou alguma” (Coração corintiano).
♦ “Se fosse branco, a mídia passava em branco” (mmasco).
♦ “Esse papo de racismo é coisa de mídias podres, de comunistas, traidores e de oportunistas” (Aranha meu).
♦ “A reportagem só prova uma coisa: um jornalismo desonesto. Dá nojo de pensar que acompanhamos notícias produzidas dessa maneira” (Observatório Regional).
♦ “Infelizmente, temos notícias destacadas dessa forma. Temos que parar com o vitimismo! Tem que ser apurado o que realmente aconteceu. Notícia desta forma apenas agrega mais ódio” (Gele)
♦ “Parece que o homem negro começou toda a confusão, agredindo os outros” (Paulo Chimpa).
♦ “Primeiro, ele arruma confusão no caixa, depois dá um soco no PM que o escoltava até o carro e, depois disso, acaba morto. Pergunta: se ele não tivesse dado um soco no funcionário do mercado, será que estaria morto?” (Nem a Pau).
♦ “Ser negro agora dá salvo conduto para agredir os outros??? Ele estava perturbando o sossego, estava sendo retirado da loja e resolveu bater nos seguranças. O que aconteceu depois é responsabilidade dos atos dele” (igoissilva).
♦ “Quantos brancos não morrem e não temos notícias… Só porque era negro… O Brasil não tem racismo, mas querem implementar uma guerra social” (Marcokila)
♦ “Basta olhar para primeira página deste pasquim digital para saber que a extrema imprensa agora quer provocar um apartheid no Brasil. E ganha-se o que com isso?” (valter.f).
Será que é gente quem escreve essas coisas ou serão os robôs das milícias digitais? Protegidos pelo anonimato dos codinomes, os justiceiros do tribunal da internet revelam sem disfarces a face cruel de uma sociedade ainda escravocrata em que só falta revogar a Lei Áurea.
E hoje se celebra o Dia da Consciência Negra. Vida que segue.