Juíza que chamou servidora de "minha escrava" é punida com remoção de comarca
Áudios com as humilhações da juíza mostram ameaças e palavrões impublicáveis. Foram descartadas penas mais severas, como a aposentadoria ou demissão, e Gisele Ribeiro continuará atuando como magistrada
Lucio Vaz, A Gazeta
A juíza Gisele Lara Ribeiro, acusada de ameaçar, desrespeitar, humilhar e xingar servidores do seu gabinete, teve aprovada a sua remoção compulsória para comarca diversa de Curitiba (PR), mas continuará atuando como magistrada.
A decisão foi tomada por unanimidade pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná, em sessão administrativa nesta segunda-feira (23). Foram descartadas penas mais severas, como a aposentadoria ou demissão.
“Parece que você tem paralisia cerebral”; “esse servidor é um burro”; e “vou chutar essa guria” foram algumas das ofensas gravadas em áudio pelos servidores. Outras testemunhas revelaram que a juíza Gisele Ribeiro chegou a se referir a uma servidora, diante de outros funcionários, como sua “escrava branca”.
A magistrada terá que ser acomodada em uma comarca de “entrância final”, em cidades como Londrina, Maringá ou Cascavel, por exemplo. Havia penas mais leves, como advertência ou censura. O órgão poderia aplicar as penas de remoção, disponibilidade ou aposentadoria. A pena de demissão só pode ser aplicada em decorrência de sentença judicial tramitada em julgado. Cabe recurso da decisão tomada ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A relatora do caso, Regina Helena, afirmou no seu voto que foram corroboradas por meio de relatos de testemunhas todas as acusações feitas pelos servidores que sofreram assédio moral, humilhações e ameaças. A relatora também considerou legais as gravações feitas pelos servidores. E citou alguns trechos na sessão desta tarde. “Eles são um bando de filhos da p…. Você não tá entendendo? Confiou, f… (…) Daria pra confiar se eu fosse bem vagabunda, ‘trepadeira’. Como eu não sou assim, nós ‘se f...’”.
Gisele Ribeiro apontava a suposta incompetência de servidores: “tinha que desenhar tudo”; “parece que você tem paralisia cerebral”; ou “esse servidor é um burro”. Outro trecho dos áudios mostra ameaças e palavrões impublicáveis: “Eu vou chutar essa guria”; “a filha da p… que não sabe enxergar m… nenhuma”.
Há também relatos de que a juíza tecia comentários depreciativos e palavras ofensivas a advogados antes do seu atendimento. Ao receber a informação de que um advogado a procurava, ela proferia expressões como: “o que essa gentinha quer? São um bando de porcos”; e “manda entrar essa gentalha”.
Mas a relatora destacou que não foram colhidas provas que comprovem que a juíza denunciada tenha ofendido advogados durante o seu atendimento. Ela também concluiu que não há provas de que a magistrada tenha alterado a ordem de processos, segundo consta na denúncia.
Na tomada dos depoimentos, a relatora apurou que a acusada baixou a pontuação dos quatro servidores que fizeram a denúncia ao tribunal. Antes, eles tinham a pontuação máxima. Segundo Regina Helena, os servidores viviam um clima de terror no gabinete. Alguns tiveram que ser submetidos a tratamento médico devido aos abalos sofridos. Num de seus ataques, ela disse sobre um servidor: “Prefiro matar um filho dele”.
A relatora também apurou que a juíza determinava que os servidores gravassem pelo celular todas as conversas e audiências no gabinete. Os áudios que comprovaram as ameaças foram retirados dessas gravações. Mas a relatora ainda acrescentou que podem ser usadas como prova a gravação de uma conversa feita por um dos interlocutores, segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).
Regina Helena concluiu que a acusada “violou os princípios de cortesia e do decoro” porque as ameaças e xingamentos eram constantes, e não apenas excessos momentâneos, o que recomendaria uma punição acima da advertência e da censura.
Mesmo assim, não decidiu pelo afastamento definitivo da juíza. Optou por uma pena que mantém a acusada em atuação nas comarcas do estado. Na sua defesa, a juíza Gisele Ribeiro afirmou: “Não são ameaças, são desabafos. Não configuram ameaças”.
A Corregedoria do Paraná destacou que, em relação à cortesia, a acusada infringiu o artigo 22 do Código de Ética da Magistratura: “O magistrado tem o dever de cortesia para com os colegas, os membros do Ministério Público, os advogados, os servidores, as partes, as testemunhas e todos quantos se relacionem com a administração da Justiça. Parágrafo único. Impõe-se ao magistrado a utilização de linguagem escorreita, polida, respeitosa e compreensível”.
Em relação à dignidade, honra e decoro, por sua vez, o art. 37 preceitua: “Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções”. A corregedoria concluiu que, dos elementos informativos em análise, “constatam-se indícios da prática de atos contrários às normas extraídas dos textos normativos acima referidos”.