Empresário que matou a cicloativista não prestou socorro e foi flagrado sorrindo após o crime. Juíza afirma que há indícios de que o motorista “encontrava-se sob efeito de álcool”. Mulher que estava com ele no banco do passageiro também foi indiciada
A Justiça de São Paulo reclassificou o inquérito que apura o atropelamento e morte da ciclista e socióloga Marina Kholer Harkot, de 28 anos, na noite de 8 de novembro, como homicídio doloso por dolo eventual (no qual se assume o risco de matar).
O Ministério Público queria que fosse rejeitada a proposta da polícia, que considerou o caso como homicídio culposo (sem intenção de matar). Com a mudança, o motorista José Maria da Costa Júnior, de 34 anos, que atropelou e matou a cicloativista pode ir a júri popular.
No último dia 10, a Polícia Civil havia indiciado o empresário José Maria por homicídio culposo na direção de veículo automotor e fuga do local do acidente sem prestar socorro à vítima. Ele atropelou e matou a cicloativista quando ela pedalava na Avenida Paulo VI, em Pinheiros, Zona Oeste da capital.
Para a investigação, Costa Júnior dirigia sob efeito de bebida alcoólica e em alta velocidade, conforme mostram vídeos de câmeras de segurança e depoimentos de testemunhas.
“Há novos elementos investigativos que corroboram tanto a embriaguez quanto o excesso de velocidade e, como bem afirmado pelo Promotor de Justiça, há, portanto, dolo eventual, de modo que o investigado, nestas condições, assumiu o risco de produzir o resultado morte”, escreveu a juíza Tatiana Saes Valverde Ormeleze, do Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo) do Tribunal de Justiça (TJ), na sua decisão de reclassificar o crime como homicídio doloso.
O condutor responde em liberdade. Mas com a decisão judicial desta quarta (25), o processo que apura as causas e eventuais responsabilidades pelo atropelamento e morte de Marina foi encaminhado para uma vara especializada do Tribunal do Júri, onde são julgados crimes dolosos contra a vida. Um outro promotor e um outro juiz analisarão o inquérito. Dependendo do que decidirem, o motorista José Maria poderá ir a julgamento popular por ter atropelado e matado Marina.
Além de José Maria, outras duas pessoas que estavam com ele no carro no momento do atropelamento também foram responsabilizados pela polícia. A estudante Isabela Serafim e o auxiliar de escrevente de cartório Guilherme Dias da Mota, ambos de 21 anos, foram indiciados por omissão de socorro, e também podem ir para o Tribunal do Júri pelo fato de o crime ser conexo com o homicídio doloso. Os dois também respondem em liberdade.
Flagrado sorrindo
Minutos depois de atropelar a ciclista, José Maria Júnior foi gravado pela câmera do elevador do prédio onde mora, no centro da São Paulo, subindo para o seu apartamento sorrindo, conversando com alguém pelo celular e na companhia de uma mulher.
Cicloativista havia pelo menos oito anos, Marina era cientista social pela USP (Universidade de São Paulo), ativista feminista e pesquisadora de mobilidade urbana. Em 2018, concluiu um mestrado pela FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP) com a dissertação de título “A bicicleta e as mulheres: mobilidade ativa, gênero e desigualdades socioterritoriais em São Paulo”.
Marina era pesquisadora colaboradora do LabCidade (Laboratórios do Espaço Público e Direito à Cidade), ligado à FAU. Ela tinha em curso uma pesquisa de doutorado, também pela FAU, em que estudava a segregação socioterritorial a partir de abordagens de gênero, raça e sexualidade.
A morte de Marina gerou protestos por parte de ciclistas, que se organizaram em bicicletada e fizeram uma homenagem a ela em frente ao local do velório. Os manifestantes deitaram as bicicletas na via e aplaudiram. O asfalto da avenida onde ela foi atropelada foi pintado com os dizeres “Marina vive” e “Não pare de pedalar, Marina”.