Candidata que fez campanha com uma medida protetiva que a deveria manter a salvo é assassinada no Pará. Leila Arruda queria usar política para ajudar as mulheres
Abinoan Santiago, Universa
Candidata pelo PT à Prefeitura de Curralinho, interior do Pará, a pedagoga Leila Arruda, 49, andou dezenas de comunidades ribeirinhas em busca de apoio para as causas que defendia durante os 45 dias de campanha. O que os eleitores e demais apoiadores não imaginavam é que a candidata percorria os rios em estado de alerta, com uma medida protetiva que a deveria manter a salvo do ex-marido, Boaventura Dias.
Ele não aceitava o fim da relação. E, por isso, ao longo de um mês e meio, a pedagoga buscou não andar sozinha em nenhum momento. Apesar de o ex-marido não morar em Curralinho, era um sinal de prevenção.
Leila ficou em terceiro lugar na disputa pelo comando da cidade, com pouco mais de 3.000 votos. Cleber Edson dos Santos Rodrigues (PSD), 67, venceu com 7.236. Quatro dias depois do resultado, Leila foi assassinada em Belém.
De acordo com a família, Leila e Boaventura terminaram o casamento em 2017, depois de 26 anos de união. Eles moravam em Belém, mas se conheceram ainda jovens em Curralinho, pequena cidade de 26 mil habitantes do Arquipélago de Marajó, no Pará.
O irmão de Leila, o servidor público Léo Arruda, 52, conta que após a separação, Boaventura tentou por diversas vezes reatar com a ex-esposa, que mantinha as recusas. Em uma das ocasiões, o suspeito teria agredido verbalmente a pedagoga. Com medo, ela o denunciou à Polícia Civil e conseguiu uma medida protetiva, em 2019.
Apesar de sempre andar em alerta para não se encontrar sozinha com o ex, a ordem judicial que buscava impedir que Boaventura se aproximasse dela ou dos dois filhos fazia Leila acreditar que não poderia sofrer nada além das agressões verbais.
“Ano passado, ele disse algumas palavras grosseiras e isso resultou em uma medida protetiva que o impedia de se aproximar. Ela acreditava que por terem filhos, não seria alvo de tanta agressividade como foi, mas sempre se precavia, não andando sozinha”, explicou o irmão.
“Ele não permitia que a Leila tivesse outra pessoa, conservando uma raiva que a cada tempo se multiplicava. Não tínhamos relatos de ameaças de mortes”, acrescenta.
Crime foi planejado, acredita família
De acordo com os parentes de Leila, após três anos de separação, Leila apresentou no dia das eleições, em 15 de novembro, o novo namorado à família, em Curralinho. Boaventura estava na cidade e teria tomado conhecimento do relacionamento da ex-esposa.
“Na campanha, ele veio só uma vez tentar falar com ela, que recusou de novo. O que temos de notícias é que no dia da eleição, ele estava na cidade marcando os passos dela com o novo namorado, programando tudo para fazer [o crime] em Belém. Não desconfiamos de nada dias antes”, comentou Léo Arruda.
Os parentes sustentam que Boaventura precisou planejar o crime porque sabia que Leila não andava sozinha. Para atacar a pedagoga, ele, então, teria esperado o filho mais velho sair para trabalhar e acionado o mais novo para levar o carro a uma mecânica. Isso deixou a pedagoga sozinha em casa, no bairro Tenoné, em Belém.
“Ele premeditou o crime. Depois das eleições, ela assumiu o relacionamento, mas este camarada monitorou a vida dela antes do assassinato”, afirma o irmão.
Foi ele quem encontrou o corpo de Leila. Ele recebeu uma ligação de uma testemunha informando que havia acontecido uma discussão na casa. Depois de tentar ligar por várias vezes, foi até a casa dela e já a encontrou morta.
Ribeirinha, Leila queria usar política para ajudar mulheres
Leila era filha de uma professora com um agricultor de Curralinho. Ela nasceu às margens do rio Paramirim e se criou à beira do Mutuacá. De acordo com o irmão, a vítima saiu aos 10 anos da região para morar sozinha com a irmã mais velha, em Belém, em busca de estudos, depois de ser alfabetizada em casa pela mãe.
“Nossa mãe era professora da comunidade, e sempre trabalhamos com a agricultura, principalmente com a produção de farinha de mandioca”, lembra o irmão.
Arruda conta que Leila estudou em conventos até o fim da adolescência. Aos 20, ingressou no PT e se formou em pedagogia na Universidade Federal do Pará (UFPA), se especializando em educação de crianças especiais.
Antes de morrer, a vítima trabalhava no Hospital de Clínicas Gaspar Viana, na capital paraense, e coordenava o Movimento de Mulheres Empreendedoras da Amazônia (Moema). A intenção de Leila, frisa o irmão, era tornar as mulheres independentes financeiramente dos maridos.
“Ela veio para Belém buscar uma vida melhor para si e para os filhos. Com isso, se envolveu em movimentos sociais e fundou a Moema, que ajudava as mulheres a terem renda própria. Ela conseguiu isso através de outras amigas e da nossa irmã mais velha”,ressalta.
De acordo com Arruda, uma das bandeiras de Leila durante a campanha era proporcionar mais políticas públicas às mulheres de Curralinho, município que tem 5.503 famílias cadastradas no Bolsa Família, sendo que desses, 94,3% dos responsáveis familiares são do sexo feminino.
“Depois que graduou os filhos, um em engenharia elétrica e outro em engenharia mecânica, estava animada com a campanha para vereadora, mas o partido acabou decidindo pelo nome dela para prefeita. Isso a fez percorrer o município todo defendo as suas bandeiras, que era a melhoria da saúde, educação inclusiva, ampliação do serviço social, agricultura familiar como geradora de renda e criação de programas específicos de políticas para as mulheres”, diz o irmão.
Ele conta que ela sempre trabalhou muito para dar oportunidade aos filhos de estudar. “O sonho dela agora era entrar na política com mandato para progredir a inclusão social e ajudar outras mulheres a também se desenvolverem”, completa.
Crime gerou comoção
Leila foi assassinada com várias facadas pelo ex-marido, segundo a Polícia Civil. Ele fugiu do local, mas foi localizado horas depois após denúncia do próprio filho e está preso.
O caso de Leila gerou comoção entre políticos e entidades. Nas redes sociais, o partido de Leila lamentou a morte. “O PT Pará ressalta sua indignação por este crime brutal que tirou a vida de mais uma mulher no estado e reitera que é inadmissível que as mulheres sejam reféns da violência provocada pelo machismo enraizado na sociedade”, diz a nota.
A ex-presidente Dilma Rousseff também usou as redes sociais para comentar o fato: “O assassinato da companheira Leila Arruda, candidata do PT em Curralinho (PA), causa enorme tristeza e indignação. Como tantas mulheres neste país, Leila foi mais uma vítima de feminicídio”.
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