Com mais de 400 mil comprimidos parados, governo Bolsonaro prepara nova compra de cloroquina. O medicamento, que não tem eficácia contra o coronavírus, antes era produzido somente sob demanda para tratar malária. Não bastasse a sobra no Exército, o Brasil também recebeu uma remessa descarta pelos EUA
Taís Saibt, Agência Fiquem Sabendo
Com quase 400 mil comprimidos de cloroquina parados no Laboratório do Exército — estoque inédito do remédio, até então produzido apenas sob demanda para o tratamento de malária –, o governo brasileiro já prepara uma nova compra do medicamento para 2021.
“A produção é realizada por meio de demanda e sua distribuição é feita por semestre, razão pela qual não houve manutenção de estoque em anos anteriores”, explicou o órgão. Além de ser inédito, o estoque atual de cloroquina no Laboratório Químico Farmacêutico do Exército (LQFEx) é maior do que a produção dos últimos anos.
Conforme informado via LAI, o medicamento foi fabricado em 2012, 2015 e 2017, mas apenas em 2012 a quantidade produzida superou 400 mil comprimidos.
Aposta do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como tratamento para a Covid-19, mesmo sem respaldo científico, a cloroquina teve fabricação intensificada no LQFEx, chegando a mais de 3,2 milhões de comprimidos produzidos entre março e junho, dos quais 392 mil estão parados. O custo total da produção de 2020 passou de R$ 1 milhão e o prazo de validade dos lotes é de dois anos.
Não bastasse a sobra no Exército, o Brasil também recebeu uma remessa de hidroxicloroquina doada pelos Estados Unidos. Estima-se que o governo tenha 2,5 milhões de doses de hidroxicloroquina em estoque, as quais pretende distribuir gratuitamente através do programa Farmácia Popular, ao custo de R$ 250 milhões.
Nova compra programada
Mesmo com tantos comprimidos encalhados, o governo federal já prepara a compra de novos lotes de cloroquina para 2021. Também via LAI, a Coordenação-Geral de Assistência Farmacêutica e Medicamentos Estratégicos confirmou que “encontra-se em andamento um processo de aquisição do medicamento Cloroquina 150mg comprimido junto à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), visando abastecer a Rede do Sistema Único de Saúde no ano de 2021”. O órgão não informou a quantidade a ser comprada, justificando que se tratariam de “informações estratégicas”.
Na resposta, o Ministério da Saúde reforça que adquire o medicamento anualmente para atender ao Programa Nacional de Controle da Malária “e com o advento da pandemia pelo novo Coronavírus e as orientações de uso pelo Ministério da Saúde, este medicamento, passou a ser disponibilizado no SUS, desde 27/03/2020, para o tratamento da Covid-19”. O órgão explica que o medicamento é distribuído mediante solicitação dos Estados e, neste momento, não há demanda pendente, mas a aquisição da cloroquina 150mg “é realizada para uma cobertura de 12 meses de consumo”.
Nos últimos meses, o governo tem tentado desovar a cloroquina encalhada nos estados e municípios, chegando a quintuplicar a distribuição do medicamento ao SUS. Conforme dados do Open DataSUS, até 10 de novembro deste ano, o governo federal distribuiu 7,2 milhões de doses de cloroquina pelo país, sendo 5,8 milhões dentro do programa de tratamento da Covid-19, o que representa 81% do total. Outras 290 mil doses de hidroxicoloroquina também foram enviadas ao SUS para tratamento do coronavírus nos estados e municípios.
No documento “Atualizações e Recomendações sobre a Covid-19”, publicado em 9 de dezembro pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), a entidade reiterou que o uso de cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, entre outras substâncias, não é recomendado no tratamento da Covid-19. “Os estudos clínicos randomizados com grupo controle existentes até o momento não mostraram benefício e, além disso, alguns destes medicamentos podem causar efeitos colaterais. Ou seja, não existe comprovação científica de que esses medicamentos sejam eficazes contra a Covid-19”, explica a SBI.
Em outubro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já havia publicado estudo afirmando que a cloroquina não é eficaz para tratar a Covid-19.
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