"Estudo" que aponta eficácia do ivermectina tem sido compartilhado por bolsonaristas nas redes sociais, mas é tão mal feito que não dá para tirar qualquer conclusão – o que os próprios autores reconhecem no fim do artigo
Giulia Granchi, Viver Bem
Um estudo publicado na plataforma Research Square indica que a ivermectina, remédio geralmente usado no combate de piolhos, pode reduzir risco de morte em até 75% para pacientes infectados pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2).
A pesquisa, no entanto, tem problemas. “É tão mal feito que não dá para tirar qualquer conclusão, o que os próprios autores reconhecem no fim do artigo”, aponta Marcio Sommer Bittencourt, cardiologista no Hospital Universitário da USP e editor do periódico científico Circulation: Cardiovascular Imaging.
O estudo é uma meta-análise, o que significa que primeiro é feita a coleta de forma sistemática de todos os dados disponíveis — sem quaisquer filtros específicos. Depois, a equipe avalia a qualidade deles para checar se é suficientemente boa (seguindo os critérios científicos) e com dados homogêneos.
Se a resposta for positiva, junta-se todas as pesquisas e os cientistas realizam uma análise para ver se os diferentes estudos — muitas vezes feitos em países variados e com pessoas de perfis distintos — são compatíveis (em questão de método de pesquisa) e se as conclusões de cada um concordam entre si. Se é o caso, a conclusão pode ser considerada robusta e indicar um caminho a seguir.
“Esse novo estudo, no entanto, não seguiu todas essas etapas, e as que foram seguidas não foram feitas de forma correta”, aponta Bittencourt. “Em uma explicação leiga, imagine que o estudo quer saber quantas frutas as pessoas comem por dia. Só que um analisa cerejas e indica que as pessoas comem 50 unidades, e outro analisa melancias, que diz que as pessoas comem um terço. Não são dados compatíveis e por isso as pesquisas não devem ser analisadas juntas”, explica.
Outro problema é que a maioria dos artigos escolhidos para a meta-análise não foram publicados e revisados por pares, o que garantiria a checagem da qualidade. “São dados que só os criadores desse estudo tem, então falta a avaliação de outros pesquisadores que não participaram da investigação, o que faz parte do protocolo de regras a serem seguidas”, esclarece o médico.
O que determina se o estudo é bom?
Para que a eficácia de um medicamento seja testada, o ideal, explica o pesquisador, é que o estudo feito seja do tipo duplo cego randomizado. Isso significa que os pacientes são sorteados para grupos que vão tomar a droga ou um placebo (como um comprimido de farinha, que não causa nada), e nem o voluntário nem o pesquisador não sabem para qual cada um foi designado, para evitar enviesamento.
“A maioria dos estudos escolhidos não é duplo cego nem possui grupo placebo, então, o medico sabendo, ele pode resolver tirar alguns participantes do estudo, caso avalie o quadro de determinada pessoa como grave”, diz Bittencourt.
Segundo o médico, já foram divulgadas antes meta-análises que em um primeiro momento pareciam positivas, mas que não eram. “Já foram divulgadas pesquisas com outras medicações, como hidroxicloroquina e azitromicina. Aí, passavam por testes duplo cego randomizado, tentando realmente ver a eficácia na prática, viram que os benefícios não superavam os malefícios.”
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