Jair Bolsonaro

A intransparência pública do Governo Jair Bolsonaro

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Diante de tantas denúncias e atitudes de falta de transparência, Bolsonaro conclui o ano de 2020 sendo eleito pessoa corrupta do ano por consórcio internacional de jornalistas

(Imagem: Carolina Antunes | PR)

Jonathas Carvalho*, Pragmatismo Político

Além da pauta dos costumes e de uma política econômica liberal, a campanha de Jair Bolsonaro para presidente foi marcada por um intenso ataque à corrupção de governos anteriores e por promessa de um efetivo exercício governamental anticorrupção. No entanto, as promessas de campanha têm se esvaziado pela governança inepta de Jair Bolsonaro e sua equipe ministerial, considerando que um de seus discursos mais efusivos de campanha foi colocar pessoas certas, no lugar certo.

Um dos elementos mais combativos da corrupção reside na transparência, pois mensura os níveis de difusão, mediação, ocultação e emulação de dados e informações, por um lado, para compreensão das ações gerais que elucidam a qualidade da governança do poder público e, por outro lado, para dialogar com a sociedade e galvanizar uma articulação mais ampla dos diversos setores sociais a fim de cobrar e interferir nas ações do poder público no combate à corrupção.

O Governo Jair Bolsonaro vem sistematicamente corroborando para a expansão das atividades de corrupção no Brasil, através de deterioração da transparência pública, que pode ser comprovado em dois aspectos: ações governamentais difusas em 2019 e 2020 e às práticas governamentais em tempos de pandemia.

Com relação ao primeiro aspecto, em 2019, conforme o site da ONG Transparência Internacional, o Brasil retrocedeu nos meios de prevenção para o combate à corrupção, sendo que em uma pontuação de 0 a 100, ficou no pífio patamar de 35 pontos, o que define nível elevado de corrupção. Em um ranking com 180 países, o Brasil se estabeleceu na 106o posição (caiu uma posição em relação a 2018, embora tenha mantido os 35 pontos).

Vale destacar que no combate à corrupção, o Brasil vem sofrendo retrocessos desde 2015 e atingiu em 2019 sua pior colocação na série histórica. Em 2012, o Brasil ficou na 69o posição com 43 pontos; em 2013, com 42 pontos, caiu para 72ª posição; em 2014, subiu para 69ª posição com 43 pontos; em 2015, caiu para 76ª posição com 38 pontos; em 2016, caiu para 79ª posição, embora tenha subido para 40 pontos; em 2017, com 37 pontos, caiu para 96ª posição; em 2018, com 35 pontos, caiu para 105ª posição.

Concebendo uma síntese dos dados da Transparência Internacional e dos polêmicos episódios ocorridos em 2019 e 2020, a desconfiança com o Governo Bolsonaro sobre transparência no combate à corrupção se dá por uma variedade de fatores, a saber:

1) tentativa de modificação da Lei de Acesso à Informação (LAI), via Decreto, sobre aumento no rol de legitimados a declarar informações como secretas e ultrassecretas (voltou atrás diante da pressão pública);
2) aumento das tentativas diretas e indiretas do Presidente de interferência em órgãos de controle como Polícia Federal e Receita Federal;
3) mudanças no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF);
4) nomeação do Procurador-Geral da República fora da lista tríplice;
5) graves denúncias de “rachadinhas” (peculato) que atingem os filhos e aliados diretos do presidente;
6) transferência de dinheiro na faixa de 89 mil reais, do aliado Fabrício Queiroz, articulador do caso das “rachadinhas”, para a mulher do Presidente Michelle Bolsonaro;
7) mudança do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Justiça para o Banco Central, após relatórios produzidos que comprometiam os filhos do Presidente;
8) aparelhamento de instituições como ABIN para proteção dos filhos denunciados;
9) aparelhamento e cortes radicais de recursos para instituições como Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), IBAMA e Universidades Federais;
10) realização de leilões para privatização de iniciativas públicas produtivas como o pré-sal e inibição da capacidade produtiva da Petrobrás (aumento de instalação ociosa);
11) aparelhamento de instituições para atender interesses difusos de cunho político-econômico e ideológico como Ministério da Justiça, Ministério do Meio Ambiente, Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Educação, entre outros;
12) inserção de ministros acusados de corrupção e outros crimes como Onix Lorenzoni (inicialmente Casa Civil e atualmente Cidadania), Fábio Wajngarten (Comunicação), Marcelo Álvaro (Turismo), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Abraham Weintraub (ex-Ministro da Educação);
13) alianças com o Centrão para compor a base do governo em Ministérios e na articulação política no Congresso, com a participação direta ou indireta de políticos acusados e/ou condenados por corrupção;
14) parcerias no Congresso com políticos do Centrão denunciados por corrupção como Chico Rodrigues (ex-vice líder do Governo no Senado) e Ricardo Barros (atual líder do Governo na Câmara);
15) excesso de decisões via Medidas Provisórias e Decretos para satisfação de interesses próprios, instituindo um modo unilateral e antidialógico de governança;
16) recordes de queimadas na Amazônia e Pantanal, sem ações efetivas de combate do Governo;

Em apenas dois anos de Governo são muitas questões polêmicas e ululantes para quem primava pela transparência pública e afirmava o combate à corrupção. O estilo anticorrupção bolsonarista reside em ocultar e deturpar os marcos de transparência legais e institucionais para o combate à corrupção, inibindo o direito da sociedade em obter dados e informações sobre a realidade do país.

O segundo aspecto possui gravame ainda maior, pois além de se apropriar de elementos do primeiro aspecto, extrapola os limites da escassez de cuidados políticos com as questões sanitárias e econômicas. Com a Pandemia do Novo Coronavírus o Governo Bolsonaro expandiu e publicizou radicalmente ações de restrição da transparência pública, gerando um profundo mal-estar entre os poderes executivo, legislativo e judiciário, além de diversos setores da sociedade civil.

É possível mencionar às seguintes ações do Governo Bolsonaro de restrição da transparência com viés de corrupção durante a Pandemia, quais sejam:

a) compra superfaturada (aproximadamente seis vez mais que o valor convencional de mercado) de materiais da Índia para formulação de cloroquina e hidroxicloroquina estocados no Laboratório do Exército, sendo remédios sem comprovação científica e com possíveis efeitos colaterais cardíacos e hepáticos;
b) formalização de Medida Provisória, chamada de MP da impunidade, que determina que durante a pandemia os ocupantes de funções públicas podem ser responsabilizados somente se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro (a MP perdeu a validade);
c) flexibilização da Lei de Acesso à Informação na pandemia (derrubada pelo STF), fragilizando sensivelmente ações de transparência pública;
d) discursos/ações baseadas no negacionismo ao conhecimento científico, visando confundir a população sobre os procedimentos de prevenção à COVID-19, através de declarações públicas (“Superdimensionado”, “Gripezinha”, “E daí”?, “Não sou coveiro”, “Sou Messias, mas não faço milagre”, “Vamos todos morrer um dia etc.), contrariedade as atividades de prevenção (uso de máscaras, álcool gel, isolamento etc.), provocação de aglomerações e até campanha contra vacinação;
e) resistência e/ou omissão na formulação, implementação e avaliação de políticas públicas para o combate à pandemia durante 2020 e para 2021;
f) resistência e/ou omissão no envio de recursos financeiros, estruturais e de pessoal para o combate à pandemia (quando o fez foi por decisão judicial ou legislativa);
g) indicação de ministro e equipe não especializada no Ministério da Saúde para gerenciar a crise sanitária;
h) deturpação de dados oficiais do Ministério da Saúde sobre infectados e mortos de COVID-19 (falta de transparência pública com dados da COVID-19, contrariando a Lei de Acesso à Informação);
i) criação de um falso dilema entre questão sanitária e econômica (salvar vidas e salvar empregos);
j) campanha expressa contra a vacina e a política de imunização, deixando o Brasil no anacronismo na política de combate à pandemia;
k) suspensão da compra de seringas para vacinação contra a COVID-19 por considerar o valor mais alto que o normal;

A falta de transparência do Governo Bolsonaro durante a pandemia é ainda mais ululante, pois não se expressa apenas nos aspectos político-econômicos (equívocos e omissões em grande medida intencionais), mas também nos valores que retratam o desprezo mais profundo para com indivíduos, famílias e grupos sociais que sofrem com a crise sanitária e, por fim, nas contradições entre os discursos e ações de Bolsonaro.

Diante de tantas denúncias e atitudes de falta de transparência, Bolsonaro conclui o ano de 2020 sendo eleito pessoa corrupta do ano por consórcio internacional de jornalistas por ações passíveis de corrupção que iniciam com denúncias contra a família e se consolidam no contexto da pandemia, sendo parte considerável ações para inibir as estruturas de controle e de transparência pública.

Portanto, a intransparência pública de Bolsonaro como presidente, referencia, por um lado, o desejo explícito de aparelhar e desmantelar marcos legais e institucionais do combate à corrupção, e, por outro lado, inibir a sociedade de dispor de uma política consistente de acesso aos meios de informação, visando promover a aparência de um Governo sem corrupção, mas, em verdade, a instransparência evidencia um conjunto de ações que atentam à Constituição.

*Jonathas Carvalho é doutor em Ciência da Informação pela UFBA e Professor da Universidade Federal do Cariri (UFCA)

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