Pais da adolescente de 15 anos já desconfiavam do que tinha acontecido, mas mantiveram silêncio "para não cometer injustiça". Milena Schreiber morreu durante uma confraternização na casa do patrão de um piquete, como é chamada uma entidade tradicionalista gaúcha. Ela teve grave laceração vaginal, que resultou em hemorragia
Hygino Vasconcellos, Universa
Uma família recebeu no começo deste ano a confirmação que faltava para um crime que ocorreu em 20 de setembro: a adolescente Milena Eduarda Deckert Schreiber, 15 anos, morreu após ser dopada e estuprada durante uma confraternização em Ijuí (RS), a 321 km de Porto Alegre.
Os parentes da garota já desconfiavam do que tinha acontecido, mas preferiram manter silêncio “para não cometer injustiça”, como explicou o pai dela, Cristiano Schreiber, 42 anos.
“A gente não tinha como provar, não tínhamos todos os laudos. Não foi fácil, tivemos que ficar quatro meses sem abrir a boca. A gente até queria esperar o exame de DNA, mas não tinha mais como segurar”, observa.
No começo do mês, a polícia concluiu o inquérito e confirmou a causa da morte e a possível autoria: um adolescente de 17 anos.
A reportagem procurou a Polícia Civil e o Ministério Público, que informaram que não iriam se manifestar. Já o advogado do adolescente disse que “demonstrará a inocência” do rapaz.
No dia do crime, Milena foi com a irmã de 13 anos a uma confraternização na casa do patrão de um piquete, como é chamada uma entidade tradicionalista gaúcha. Chegaram por volta das 10h30, levadas pela mãe, Márcia Cristiane Deckert Schreiber, 39, que não permaneceu no local devido a uma crise de rinite.
O combinado era que elas permanecessem até as 14h30 no local, mas quando Márcia estava se preparando para buscá-las, recebeu uma ligação da filha mais nova, avisando que Milena estava a caminho do hospital.
“Quando eu dei entrada no hospital, às 14h55, ela já estava em óbito”, conta Márcia para Universa.
Vendo a comoção, o médico decidiu poupá-la dos detalhes. Passado o funeral, uma parente decidiu contar o que já era um burburinho na cidade de pouco mais de 83 mil habitantes.
“Para mim, ela morreu duas vezes. Uma vez quando o doutor disse que ela tinha sofrido uma parada cardíaca e outra quando minha cunhada falou a verdade. Naquela hora, parece que ela morreu de novo. Minha filha morreu de uma forma horrível, não tem explicação. Ela era uma menina cheia de saúde, cheia de vida, tinha uma vida inteira pela frente, com sonhos enormes”, lamenta a mãe.
Mas o pai da garota soube antes, ainda a caminho do hospital. “Nesse meio tempo eu consegui falar com minha filha mais nova. Ela disse que a Milena estava com uma hemorragia, estava sangrando muito, como se estivesse menstruada. Ali eu já desconfiei.”
Schreiber conta que antes de liberar o corpo, o perito já adiantou para ele que havia ocorrido violência sexual e que ela poderia ter sido dopada, já que não havia marcas de luta corporal e estava “com semblante de quem estava dormindo”.
Segundo o advogado da família, Humberto Meister, foi comprovado o “rompimento do hímen” e “grave laceração do canal vaginal, o que causou rompimento de vasos, o que levou a grave hemorragia”. Em dezembro, a família recebeu a confirmação de que Milena havia sido dopada com duas substâncias diferentes, uma sedativa e outra anestésica.
“Eu tive acesso rápido ao inquérito, não me deixaram fazer cópias, mas o que se pode compreender é que foi usado um medicamento como o (calmante) Diazepam, além de um sedativo”, explica o advogado.
Ainda segundo Meister, o adolescente confirmou o ato sexual que, segundo ele, teria sido consentido. O garoto segue solto e, caso seja internado, cumprirá pena de no máximo três anos, com possibilidade de ser reduzida.
À reportagem, o pai disse que teve acesso ao depoimento da dona da casa onde ocorreu a confraternização. No relato, a mulher relatou que percebeu quando Milena começou a sentir mal, ao reclamar de “ardência nos olhos”. Em seguida, ajudou a colocá-la em um colchão em um quarto, onde outras participantes do piquete tinham dormido. “Isso só é sintoma de doping”, entende o pai.
A irmã mais nova estava andando a cavalo em frente à propriedade e não presenciou quando Milena começou a passar mal, conforme o advogado da família. Além da mulher, outras pessoas ouvidas pela polícia não relataram nada atípico. Só relataram quando o adolescente foi correndo atrás de seu pai.
Atleta, do campo e querida, diz pai
A família mora em uma propriedade há 20 minutos do centro da cidade. E, diferente de muitos jovens, Milena pretendia seguir a vida no campo. Segundo o pai, já havia aprendido a colheitadeira e estava fazendo técnico agrícola na cidade vizinha de Catuípe, junto com o ensino médio.
“Ela queria fazer agronomia para tocar a propriedade”, conta Schreiber.
Além da vida no campo, a garota também gostava de esportes. Nas paredes do quarto dela há diversas medalhas de competições das quais tinha participado, principalmente dos Jergs (Jogos Escolares do Rio Grande do Sul).
“No começo no que ela podia se meter, ela ia. Era handebol, corrida”, conta o pai.
A jovem tocava três instrumentos — violão, violino e flauta doce — e era líder de jovens na igreja. “Isso tudo foi arrancado de nós. Quero que alguém dê resposta, o ECA (Estatuto da Defesa da Criança e do Adolescente) é uma piada. O agressor é protegido, não pode ter nome divulgado. Mas e para a vítima? Cadê a proteção”, revolta-se o pai, que promete cobrar mudanças na legislação de políticos.
“Este ano foi nosso primeiro Natal, Ano Novo sem a Milena. No dia 17 de janeiro, ela iria completar 16 anos. A gente decidiu ir até o cemitério e deixar um presente para ela: um buquê de flores.”
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