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Racismo não 25/Fev/2021 às 08:55 COMENTÁRIOS
Racismo não

Boninho está errado: Karol Conká não é Odete Roitman

Publicado em 25 Fev, 2021 às 08h55

Quando Boninho escreve no seu Instagram que “Karol Conká é a Odete Roitman”, ele reforça o que a ficção brasileira de novelas teve de mais redutor: esse esquema polarizado e simplificado da vilania e do bom mocismo. A questão é que os participantes do BBB embaralham ainda mais esses códigos da ficção e da realidade, porque obviamente as pessoas não são totalmente boas ou más como vilões e mocinhos de novelas

Boninho errado Karol Conká não é Odete Roitman
(Imagem: instagram)

Ivana Bentes, RevistaCult

Sempre existiu uma cultura e economia do ódio no Brasil, aliás, faz parte da nossa história dos assujeitamentos, da história da escravidão e da estrutura patriarcal essa construção de inimigos que são desumanizados e demonizados – o que permite odiá-los sem culpa.

Podemos dizer que o ódio virou um modulador de relações em um cenário caótico e incerto, em que rivalidades e disputas de todo tipo se sobrepõem ao que seria uma luta coletiva por direitos.

No Brasil, vivemos uma espantosa ascensão de discursos de ódio contra direitos e conquistas recém adquiridos, como se direitos fossem privilégios reversos.

Ódio aos negros “privilegiados” pelas cotas raciais nas universidades, ódio aos pobres “privilegiados” pelo Bolsa Família, ódio às mulheres “privilegiadas” por serem protegidas por lei contra a violência doméstica e familiar, ódio renovado aos grupos LGBTQI+ pela criminalização da LGBTfobia.

Foi esse o ódio capitalizado por Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 e direcionado a um partido, ao sistema democrático e às instituições. Estamos vendo essa gestão do ódio como forma de governo no Brasil de maneira explícita, e isso se reflete em todas as esferas da vida, inclusive no entretenimento.

A economia do ódio

Esse cenário contamina todas as esferas da política, da sociabilidade e da vida afetiva. Os discursos de ódio passam a alimentar toda uma economia. Junto com a polarização política, são um modelo de negócio lucrativo porque envolvem audiência, engajamento e participação em níveis massivos. O ódio e a rivalidade mobilizam.

Os discursos de ódio pós-mídias digitais criaram uma espécie de sociedade de juízes que a todo o momento são invocados a julgar, opinar e “cancelar”, o que produz um ambiente tóxico em que as pessoas se organizam não pela solidariedade ou pela empatia, mas pelo que odeiam.

Esse foi o mesmo mecanismo que operou nas últimas eleições presidenciais hiperpolarizdas, um “ódioativismo” que se tornou base dos discursos políticos tanto à direita quanto à esquerda com uma cultura do cancelamento serial. A indústria do ódio também se associa às fake news, com uma produção em escala massiva de “informações” e “fatos” para alimentar guerras culturais e disputas narrativas que se tornaram tóxicas.

Sociedade dos juízes

O formato do Big Brother Brasil sempre foi o da sociedade da vigilância e dos juízes, dos haters e dos lovers, feito para polarizar, para amar e odiar. Nesse sentido, o BBB atualiza a paixão brasileira por julgar, vigiar e punir.

Sempre me impressionou como os espectadores tratavam os personagens das novelas como se fossem pessoas reais – uma vizinha, um conhecido –, e discutiam em detalhes sua moral, seus erros e acertos de forma muito caricatural, pela lógica dos mocinhos e vilões.

O BBB atualiza as novelas com a vantagem e o risco de ser uma telenovela da vida real, ou seja, que tem efeitos concretos na vida das pessoas que participam dele.

Quando Boninho, diretor do reality, escreve no seu Instagram que “Karol Conká é a Odete Roitman do BBB 21”, ele reforça o que a ficção brasileira de novelas teve de mais redutor: esse esquema polarizado e simplificado da vilania e do bom mocismo.

A questão é que os participantes do BBB, que performam o seu próprio papel, embaralham ainda mais esses códigos da ficção e da realidade, porque obviamente as pessoas não são totalmente boas ou más como vilões e mocinhos de novelas.

Karol Conká perdeu contratos e teve shows cancelados, assim como as atrizes de novelas eram agredidas nas ruas pelos papeis de vilãs. Saiu eliminada do programa com 99,17% dos votos, recorde de rejeição, superando outro participante, Nego Di, eliminado com 98,76% dos votos. Uma verdadeira catarse pelo ódio serial, algo bastante assustador. O linchamento moral tem que ter um limite. Karol Conká não é Odete Roitman!

Justificativas para reforçar o racismo

Todas as edições do BBB se alimentam de tretas e de vacilos, é uma economia afetiva que lucra mais quanto mais histriônicos e degradantes forem os comportamentos individuais. Os números anteriores também traziam esses elementos de justiçamento como entretenimento.

A questão que me coloco é: por que apenas nesta edição, em que decidiram incluir o maior número de participantes negros da história do BBB, o índice de rejeição dessas pessoas – que foram os primeiros eliminados – chegou ao máximo?

Sem dúvida esse componente racial está presente quando jovens negros e mulheres negras empoderadas são colocados em uma panela de pressão como o BBB, ainda mais no contexto de uma sociedade com mentalidade escravocrata e patriarcal como a brasileira. Os vacilos e erros individuais desses participantes são generalizados e se tornam justificativa para atitudes racistas.

Lucas não dominava os códigos sociais

Lucas Penteado, expulso literalmente da mesa dos comuns, da mesa da convivialidade, viveu na pele esse teatro da crueldade entre pares. Qualquer criança ou adulto cujos pais castigaram e expulsaram da roda sabe o que é, psicologicamente, essa violência. É um pouco como a expulsão do paraíso, é traumático, mesmo que ele tenha vacilado no início do jogo.

Lucas era o menino negro e pobre mais despreparado do BBB. O garoto negro que não domina os códigos do jogo social, da branquitude e nem do ativismo foi o primeiro a sair, por desistência, o que é muito eloquente e triste.

Leia também: “Olha a cara dele de demônio”: Globo não veiculou xingamentos contra Lucas

O linchamento moral dos participantes negros começou entre os próprios brothers e sisters: Lucas humilhado por Karol Conká, achincalhado por Nego Di por “defender vagabudos” e associado de forma pejorativa a figuras extraordinárias como Marielle Franco. Aqui vemos como os preconceitos e o autoritarismo atravessam todos os campos políticos e práticas ativistas, mas não podem servir de álibi para dizer que negros e brancos são todos “iguais” e desqualificar a luta contra assimetrias e injustiças sociais ou o racismo estruturante.

O garoto Lucas desistiu de ganhar um milhão depois de assumir que é bissexual e ser zoado, depois de ter sido identificado como o “garoto problema”, alguém que não segura a onda com álcool, que não sabe se portar, que perde a linha. O garoto da perifa que não domina os códigos fez o que milhares de garotos performam na vida: são levados a desistir, seja da família ou da escola, de um emprego ou de ganhar um milhão no maior programa de entretenimento do Brasil.

Mas sua saída e desistência não são um problema “seu”, antes colocam em xeque o sistema todo. Uma empresa ética talvez acabasse com o BBB nessa saída ou na sua atual forma. Só quem já perdeu tudo na vida e não tem mais nada a perder tem essa coragem e liberdade.

O feminismo viril de Karol Conká

Não vi “racismo” na relação entre Karol Conká e Lucas Penteado, mas uma performance de poder entre a mamacita, a artista célebre, a influenciadora poderosa, e o garoto pobre e “sem modos”, que estava fora do controle dos brothers e das sisters.

Karol Conká é uma negra vencedora com um trabalho artístico incrível. Sustenta um feminismo negro viril que a torna ainda mais “insuportável”, pois tem uma autoestima avassaladora, e usa o seu lugar de poder como qualquer branco vencedor usaria. Conká se identificou com esse branco sem limites e não conseguia enxergar isso durante o jogo.

Ela faz parte da emergência de um feminismo viril. O masculinismo e a virilidade podem, sim, ser apropriados e transformados pelas mulheres, como propõe a Teoria King Kong de Virginie Despentes, o manifesto mais ácido para um outro feminismo, que chuta uma quantidade extraordinária de baldes e lugares comuns sobre as mulheres e reivindica para si as vantagens inerentes à masculinidade e à virilidade.

Obviamente não estamos aqui “passando pano” para os gestos de humilhação no BBB, mas performar o poder da mulher preta é o número de Karol Conká, e ele pode ser utilizado de forma construtiva quando, por exemplo, a mamacita acerta a mão nas letras, músicas e looks. É uma performance que admiramos em Beyoncé ou em Djamilla Ribeiro, nas divas extraordinárias que expressam esse poder da mulher negra. O problema é perder a mão nas relações pessoais, como aconteceu.

O que nos diz Virginie Despentes, e que vale para o feminismo viril de Anittas, Karois e outras divas, vale a pena ponderar. Despentes reivindica no livro Teoria King Kong que as mulheres lutem pelo “exercício direto do poder”, pois se espera que renunciemos a esse tipo de prazer em função do nosso sexo.

O desafio obviamente traz riscos: abandonar a “arte do servilismo” que diz que as mulheres não devem se expor, não devem falar alto, não devem se expressar em tons categóricos, não devem sentar com as pernas abertas, não devem se expressar num tom autoritário, não devem falar de dinheiro, não devem conquistar poder, não devem ocupar um posto de autoridade, não procurar prestígio, não devem rir muito alto, não devem ser muito engraçadas. Ou seja, rever as lista de nãos que nos foi destinada.

Karol Conká, ao meu ver, na sua arte como rapper, exerce esse feminismo negro viril. A questão é quando ele transborda essa assertividade para comportamentos de assujeitamento do outro. Ela pesou a mão com Lucas e outros brothers e sisters, mas a ficha parece ter caído após a saída da panela de pressão e da consciência de que o jogo transbordou para sua carreira e reputação. Ainda assim, ela obviamente não merece ser cancelada nem linchada.

O BBB mostra como você pode ter uma percepção distorcida de si e da realidade. Uma parte do Brasil vive assim. Karol Conká caiu na real literalmente com a sua “eliminação” acachapante do jogo. Como buscar modos menos violentos de aprendizado? Como sair desse ciclo de cancelandos e canceladores? Eis a nossa questão enquanto sociedade.

Lógica da exclusão

A lógica do BBB sempre foi sim a da rivalidade e a da exclusão, a lógica da sobrevivência à superexposição, às redes de intrigas, ao paredão e à eliminação para que apenas um saia vencedor. É a lógica do darwinismo social: só os mais aptos, os que mais se adequam a determinados códigos vão vencer. Quando veremos jogos de solidariedade, acolhimento e apoio, e não de rivalidades?

Outra característica que um reality show como o BBB evidencia é que vivemos em uma sociedade em que os limites entre público e privado são cada vez mais tênues, dissolvidos a ponto de todas as dimensões da vida se refletirem umas nas outras.

É o que permite que ações e comportamentos da esfera “privada” se reflitam na vida profissional e vice-versa. A questão é que os reality shows fazem isso negociando a intimidade e a dignidade, comprando o direito de explorar dramas pessoais, tensionado a saúde mental, transformando o sofrimento em entretenimento, ou seja, explorando as subjetividades ao máximo.

São muitas questões éticas que podem chegar ao limite, e teremos então um momento em que o que será julgado e questionado não são os participantes, mas a própria estrutura do programa.

Cultura do cancelamento

Mais uma vez temos que falar de modulações. Em 2017, o movimento #metoo, nos Estados Unidos, ganhou as redes viralizando inúmeras histórias de abusos e assédios sexuais contra mulheres, primeiramente cometidos por pessoas proeminentes de Hollywood, e depois no mundo todo. O movimento se massificou, encorajando mulheres a quebrarem o silêncio contra abusadores, expondo-os publicamente.

No Brasil, esse encorajamento levou à prisão do médium João de Deus, encoberto por mais de 50 anos pelo “poder espiritual”, considerado intocável, enquanto cometia abusos e violências sexuais contra mulheres e meninas. Foi chocante, mas foram movimentos como o #metoo e o NiUnaMenos que tornaram possíveis essa e outras denúncias.

A cultura do cancelamento pode ser uma forma eficaz e consequente para romper o privilégio de pessoas blindadas socialmente que passam a ser expostas por grupos silenciados ou minoritários. Mas é preciso ser consequente, pois esse cancelamento pode ter efeitos tanto temporários quanto permanentes, com a destruição de reputações, o boicote, a pressão para que marcas, empresas e instituições façam “justiça” ou punam economicamente por comportamentos abusivos.

Vejam o extraordinário trabalho de grupos como o Sleeping Giants Brasil. Um movimento contra o financiamento do discurso de ódio e das fake news que já desmonetizou e conscientizou empresas e cidadãos, e mostrou o poder tóxico de figuras como Olavo de Carvalho, ideólogo do bolsonarismo, boicotando suas formas de monetização. Um tipo de exposição pública consequente que atinge uma figura que ataca minorias e incita ao ódio contra instituições democráticas etc.

A questão é quando o cancelamento passa a ser usado de forma massiva e corriqueira dentro da mesma lógica punitivista do BBB, o linchamento nosso de cada dia, o cancelamento como entretenimento, como engajamento pelo ódio, como forma de resolver diferenças de comportamento ou de opiniões.

Quando voltado para pessoas comuns ou dirigido aos pares, esse cancelamento “lacrador”, inconsequente para quem exerce e aniquilador para quem sofre, produz uma autofagia entre campos, grupos e movimentos.

É o que estamos vendo: uma caricatura do ativismo tornado punitivismo em que grupos e pessoas se autonomeiam juízes com métricas de pureza, de infalibilidade, de intolerância, de virtudes. Pessoas célebres e anônimas são julgadas e rotuladas por uma fala, são despersonalizadas e demonizadas de forma sumária.

Artistas como Anitta, Ludmila ou mesmo um médico como Dráuzio Varella já viraram alvo de cancelamentos seriais: seja porque disseram algo ou porque ficaram em silêncio e não se posicionaram.

Esse cancelamento viral, lacrador e narcisista (eu sou mais virtuoso que você) não muda nada, não é estruturante, não é pedagógico em relação a questões complexas que precisam ser encaradas com outras medidas formativas como o racismo estrutural, o patriarcalismo, as violências de gênero. Não podemos nos contentar em cancelar pessoas de forma serial.

A cultura do cancelamento não pode ser banalizada dessa forma, pois num dia você é o cancelador e no outro o cancelado. Nesse sentido, todos teremos nossos 15 minutos não de fama, mas de difamação, parodiando Andy Warhol.

Espero que o BBB sirva para colocar em xeque as práticas do cancelamento serial e as formas personalistas de ódio, seja no campo conservador ou nas esquerdas. Trata-se de um processo transversal que diz muito sobre quem cancela, sobre um desejo e fantasia de poder justiceiro e sobre um justiçamento que não tem nada a ver com justiça social. Temos que aprimorar nossas estratégias de lutas.

Uma máquina de destruir reputações

O BBB foi pensado menos para celebrar do que para destruir reputações ao eleger apenas um vencedor e “eliminar” os demais. Essa edição tornou caricatural muitos debates importantes sobre militância, racismo, violência de gênero, machismo, lacração e desconstrução, amplificando a confusão que existe na sociedade. Mas o programa, pelo seu alcance, pode também ser o ponto de partida para debates mais aprofundados e consistentes em que a rejeição e o ódio não sejam o motor.

A questão é que o ódio engaja e mobiliza. Os famosos buscam o programa para amplificar seu trabalho, os anônimos ganham milhares de seguidores, e quem acompanha e comenta na internet ganha likes ou chuva de mensagens de aprovação e/ou ódio, dependendo de quem resolvem defender ou atacar.

Economia psíquica

Os reality shows, como outras plataformas e dispositivos, tem como base um capitalismo da extração de dados e da vigilância, uma economia que utiliza dados psíquicos, comportamentais e emocionais como em um laboratório montado para especular sobre as condutas, uma bolsa de valores de cenarização e intervenção que especula para que fracassemos como sociedade da empatia e do acolhimento.

Acredito que, no futuro, um reality show que permite humilhação, coloca as pessoas em risco de saúde mental, observa sem intervir em situações de bullying e opressão em nome da ideia de que o “show tem que continuar” em nome da audiência e da publicidade, poderá ser banido e execrado. Não as pessoas. Mas o dispositivo. Talvez vamos chegar em um momento que seja necessário cancelar o BBB, como um dispositivo deseducativo.

Os jogos romanos com gladiadores e animais também foram um tipo de espetáculo e entretenimento popular desejado e festejado na Roma Antiga. Podiam ser usados como uma forma de execução pública para criminosos condenados, que eram levados à arena para serem crucificados, queimados vivos, mortos a espadada ou por animais selvagens. Cada penalidade era diferenciada de acordo com a posição e a classe social do criminoso.

Esses jogos seriam inadmissíveis hoje da mesma forma que essa economia psíquica que explora subjetividades, condutas e lucra com sofrimento e humilhações pode se tornar intolerável em uma sociedade mais empática.

Os confinados

Em um momento em que nós estamos confinados por uma pandemia e milhares de pessoas estão em suas casas também sofrendo pressão, assédio e bullying, o BBB 21 virou um espelho amplificado de tudo o que a sociedade tem de pior: a ideia do jogo de sobrevivência e de rivalidade dos mais fortes, dos mais articulados, dos mais capazes de “jogar” com domínio das narrativas, e um termômetro de quanta rejeição podemos extravasar com essa catarse coletiva pelo ódio.

Existe uma grande frustração em todos os espectros políticos. O que o presidente Jair Bolsonaro ofereceu durante a campanha eleitoral, em um game político caricatural, foi um delírio de onipotência partilhado: “varrer do mapa os bandidos vermelhos do Brasil”, o comunismo, os direitos adquiridos de indígenas, mulheres e negros; ofereceu o ódio e a partilha da violência, o silenciamento do outro como uma fantasia de poder, a distribuição de armas etc. Ofereceu a destruição das instituições e da democracia em nome de um justiçamento populista e bárbaro. Exatamente como em um reality show: linchamento catártico que não muda nada.

Nada disso resolve nossas contradições como sociedade e estamos vendo questões muito mais concretas a nos assombrar: medo de morrer de Covid-19, sem vacinas; medo de perder o emprego, a casa, o mínimo de conforto; a convivência com amigos e a família adiados, o desmonte de direitos e os ataques à nossa frágil democracia.

O Brasil está com ódio do Brasil. Estamos com muita raiva armazenada com o isolamento social imposto pela pandemia, com a inabilidade política do governo, com a crise econômica e ética. Em 2013 entramos em um turbilhão que não acabou. A questão é como direcionar essa energia e frustrações para processos menos destrutivos.

Futuros imediatos

O Brasil está se desinventando, se descontruindo de forma acelerada. Passamos por processos traumáticos como o impeachment e a ascensão de uma extrema-direita predatória, mas também por processos cheios de potencialidades, como as Jornadas de Junho de 2013, a emergência de movimentos ambientalistas, feministas, antirracistas; o debate de gênero, a causa indígena.

A pandemia veio mostrar que o atual sistema não tem respostas para a crise humanitária em que estamos. Recolocou pautas importantes como a renda básica universal, a solidariedade, as redes de apoio e empatia, a saúde mental, economia territorial como decisivas para sair da crise.

O Brasil como sociedade consegue transformar essas forças mais hostis e violentas em formas de invenção e criação, em cultura, em música, em sociabilidades menos agressivas, em cosmopolíticas. Esse Brasil existe e resiste.

É difícil nesse momento operar dentro desse caos-construção. Essas forças precisam se organizar mais, se encontrar mais mesmo que virtualmente, conspirar mais para transformar o ódio em uma força não de justiçamento e linchamentos individuais, mas de justiça social.

*Ivana Bentes é pesquisadora do Programa de Pós Graduação da Escola de Comunicação da UFRJ

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