A Lava-Jato acionou uma síndrome clássica do jornalismo egocêntrico. Por vaidade, alguns profissionais passaram a se sentir parte da operação, como se integrassem aquela turma sem lei. É o que nas guerras chamam de jornalista embarcado, aquele que vai junto com as tropas, vestindo farda e capacete, e que quase se comporta como soldado
Moisés Mendes, DCM
Jornalistas que cresceram na vida nos últimos anos, nas grandes redações, construíram carreiras invejadas como repórteres e comentaristas da operação Lava-Jato.
Sabe-se agora que grande parte dessa elite lavajatista pagou um custo profissional e moral que não poderia ter pago para obter e disseminar informações.
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As luzes jogadas nos subterrâneos da operação que prosperou durante cinco anos, sem escrúpulos e sem freios, desnudam seus protagonistas e os que orbitavam ao redor deles.
E nenhuma outra atividade circulou com tanta desenvoltura e proximidade em volta de Sergio Moro e de Deltan Dallagnol quanto o jornalismo da grande imprensa.
O ministro Gilmar Mendes sintetiza o que aconteceu. Sem a blindagem da imprensa, a Lava-Jato não teria existido. O ministro não está dizendo que a operação não seria nada sem a cobertura da imprensa.
É mais do que isso. Mendes usa a palavra “blindagem”, que significa proteção mesmo.
A imprensa escondeu, camuflou e ignorou os desmandos da Lava-Jato, enquanto uma competição feroz entre os jornalistas seguia em frente.
Era preciso dar o furo dos vazamentos feitos por um procurador, antecipar uma delação, anunciar uma condenação. Os justiceiros eram apresentados como heróis e protegidos. É o que exigiam as corporações da mídia.
A imprensa sabia que Curitiba era uma masmorra com prisões preventivas sem fim e sabia que os acusados encarcerados (sem nenhuma condenação) eram submetidos à exaustão para então delatar parceiros.
A imprensa sabia que Moro cometeu uma dúzia de crimes e sabia muito do que todos sabem desde o ano passado, que o homem do MP era subordinado ao homem do Judiciário.
Enquanto todos queriam o furo e a informação privilegiada, alguns desses jornalistas eram conselheiros da força-tarefa.
Está gravado em mensagens que Vladimir Neto, repórter da Globo, autor de um livro sobre Moro e filho famoso de Miriam Leitão, era consultor de Dallagnol.
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Vladimir foi convocado pela força-tarefa a opinar sobre a condução coercitiva de Lula. Foi ele quem sugeriu a Dallagnol o tom brando de uma nota de apoio a Sergio Moro, quando o juiz começou a ser atacado publicamente.
A Lava-Jato acionou uma síndrome clássica do jornalismo egocêntrico. Por vaidade, alguns profissionais passaram a se sentir parte da operação, como se integrassem aquela turma sem lei.
É o que nas guerras chamam de jornalista embarcado, aquele que vai junto com as tropas, vestindo farda e capacete, e que quase se comporta como soldado.
Os jornalistas recrutas do lavajatismo só não usavam crachá porque seria demais. Mas foram cúmplices das atrocidades cometidas em nome de uma guerra contra corruptos.
Outros, além de Vladimir Neto, podem aparecer mais adiante como colaboradores, enquanto as mensagens da #VazaJato ainda são divulgadas.
Uma das revelações mais recentes é sobre uma vizinha do advogado de Lula, Cristiano Zanin, que agia como informante. Encantada com a missão recebida como espiã dos vizinhos, ela mantinha Dallagnol atento até aos movimentos e às viagens da mulher de Zanin.
Por que investigar clandestinamente a mulher do advogado? Porque a Lava-Jato era, como alguém definiu, a Gestapo do sistema de Justiça, envolvendo MP e Judiciário num esquema em que tudo era válido.
Os órgãos corregedores, o Supremo, a OAB e a imprensa sabiam o que o núcleo do lavajatismo fazia com crueldade, por se considerar autônomo e impune. Todos calaram ou fingiram que reagiam, mas sem forças.
O Supremo, ao determinar que as mensagens com os acertos ilegais entre procurador e juiz não podem ser secretas, começa a se redimir, mesmo que tardiamente.
O STF foi, nos cinco anos da operação, quase subserviente e medroso diante o poder de Sergio Moro, que não poderia ser contrariado.
A imprensa, em algum momento, terá de fazer o mesmo e admitir que foi decisiva na blindagem da República de Curitiba.
As grandes corporações ofereceram propaganda e serviço de segurança a Moro e Dallagnol.
O procurador e o juiz só avançaram sem medo porque eram protegidos pelas empresas, por repórteres, editores e comentaristas.
É enganoso pensar que, durante a existência da força-tarefa, os jornais fizeram investigação. Não fizeram.
Comeram pela mão dos chefes da operação e agora estão expostos tanto quanto os justiceiros desmontados pela Vaza Jato. O fim do lavajatismo derruba as máscaras de um jornalismo decadente.
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O Brasil precisa reinventar suas instituições, a partir do que se sabe sobre os desmandos da Lava-Jato, o golpe de 2016 e os crimes do governo fascista que apostou na violência, no ódio e na morte.
O jornalismo tradicional terá de pegar carona nessas reinvenções. Se fosse um açougue, a grande imprensa seria hoje vendedora apenas de retalhos e pelancas tomadas pelas moscas varejeiras.
O jornalismo das grandes corporações está tão podre quanto a Lava-Jato.
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