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Insatisfações e Estranhezas: por novos afetos e emoções

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Hoje há uma estranheza no ar. Olhamos desconfiados, amargos, exaustos. Talvez seja o momento de repensarmos o mundo, o sistema, os regimes políticos, a construção diária de nossas vidas, a forma como nos relacionamos

Luís Felipe Machado de Genaro*, Pragmatismo Político

Não estamos alegres, É certo, Mas também por que razão haveríamos de ficar tristes?” São com estes versos que Vladimir Maiakóvski inicia um de seus mais importantes e reconhecidos poemas. O correr do tempo me fez refletir um tanto sobre eles.

Sim, não estamos alegres, mas tristes. Afinal, por qual razão haveríamos de estar felizes?

Há certa estranheza no ar. Aqui e em todo lugar do planeta. Brasileiros são apenas “privilegiados” com a maldição de estarmos vivendo um dos períodos políticos mais tétricos de sua História. Mas outras regiões do continente Latino-Americano e de todo o Sul Global, principalmente, vivem situações catastróficas. Um vírus mortal, clausura, desigualdade social galopante, flexibilizações no mundo do trabalho, quando não desemprego e migrações em massa. Uma tragédia anunciada pelos senhores do Capital e de seu neoliberalismo triunfante.

Contudo, há uma estranheza mais subjetiva no ar. Uma estranheza no olhar do outro. Sentimentos e emoções que estão carregados de uma enorme tristeza e solidão. Ao mesmo tempo em que estamos todos enredados numa teia virtual de infinita magnitude, sem contar a impossibilidade de quarentenas rígidas ou clausuras seguidas à risca, próximos uns dos outros, nos sentimos estranhos e vazios na multidão crescente, carentes de um sentido maior. Aqui não me refiro ao deus transcendental dos cristãos, muçulmanos, judeus ou toda a sorte de religiões que a cada dia nascem e morrem como todos.

Há uma estranheza perante o outro (o diferente, o estrangeiro, etc.) como há uma diferença, insatisfação e confusa estranheza frente aos parentescos, aos mais íntimos, aos que amamos ou amávamos. Os infortúnios da vida e do ano que se passou – e que se arrasta, como bem escrevi em minha última coluna “Perda: breve cônica” – parecem ter feito terra arrasada na vida subjetiva, na saúde mental e na construção de expectativas de milhões de pessoas, quiçá de todo o mundo. Aqui, retiro do “mundo das dificuldades abrangentes” milionários e bilionários que viram seus lucros aumentarem e seu cotidiano opulento permanecer inalterado. Falo do restante.

Leia aqui todos os textos de Luís Felipe Machado de Genaro

Falo dos desafortunados nas mais diferentes fases e ciclos da vida. Aqueles que se viram sem emprego. Os que não tinham um pão para alimentar os filhos no início da manhã. Operadores de máquinas e de serviços diariamente cansados. Os que, frustrados pela falta de horizontes e sonhos esvaídos, se enfureceram com o mundo. Mulheres e homens que não viram outra saída senão drogas sintéticas, álcool e o sexo desmedidos. Relacionamentos desfeitos, vidas perdidas e a impossibilidades de despedida.

Hoje há uma estranheza no ar. Olhamos desconfiados, amargos, exaustos. Talvez seja o momento de repensarmos o mundo, o sistema, os regimes políticos, a construção diária de nossas vidas, a forma como nos relacionamos, de olharmos para o próximo com mais carinho, entendimento, amor, verdade e justiça. E como disse Maria Bethânia em sua primeira e, talvez, última live, “misericórdia”. Talvez seja o momento de uma Revolução. Uma revolução política, dos afetos e da subjetividade com um todo. Uma nova forma de pensar. Uma estranheza que gere insatisfação generalizada.

O processo da perda é doloroso – a perda de um ente querido, de alguém que ama, dos amigos. Parece, de fato, que enlouquecemos e nada disso terá fim. No entanto, catalisemos a estranheza que paira no ar, como um cheiro podre e incompreendido, e a transformemos em insatisfação e revolta – para reconquistarmos os amores, a verdade e a justiça.

*Luís Felipe Machado de Genaro é historiador, mestre em história pela UFPR e professor da rede municipal de Itararé

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