Nunca um BBB foi tão debatido entre a esquerda brasileira, ao mesmo tempo em que nunca houve tantos apelos dentro da própria esquerda para que a atração seja ignorada
Debater ou não debater o Big Brother Brasil (BBB)? Durante os 12 anos em que está no ar, o Portal Pragmatismo quase sempre ignorou a atração global.
Em 2021, embora a maioria dos leitores não tenha externado insatisfação, algumas pessoas demonstraram incômodo com as notícias publicadas por este site a respeito do programa.
“Ninguém quer saber de BBB, esse programa sensacionalista ridículo, onde as pessoas fingem ser alguém para agradar o público. Tanta notícia interessante para postar ou falar, vem com essa m* de programa”, escreveu Alexandre Pereira.
“Não entendo porque sites como o Pragmatismo ficam divulgando um programa da Globo que foi montado para gerar situações humilhantes e constrangedoras a pessoas”, publicou Luiz Doleron.
As publicações do Pragmatismo referiam-se às denúncias de discriminação e comportamento abusivo da rapper Karol Conká contra a maquiadora Juliette e o ator Lucas Penteado.
Sobre Juliette, que é paraibana, Conká foi acusada de xenofobia. Já a respeito de Lucas foram registradas uma série de humilhações que fizeram com que a cantora perdesse, até a tarde desta quarta-feira (3), mais de 350 mil seguidores no Twitter.
“Karol Conká é negra, mas desprovida de consciência de classe e de solidariedade de grupo. Sua consciência foi domada pelo opressor. Por isso, humilha e oprime um jovem negro, por ter claras ambições de poder, em um espetáculo darwinista, que serve para deseducar a capacidade de pertencimento mútuo dos espectadores”, observou o leitor Flávio Levi Moura.
Ignorar é ‘passar pano’?
Nas redes sociais, ficou claro que uma das principais discordâncias dentro da esquerda ocorreram porque a personagem apontada como tóxica e desumana é uma mulher negra cuja carreira artística foi construída a partir de bandeiras de empoderamento feminino e de diversidade.
Para cada defensor da ideia de que o BBB promove manipulação e precisa ser ignorado em detrimento de ‘pautas prioritárias’, um abre divergência ao observar que os temas centrais levantados até agora nesta edição do programa são praticamente intrínsecos à esquerda brasileira.
Com mais de 1 milhão de seguidores no Instagram, a escritora negra e feminista Djamila Ribeiro é uma referência no Brasil quando se fala em questões raciais e de ativismo negro. Ela escreveu nesta terça-feira (2) um post intitulado ‘Bolsonaro no poder e o problema do Brasil é o BBB?’.
“No dia do aniversário de Lélia González, me intriga o fato de vermos lutas tão sérias sendo esvaziadas e tratadas de modo leviano. Por que estamos levando como discussão séria manipulações midiáticas em uma semana tão decisiva para o país?”, questionou.
“Um jogo produzido pela grande mídia, para manipular nossas emoções e sentimentos, vira “tese” de 10 linhas. É um desrespeito com quem lutou historicamente para que a gente pudesse estudar. É um desrespeito ancestral. Assistir como entretenimento? Ok. Agora transformar isso em debate sério, quando há uma série de interesses por trás, é demais. Vocês viram as mensagens da Lava Jato? Vocês viram que mulheres negras são as mais atingidas economicamente na pandemia? Bolsonaro no poder e o inimigo do Brasil é um convidado do BBB? Sério mesmo?”, continuou Djamila.
“Eu não sou contra a esses temas serem debatidos na mídia, ao contrário, como concessão pública tem obrigação de fazê-lo. Porém, quem está ganhando com isso? A emissora certamente, mas também as empresas de redes sociais, as quais lucram com o ódio racial e de gênero”, acrescentou.
Mas nem Djamila escapou da polêmica. Um comentário crítico foi o que recebeu mais ‘curtidas’ na postagem da escritora:
“Djamila com todo o respeito, é totalmente possível ser extremamente politizada e estar por dentro de todos os assuntos que você mencionou […] É possível pegar temas que estão sendo amplamente debatidos oriundos do programa e trazer para o recorte correto e aproveitar para conscientizar. Sinceramente, esse programa tem 21 anos, é mais inteligente usar a favor do que fazer esse tipo de questionamento, que inclusive é feito todo ano, normalmente por uma certa elite acadêmica, e não coincidente a mesma elite de esquerda que quando entra na política tem dificuldade de dialogar com a massa”, escreveu uma usuária.
Ação judicial
Enquanto fora da casa ainda não há caminho para um consenso, dentro da atração Karol Conká percebeu que pode estar sendo rejeitada pelo público e sinalizou a colegas que cessará a ofensiva contra Lucas. “Amanhã é um novo dia e o povo está só esperando que eu frite com o Lucas novamente, mas eu não vou. Essa é a minha nova tática”, disse.
A fala de Karol não comoveu a família de Lucas, que anunciou que irá entrar na Justiça contra a cantora. “Após analisar os vídeos com as declarações de Karol Conká, a assessoria do ator Lucas Penteado, participante do BBB21, informa que iniciará os procedimentos que objetivam a responsabilização pelos danos oriundos dos atos ilícitos praticados pela artista”.
Após três dias de silêncio, administradores das redes sociais de Karol Conká divulgaram um posicionamento. Eles disseram considerar “desproporcionais” as críticas contra a cantora.
“O BBB está gerando debates extremamente importantes para nossa sociedade, pois o assunto é discutido com uma enorme visibilidade e audiência. Há de fato uma responsabilidade social ao entrar na casa. É compreensível toda a revolta pelas falas, ações e pelo modo como Karol tem se posicionado, no entanto isso está ultrapassando todos os limites de um cancelamento também”, diz trecho da nota.
“Esquecemos o quanto a fragilidade da figura da Karol Conká, uma mulher preta, mãe solteira e pioneira da cena do rap feminino brasileiro, acaba tendo. É momento de refletir também porque uma mulher preta é tão facilmente odiada por não ser a pessoa perfeita. Não que sua identidade seja motivo para esconder seus erros, não estamos aqui pra isso, mas que chegamos a questionar o que pode haver também por trás de tanto ódio e anseio por destruir alguém de forma inédita se comparada a participantes das edições do programa”, continua.
“Ela aprenderá muito com seus erros quando sair do programa, mas fica a preocupação se os ataques à ela revelam, na verdade, uma faceta do próprio ódio que viralizou em nossa sociedade”, finaliza.
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