O Brasil possui 10,4% das espécies desconhecidas do mundo, à frente da Colômbia, da Indonésia, e de Madagáscar, revela estudo publicado na 'Nature'. Os resultados podem orientar políticas de conservação ambiental mais eficazes e acelerar catalogações, se houver financiamento para pesquisas
Pedro Martins, Ecoa
O Brasil concentra o maior número de espécies vertebradas terrestres desconhecidas do mundo e pode liderar a descoberta desses animais — isto é, anfíbios, répteis, aves e mamíferos — nos próximos anos. Esta é a conclusão de um estudo publicado hoje (22) na revista científica “Nature“, uma das mais relevantes na área de meio ambiente.
O país possui 10,4% das espécies desconhecidas do mundo, à frente da Colômbia, que tem 5,2%, da Indonésia, com 5%, e de Madagáscar, com 4,6%. Os resultados podem orientar políticas de conservação ambiental mais eficazes e acelerar catalogações, se houver financiamento para pesquisas.
O estudo foi conduzido pelo professor Mário Ribeiro de Moura, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em parceria com o supervisor de seu pós-doutorado na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, Walter Jetz.
O ranking foi criado a partir de um compilado de características das regiões onde foram descobertas 32 mil das 35 mil espécies de vertebrados terrestres já catalogadas. As outras três mil, descritas a partir de 2014, foram excluídas da análise por ainda serem pouco estudadas.
Entre 11 características analisadas, estão fatores climáticos das regiões em que as espécies habitam, como precipitação e temperatura, e geográficos, como altitude e densidade populacional.
Os cientistas analisaram ainda elementos ligados às espécies em si, como o tamanho do animal e a abrangência de sua distribuição geográfica, além da quantidade de pesquisadores que trabalharam ou trabalham com cada grupo.
“Para um cientista andando no meio da selva, características como tamanho e cor do animal aumentam ou diminuem a chance de descoberta, assim como fatores geográficos“, explica Moura.
Em busca do desconhecido
A pesquisa aponta que o bioma brasileiro onde mais devem ocorrer descobertas é a Mata Atlântica, que engloba a faixa litorânea do país. Na Amazônia, também há muito a se descobrir, não só no Brasil, mas também em áreas localizadas no Peru, na Colômbia e em outros países vizinhos.
Leia também: Exportação de animais vivos é crueldade e péssimo negócio para o Brasil
O estudo pode ser utilizado para orientar pesquisadores que trabalham em campo. A prioridade, segundo Moura, passará a ser regiões onde há mais possibilidade de existirem espécies desconhecidas, cuja descoberta pode beneficiar tanto o meio ambiente quanto a humanidade.
“São espécies com valor ecológico, que podem atuar como polinizadores ou realizar algum controle biológico, e com valor econômico, por poderem ser utilizadas na produção de comida, e até mesmo serem vetores de doenças e pragas“, diz Moura.
Há, porém, entraves que podem prejudicar as descobertas. Um deles é o desmatamento. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que, entre agosto de 2019 e julho de 2020, só na Amazônia 11.088 km² de floresta foram derrubados. É a maior área desmatada da última década.
Ao mesmo tempo, a catalogação de espécies pode ajudar a frear o desmatamento, ao orientar políticas de conservação como a criação de reservas ambientais, avalia o professor Carlos Roberto da Fonseca, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que estudou a Amazônia durante seu doutorado na Universidade de Oxford, na Inglaterra.
“Se não sabemos que existe, não conseguimos preservar. Normalmente, as pessoas acham que todas as espécies são conhecidas, mas isso está longe de ser verdade. Todo dia, toda semana, a gente vê a descrição de novas espécies. Isso mostra o quanto a gente deveria estar investindo em museus e instituições de zoologia e botânica que tratam da biodiversidade brasileira“, diz.
A visão de Fonseca ecoa na de Moura. Ele prevê que o maior obstáculo para as novas descobertas será a falta de investimento em pesquisas científicas e infraestrutura universitária. Seu estudo, por exemplo, não foi financiado por instituições brasileiras, mas pela National Geographic, pela Fundação Nacional da Ciência dos EUA e pela E.O. Wilson Biodiversity Foundation.
“É muito comum fazermos trabalho de campo com pouquíssimos recursos. Os cientistas extraem amostras de DNA, mas muitas vezes precisam mandá-las para profissionais estrangeiros, que têm mais acesso a reagentes e equipamentos necessários para fazer o sequenciamento”, diz. “O Brasil tem profissionais qualificados, mas falta muito investimento em pesquisa.”
Siga-nos no Instagram | Twitter | Facebook