Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
O texto a seguir foi escrito há uns oito anos, quando comecei a assinar uma coluna semanal no jornal da minha cidade.
O publico sem revisão. A crônica é também retrato duma época. Logo, do seu autor também. É provável que hoje, ocupado com outros assuntos, eu nem o escrevesse.
Relevem os erros gramaticais, também, por gentileza.
Lembrei dele há duas semanas. É que o protagonista morreu de covid-19.
Assim como outras milhares de pessoas (diariamente!) estão morrendo.
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E o governo(?) segue seu rumo perdido e egocêntrico.
“Conquistas na Praia
Há algum tempo estávamos na praia. Eu, alguns irmãos e mais uns amigos deles. Eu devia ter uns 15 anos, meus irmãos e seus amigos, uns vinte e poucos. Sabem como é gurizada sozinha na praia: festas, bebedeiras e outras transgressões. Uhu!
Foi depois da janta que meu irmão, bêbado, lançou o desafio. Naquela noite os homens iriam sair sozinhos! Que? Isso mesmo. As namoradas ficam em casa ou que tomem qualquer outro destino, mas os homens, os machos, iriam sair sozinhos. Quem fosse bagualudo, que lhe acompanhasse. Algumas mulheres, percebendo a brincadeira, riram juntas. Outras, ainda que tivessem notado o blefe, fecharam a cara. As mulheres não gostam de ter sua autoridade questionada. Nem de brincadeira.
Os namorados unanimemente concordaram. Os homens não gostam de ter sua bagualidade questionada. Nem de brincadeira. Iriam, sim senhor, pro Centro. Sozinhos! Uma parte das mulheres continuava a rir juntas. Outra parte ainda não havia encontrado a graça da brincadeira. E quanto mais bebia, mais meu irmão pilhava. Sorte que a namorada dele era do time que se divertia com o desafio.
Uma das amigas da minha irmã (não me lembro o nome, acho que era Rose) estava de namorado novo. Também não me lembro do nome dele. Vou batizá-lo de Henrique. Daí sab’comué, o Henrique tinha que conquistar a Rose e, como estava com os amigos dela, conquistá-los também. Não é fácil conquistar os amigos da namorada. Mais difícil ainda é conquistar a namorada. Umas demoram a vida toda para serem conquistadas. Mas o Henrique estava na aurora do romance, tinha que tentar.
Mas voltando ao meu irmão. Numa pausa de seu discurso inflamante, saiu para ir não sei onde. Deve ter ido no banheiro vomitar, o pé de canha. O Henrique foi atrás. Falou discretamente com ele. Argumentou que, sab’comué, estava no princípio do namoro. Que se fosse em outra época acompanhava a excursão. Decretou, por fim, que só sairia se a Rose fosse junto. Meu irmão tratou de acalmá-lo. Estava só brincando. Ninguém sairia sem as mulheres. O Henrique respirou aliviado.
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Chegando novamente na sala, meu irmão pediu um minuto de silêncio e retomou sua fala. Contou toda a conversa que teve com o Henrique. A gargalhada foi geral. Até as mulheres que dantes estavam com a cara fechada, se entregaram ao riso. A Rose, que tratava de consolar seu namorado, também não segurou o gracejo.
Não vi mais a Rose. Não sei se vingou o relacionamento com o Henrique. Mas ele nos conquistou. Rimos muito naquela noite.
P.S.1: o nome do Henrique, que tomou conhecimento do texto e se divertiu com ele, na verdade era Rogério. Ele me lembrou.
P.S.2: Ele e a Rose (este nome acertei), estavam juntos desde aquela época e tinham 2 filhos.
P.S.3: A rose também foi acometida da doença e está se recuperando, mas teve parte do pulmão comprometido.
P.S.4: Vi o Rogério apenas uma vez, num momento de diversão na praia. Por ultimo, ele morava na praia e trabalhava como vendedor ambulante. Relatos dão conta de que ele era conhecido pela sua alegria com os banhistas. Uma pessoa alegre, assim me lembrei dele quando escrevi a crônica. Por isso, a imagem que ilustra este texto é a essa que coloquei e não outra.
P.S.4: Que nenhum outro personagem dos meus escritos morra de covid.
*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”
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