Histórico revela que Paulo Sartori costuma trabalhar em parceria com Bolsonaro e os seus filhos para perseguir e intimidar críticos do governo. Vítimas do delegado contam que sofrem efeitos das acusações infundadas há bastante tempo
Beatriz Drague Ramos, Ponte
Após ter se referido ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como “genocida” em uma postagem em suas redes sociais, o youtuber e influenciador digital Felipe Neto foi surpreendido nesta segunda-feira (15/3) ao ser intimado a depor na Polícia Civil do Rio de Janeiro com base na Lei de Segurança Nacional (LSN). Ele foi acusado de calúnia e de violar a LSN por criticar a gestão Bolsonaro na pandemia.
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Em pronunciamento no Twitter, o influenciador afirmou que a intimidação se trata de uma tentativa de propagar medo. Ele também citou o inquérito contra o advogado Marcelo Feller, acusado por violações à LSN, que foi arquivado juíza Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves, da 12ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal em janeiro de 2021. O advogado criticou o presidente na emissora CNN.
A intimação provocou repercussão nas redes sociais e impulsionou menções de “Bolsonaro genocida”, termo recorrentemente utilizado por críticos ao presidente.
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A intimação foi feita pelo delegado titular da Delegacia de Repressão aos Crimes de Internet (DRCI) Pablo Dacosta Sartori, respondendo a um pedido do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). Sartori também é responsável por indiciar Felipe Neto por suposta corrupção de menores em novembro de 2020.
Os apresentadores do Jornal Nacional, Renata Vasconcellos e William Bonner, também foram alvos do delegado e chamados para depor no caso Queiroz por suposto crime de desobediência a decisão judicial com relação a publicações que envolvem a investigação das “rachadinhas” no gabinete da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) do então deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), a pedido de da família Bolsonaro.
Também atendendo pedidos da família do presidente, o delegado Sartori indiciou o artista carioca Diadorim por uma performance publicada no Instagram em que segurava a cabeça de Bolsonaro, a partir de um queixa-crime de Carlos Bolsonaro, em novembro de 2020.
Luciana Boiteux, professora de Direito Penal e Criminologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutora em Direito Penal, diz que é preciso investigar o delegado por abuso de autoridade. “Não só por este já ter tomado medidas contra Felipe Neto, o que pode denotar algum tipo de perseguição, como também a Polícia Civil do RJ não tem atribuição para investigar crimes contra a segurança nacional”.
Para ela, é preciso compreender como a denúncia foi encaminhada para Sartori. “Não podemos afirmar a priori que o delegado tem relações com a família Bolsonaro, mas isso precisa ser investigado para entender como é que essa denúncia chegou às mãos dele e quais os interesses envolvidos”.
O artista Diadorim, 40 anos, conta que sofre os efeitos da acusação até hoje. O processo está paralisado desde janeiro de 2021. Na época, uma imagem publicada pelo ator em sua conta no Instagram trazia uma artista segurando uma bola, no formato da “cabeça” de Bolsonaro.
O vereador carioca Carlos Bolsonaro enviou, então, um e-mail para a DRCI solicitando uma queixa-crime contra o ator. “Minha vida foi devassada nos grupos de apoio ao governo. Meus dados foram expostos e recebi diversas ameaças. Minha família e eu vivemos em total insegurança. Só posso qualificar essa tática de perseguição como terrorismo e abuso psicológico. Esse é o real crime que acontece aqui”, diz Diadorim.
Para ele, as tentativas de silenciamento feitas pela família Bolsonaro mostram a fragilidade da democracia. “Ainda que queira se fazer parecer que partes dessa denúncia digam respeito à segurança nacional, verifico aqui a intenção de criminalização da expressão artística. Principalmente se essa expressão é crítica àqueles que estão em posição de governança. O tipo de ação coordenada como essas denúncias estão sendo produzidas fragiliza a integridade de nossa democracia, particularmente em relação à livre expressão do pensamento”.
Luciana Boiteux ainda explica que a LSN tem sido utilizada de forma cada vez mais frequente no governo Bolsonaro. “A Lei de Segurança Nacional, editada no fim da Ditadura Militar em 1983, que era raramente usada até então, tem sido amplamente usada pelo governo Bolsonaro para tentar intimidar oponentes políticos, o que constitui ato autoritário e ilegal. No caso de Felipe Neto, resta muito claro que a intenção de criticar o governo, mesmo com palavras duras, não se inclui no escopo do tipo penal de calúnia a ele atribuído”.
Ela ainda compara este caso ao do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), que defendeu fechar o STF. “Não houve nenhuma intenção de atingir os poderes da República, foi um excesso autoritário de Bolsonaro. Politicamente, o governo está se sentindo pressionado pela calamitosa situação da pandemia no Brasil, agravada pelas atitudes deletérias e omissas do presidente e reage com ameaças de processo para tentar calar seus críticos. Diferente do caso de Daniel Silveira, em que ele ameaçou e defendeu fechar o STF e praticar violência contra ministros e suas famílias, o que excede a liberdade de expressão e de opinião, mesmo para um parlamentar, pois atinge a integridade do Poder Judiciário”.
Thiago Firbida, sociólogo e coordenador de Proteção e Segurança da Artigo 19, critica a Lei de Segurança Nacional. “A Lei de Segurança Nacional é um entulho autoritário. Ainda que tenha sido reformada no período final da ditadura militar, ela manteve seu viés autoritário. O fato de ela ter sido usada poucas vezes desde a redemocratização fez com que ela acabasse permanecendo no nosso ordenamento jurídico, ainda que tenha sido utilizada algumas vezes nesse período para criminalizar manifestações sociais e perseguir movimentos sociais”.
O sociólogo vê um projeto de deterioração da democracia no país feito pelo governo atual. “Com o início do governo em 2019, o que vemos é a construção de um projeto sistemático de corrosão da liberdade de expressão no país, que é articulado por meio de ataques cotidianos de autoridades do governo a jornalistas cujo trabalho incomoda o presidente, sua família e seu governo. Todos esses fatores contribuem para a deterioração da democracia”.
Outro lado
Procurada pela Ponte a assessoria de imprensa da Polícia Civil do Rio, afirmou que Pablo Dacosta Sartori recebeu a notícia-crime e registrou.
Segundo a instituição, o depoimento do Felipe Neto é que vai esclarecer se foi crime contra a segurança nacional ou se é uma injúria do Código Penal.
“O delegado intima para entender se ele queria atingir o Bolsonaro como presidente ou como pessoa física. Ou seja, apesar do registro, não é certo que a tipificação anunciada será a tipificação final. O delegado, entendendo que houve crime de segurança nacional, encaminha para a esfera competente, que neste caso é a Justiça Federal”, disse a nota.
O órgão não respondeu o pedido da Ponte de entrevista com o delegado.
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