Após o ministro Edson Fachin permitir que o ex-presidente Lula volte a disputar eleições, governador Flávio Dino traçou o que considera o único cenário possível para vencer Jair Bolsonaro em 2022
Após o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), permitir que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) volte a disputar eleições, como consequência da anulação de suas condenações na Lava Jato, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), traçou o que considera o único cenário possível para vencer Jair Bolsonaro em 2022: “O centro democrático precisa estar junto para vencer a eleição. Se não der no primeiro turno, que seja no segundo.”
Com boa articulação entre setores mais conservadores e liberais da sociedade, Dino disse ser “imperioso” a esquerda fazer esse movimento em direção ao centro político.
“Não vejo Lula como um obstáculo para isso. Em primeiro lugar, porque ele já fez isso em 2002, quando se elegeu presidente com o José Alencar de vice, um empresário liberal que representava um sindicato patronal. E, segundo, porque já mostrou estar disposto a construir um projeto de nação que olhe para o futuro mais do que para o passado.”
Entre os nomes que, segundo Dino, podem se aliar à esquerda num eventual segundo turno contra Bolsonaro estão os governadores João Doria (PSDB-SP) e Eduardo Leite (PSDB-RS), o apresentador Luciano Huck (sem partido) e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM). O ex-juiz Sérgio Moro está fora da lista, segundo o governador maranhense. Leia os principais trechos:
O senhor sempre defendeu que a esquerda fizesse um movimento ao centro na eleição de 2022 para impedir a reeleição de Bolsonaro. Isso é possível com Lula candidato?
Reafirmo que esse movimento de ampliação, no sentido de falarmos para além da esquerda, é imperativo. Para vencer Bolsonaro é preciso que nós façamos isso. E não vejo o Lula como obstáculo. Em primeiro lugar, porque ele já fez isso em 2002, quando se elegeu presidente com o José Alencar de vice, um empresário liberal que representava um sindicato patronal. E, segundo, porque já mostrou estar disposto a construir um projeto de nação que olhe para o futuro mais do que para o passado. O Brasil de 2022 não é igual ao Brasil de 2002, e espero que possamos estar juntos com o centro democrático para vencer a eleição. Se não der no primeiro turno, que seja no segundo.
O senhor acha possível, contra Bolsonaro, esses dois espectros – esquerda e centro – se unirem? Consegue ver o PSDB e o DEM, por exemplo, apoiando Lula num segundo turno ou vice-versa?
Já houve essa união antes. Em 1989, Mário Covas (ex-governador tucano) apoiou Lula contra Collor. Depois disso veio a polarização entre PT e PSDB, e essa aliança não foi mais possível. Já em 2018, ela deveria ter ocorrido em torno do nome de Fernando Haddad. Não ocorreu, e temos hoje a tragédia que é o governo Bolsonaro. Agora, nesta eleição, é o bolsonarismo que deve ser batido. Nós temos de nos unir por esse objetivo e acredito que, aos poucos, estamos cicatrizando as feridas de 2018.
Há sinais de que isso possa ocorrer?
Todos os dias temos visto sinais. Veja o caso aqui do meu vice-governador, Carlos Brandão. Tinha sido obrigado a sair do PSDB por me apoiar e foi convidado agora a voltar e a comandar o partido no Maranhão. Essas alianças já ocorreram nas eleições municipais do ano passado. No Pará, por exemplo, Helder Barbalho (MDB) apoia o governo do PSOL em Belém. Em Fortaleza, Tasso Jereissati (PSDB) apoiou Sarto Nogueira (PDT). No Rio, todos votamos contra a reeleição de Marcelo Crivella (Republicanos). As coisas estão andando.
O senhor se refere sempre a “nós” quando fala de uma possível candidatura de Lula. Isso quer dizer que o senhor pessoalmente ou mesmo o PCdoB já fecharam com ele?
Quando me refiro a “nós” quero me referir a esse campo político social ao qual pertenço, que é menos partidário e mais progressista. Defendo lulismo, mas defendo o trabalhismo, todos juntos e com o centro liberal no segundo turno. Se eles passarem, nós apoiamos; se nós passarmos, eles vêm conosco. Não há outra maneira.
Muitas análises colocam Lula como o adversário ideal para o bolsonarismo. O senhor concorda?
Isso é um subterfúgio dos bolsonaristas, uma crença que tentam passar para frente. Ou, por acaso, alguém pode pensar que o Lula ou outro candidato do nosso campo possa ser um adversário fácil? No fundo, eles sabem que perdem para o campo democrático unido; Bolsonaro sabe disso. Vem dando sinais cada vez mais claros de que sabe também que a pandemia e a alta na inflação de preços estão corroendo sua popularidade. O povo não acompanha se as ações da Bolsa subiram ou se o câmbio variou. Mas sabe que os preços dos alimentos estão cada vez mais altos, assim como o litro da gasolina. Ai, o que faz Bolsonaro? Joga a culpa em seus ministros ou nos governadores. Nunca assume qualquer responsabilidade.
Mesmo antes de Lula recuperar a possibilidade de ser candidato, o senhor já conversava com esse centro que classifica como liberal. Quais são os nomes desse grupo hoje?
Acho que esse centro liberal tem um ou dois nomes. É da natureza das coisas haver um candidato nesse campo. Temos muitas diferenças programáticas, o campo deles e o nosso. O papel do Estado, por exemplo, é um deles. Mas, de fato, dialogo muito com muitos partidos. Falo com Luciano Huck, com Rodrigo Maia (DEM-RJ). Agora tenho falado bastante com o governador João Doria por causa da pandemia, e também com Eduardo Leite. Procuro sempre colocar que não podemos excluir pensamentos, mas extrair os melhores. Huck é um homem da mídia, não é um homem da política. Felipe Neto, a mesma coisa. Mas ambos são contrários ao Bolsonaro. Isso não é bom? Claro que é. Se estão dispostos a debater, melhor ainda.
O ex-juiz Ségio Moro está fora dessa lista?
Não tem ambiente para Moro na política. Ele é uma unanimidade negativa, não conheço mais de dez políticos que o apoiem para ser candidato. Nem sei se ele teria uma legenda para se lançar. Isso é o resultado do conjunto da obra. Ele teve acertos, reconheço, mas muitos erros. Não conheço todos os casos julgados por ele, mas, em relação a Lula, a parcialidade é muito clara. Acredito que o nome a ser apoiado pelo centro deva ficar entre Doria, Huck, Leite ou Mandetta. Sabe, não acho ruim o centro ter uma candidato; pelo contrário, até estimulo. Ter um centro forte é positivo para o Brasil. Ruim é Bolsonaro se reeleger.
Nesse contexto, onde Ciro Gomes se encaixa?
Sob o aspecto programático, certamente ele é mais próximo da esquerda. A visão dele de Brasil o coloca no nosso campo. Eu insisto que é errado excluir o PDT e uma liderança como Ciro Gomes desse processo. Até porque não o vejo como o candidato desse centro, como o candidato da Faria Lima. O ideal seria buscarmos uma aliança já no primeiro turno. Ciro já foi ministro de Lula, eu não fui. Não é possível que desse casamento só sobraram mágoas, tem que ter algum vestígio de amor ali.
E o Centrão? Acha que estará ao lado de Bolsonaro na eleição ou é ainda é cedo para afirmar isso?
Acho que não dá para dizer que o Centrão vai com Bolsonaro, não. Esse grupo é pendular. O Centrão já esteve com o Lula, com o Michel Temer, com o Bolsonaro. Oscila de um lado para o outro. Para mim, essa turma vai se dividir, só atua em bloco no aspecto legislativo, não eleitoral.
Esse movimento de união dos governadores representa o ápice da atual crise federativa que vivemos? Acha que essa união deve permanecer até o fim do governo Bolsonaro?
Nesse dois primeiros anos de governo Bolsonaro, o que garantiu o mínimo de organização no País foi uma aliança entre os governadores, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Houve, de fato, uma forte atuação dos governadores, que encontrou guarda no Supremo. Foram várias as decisões que nos permitiram agir, especialmente na pandemia. O Congresso, sob Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, também foi muito importante ao assegurar o auxílio emergencial de R$ 600, por exemplo. Agora, muitas coisas são de competência da União. Somos uma federação, não uma confederação, é bom que se diga isso. Os governadores fazem muito, mas não podem fazer tudo.
Adriana Ferraz, Agência Estado
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