Se antes Bolsonaro tinha inimigos imaginários, agora tem um de carne, osso, muita voz e respeito internacional
Anderson Pires*
Todos foram pegos de surpresa pela decisão do ministro Edson Fachin de anular os processos julgados pelo ex-juiz Sérgio Moro contra o ex-presidente Lula. Além de anular os processos, o ministro na sentença resolveu apontar para a também nulidade do processo de suspeição contra o referido juiz. Segundo a decisão, como não existe mais processo, logo não poderia existir suspeição sobre os atos praticados.
Em primeiro momento, todo foco foi direcionado para os reflexos eleitorais da decisão. O ex-presidente Lula estará apto para concorrer a qualquer cargo público, por não haver mais condenação. Ainda assim, os processos deverão ser reiniciados no devido tribunal competente, que seria em Brasília.
As manifestações de apoio a Lula foram muitas, com declarações de correligionários e simpatizantes, em alusão à justiça feita mediante a anulação. Para muitos, mesmo que tardia, a decisão estaria pautada na perspectiva de tratamento isonômico e resgate dos direitos fundamentais, que nunca foram respeitados durante os processos em Curitiba.
Longe de questionar as práticas do ex-juiz Sérgio Moro, quase todas em ação conjunta com a Força Tarefa da Lava Jato, o ministro Fachin fez alguns malabarismos para manter em suspenso a culpa de Lula, mesmo sem a existência de provas, como também, tentou livrar o ex-juiz das consequências pelos atos praticados durante o julgamento.
Após as mensagens divulgadas entre os procuradores da Lava Jato e o ex-juiz, tornou-se impossível encobrir os atos. O que parecia óbvio pelo grau de sintonia verificado durante todo processo virou “batom na cueca” com a Operação Spoofing, que periciou as mensagens e atestou a legitimidade. Dessa forma, Moro passou de suspeito a notório operador contra o ex-presidente Lula em prol da sua condenação, numa ação deliberada para barrar a candidatura em 2018.
A suspeição de Moro deixou de ser um tema a ser discutido diante de evidências inquestionáveis. Porém, ainda pairam nos processos da Lava Jato indícios de ilícitos para além do processo, principalmente no que diz respeito às delações e relações incomuns entre os advogados envolvidos, o juiz, sua esposa e os procuradores.
As delações renderam milhões para os advogados envolvidos. A própria Lava Jato possibilitou aos seus atores ganhos diversos em palestras e consultorias privadas, que, em muitos casos, favoreceram o mercado especulativo nacional e internacional na medida que as decisões foram responsáveis por desestruturar toda indústria de base brasileira e os principais grupos empresariais nacionais.
A Lava Jato quebrou o país, não foi a corrupção o maior alvo, como tentaram fazer crer. A operação permitiu que o Brasil fosse tomado de assalto por grupos internacionais e a atividade especulativa voltasse a níveis absurdos de rentabilidade.
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Na hora que Fachin tenta livrar Moro do processo de suspeição, foi obrigado a anular o que ele sempre corroborou. Porém, fica claro que as conexões da Lava Jato não se encerram em Curitiba ou Porto Alegre. O ministro agiu numa tentativa desesperada de salvar seu parceiro de cruzada e, para isso, teve que extrapolar e tentou barrar o processo de suspeição que já estava em curso desde 2018.
Fachin sabe que após a certa condenação de Moro por suspeição na atuação nos processos contra Lula, terá na sequência uma investigação intensa dos demais atos praticados pelos procuradores e o ex-juiz, que podem revelar ligações com interesses nada republicanos e envolver níveis elevados do Poder Judiciário.
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O New York Times qualificou a Lava Jato como o caso mais escandaloso de corrupção no Judiciário Brasileiro. Não foi qualquer publicação local com viés de esquerda que disse isso. Para qualquer um que olhe para os fatos com o mínimo de distância, parece clara a condução criminosa dos processos.
Mas existem outros braços nessa teia que serviram para dar sustentação à Lava Jato. Setores da grande mídia sempre atuaram com intuito de legitimar junto à opinião pública os atos da operação. Produziram de forma conjunta uma narrativa onde teríamos os heróis de Curitiba e, para tanto, estariam dispostos a construir verdades de forma completamente parcial.
O famoso power point de Dallagnol virou peça publicitária, com balões e setas que poderiam ser montadas por qualquer garoto, desde que lhe fosse dada a missão: aqui estão as cartas, construa um diagrama imagético, que ao final Lula deverá ser o chefe supremo de uma organização criminosa.
Essa ação casada com a Rede Globo também consta das mensagens periciadas pela Operação Spoofing. O procurador Dallagnol chega a propor utilizar da mesma farsa para fortalecer a tese da necessidade de condenação urgente de Lula e inviabilizar sua candidatura para presidente em 2018. Não por acaso, a mesma Globo e outros grandes grupos de comunicação tentam construir uma versão que transformasse a decisão do ministro Fachin em absurda no que diz respeito à anulação dos processos contra Lula e repetem que não existiu nada de irregular com relação aos atos praticados por Moro.
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A suspeição de Moro é tão evidente quanto a postura parcial da Globo. Foi realizada uma verdadeira cruzada na construção de versões cheias de inverdades e imagens que reforçariam as teses de Curitiba. A empresa destacou alguns dos seus principais jornalistas para produzirem todo tipo de conteúdo favorável à Operação Lava Jato, de matérias a livros, até a concessão de prêmios pelo mérito jurídico do ex-magistrado. Vale ressaltar que informações coletadas na operação que pudessem implicar em problemas para as Organizações Globo, a exemplo dos “Panama Papers”, foram deixadas de lado por Moro e Dallagnol.
Nos moldes das milícias, a Globo negociou proteção e para tanto fez tudo que podia para incriminar Lula e apagar rastros sobre casos que pudessem lhe comprometer. Além disso, serviu como agente de interesses de especuladores, que em decorrência da Lava Jato e do processo de destruição das empresas nacionais, nadaram de braçada para ocupar os espaços deixados.
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Em nenhum lugar do mundo se admitiria que empresas de capital aberto, que compõem a carteira de pequenos investidores, fundos de pensão e aposentadorias privadas fossem destruídas como se viu acontecer com a Odebrecht, a OAS, a Camargo Corrêa e os principais grupos empresariais do Brasil. Sem contar com os reflexos na Petrobras, nossa maior empresa, que dedicou décadas de investimento em pesquisas, que levaram a liderar setores na extração e produção de petróleo, serem destruídos, como pano de fundo para justificar a mudança nos rumos da empresa e sua entrega aos interesses especulativos. O maior reflexo disso está na política de preços da empresa e venda de ativos.
Não por acaso, após a decisão de Fachin de anular os processos contra Lula, os mesmos atores entraram em ação. Os lavajatistas na figura de Fachin tentaram barrar o julgamento da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, vale ressaltar que sem sucesso. A Globo reiniciou sua cruzada para desqualificar as alegações da defesa de Lula e tentar resgatar de alguma forma os porquês da Lava Jato. Como de costume também tentou fazer correlações entre a possibilidade de uma ascensão de Lula e instabilidade econômica. Até a pandemia perdeu espaço para dar lugar ao que sempre foi prioridade na empresa, que é a manipulação da opinião pública em prol dos seus interesses particulares.
O mercado também cumpriu seu papel e especulou em torno de algo que não tem qualquer efeito prático imediato. Afinal, as eleições serão no final de 2022. Sendo assim, jogaram as bolsas para baixo, elevaram o dólar e forçaram um novo aumento dos combustíveis. Consequentemente, encheram ainda mais os bolsos e ampliaram a desgraça alheia.
O que se pode extrair de todo esse balaio de gatos em que foi jogado o Brasil?
Estamos longe de que a anulação dos processos de Lula represente um resgate democrático no país. É verdade que os setores progressistas e de esquerda carecem de um ator capaz de juntar a base social mínima para enfrentar as eleições de 2022. A possibilidade de retorno de Lula reacende a esperança de uma alternativa que possa confrontar o bolsonarismo sem pegar tangentes.
Mesmo que não tenha sucesso eleitoral, força todos que enxergam na manutenção de Bolsonaro o maior perigo, até figuras como João Doria e Ciro Gomes, a recalibrarem o discurso antipetista, porque agora a alternativa não é o PT, mas sim Lula. Para alguns pode parecer a mesma coisa, mas não é.
Para muitos a volta de Lula implicaria em um segundo turno já previsto com Bolsonaro. Não se pode afirmar isso com tanta antecedência. Contudo, seu retorno obrigará que temas que estavam em fogo morno ganhem temperatura.
O debate sobre o respeito ao Estado de Direito, a manutenção da democracia pelo viés constitucional, o enfrentamento de temas ligados às minorias e a comparação entre a realidade atual e de 12 anos atrás serão temas obrigatórios. Até a gestão da pandemia precisará ter um novo rumo.
Se antes Bolsonaro tinha inimigos imaginários, agora tem um de carne, osso, muita voz e respeito internacional.
Além disso, esperamos que o Judiciário reveja práticas antidemocráticas que se notabilizaram com a Lava Jato, não só pelas ilegalidades que representam, como também pelo perigo à democracia quando a condução da Justiça passa a ser uma questão moral e não ética.
Uma certeza podemos ter, Lula mexe com o Brasil e num momento de total falta de perspectivas políticas e sem rumo por parte do Governo Federal no combate à pandemia e condução econômica. O cavalo de pau jurídico que Fachin deu, mesmo que na tentativa de salvar o lavajatismo, pode ser também parte do freio de arrumação que o país precisa.
*Anderson Pires é formado em comunicação social – jornalismo pela UFPB, publicitário, cozinheiro e autor do Termômetro da Política.
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