Colapso: por falta de medicamentos, enfermeiros relatam pacientes acordando durante intubação. Desesperados, alguns arrancam a mangueira e machucam toda a faringe
Governos de diversos estados estão cobrando do Ministério da Saúde medicamentos necessários para o chamado ‘kit-intubação’. Com a pandemia descontrolada no Brasil, o consumo desses sedativos mais do que triplicou nas últimas semanas.
Com o estoque no fim, enfermeiras de hospitais de São Paulo relatam que estão sendo orientadas a utilizar doses menores e, com isso, muitos pacientes acabam despertando.
Quando os pacientes acordam e percebem que há um cano que desce da sua boca até o pulmão, alguns entram em desespero, chegam a arrancar a mangueira e machucam toda a faringe. Já debilitados pela doença, o estado de saúde dos pacientes se agrava ainda mais.
A combinação de sedativos para uma intubação entra no corpo pela veia, por meio da bomba de infusão, aparelho responsável por programar a quantidade de remédio e o tempo em que ele será injetado.
Como os hospitais estão com estoques cada vez mais reduzidos de insumos, médicos e enfermeiros racionam o medicamento para que nenhum paciente fique desassistido. Assim, as pessoas recebem uma dosagem mínima, além de a bomba de infusão ser programada para gotejar mais lentamente e prolongar o efeito.
“Se você diminuir a sedação, o paciente vai sentir dor, vai tentar reagir, tentar se mexer, tenta tirar. Os enfermeiros estão ainda mais exaustos porque não têm o que fazer. Agora, está faltando tudo. Eles estão angustiados com essa falta de insumos. Não tem a medicação, não tem oxigênio, não dá tempo de esperar leito ficar pronto que já entra outro paciente. Tudo está gerando muito sofrimento emocional. Estar em contato direto com essa situação é desesperador”, diz Dorisdaia Humerez, coordenadora da Comissão Nacional de Saúde Mental do Cofen (Conselho Federal de Enfermagem).
Governo cancelou compra de medicamentos
O subprocurador-geral da República, Lucas Rocha Furtado, entrou com uma representação junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) para que o órgão investigue os motivos do Ministério da Saúde ter cancelado intencionalmente a compra de medicamentos do kit intubação, em agosto de 2020.
“[O TCU] decida pela adoção das medidas necessárias a apurar por que o Ministério da Saúde, negligenciando orientações técnicas do Conselho Nacional de Saúde, cancelou, em agosto de 2020, compra internacional de medicamentos do kit intubação, usado no tratamento da Covid-19, sendo que, atualmente, com o agravamento da pandemia, as reservas desses medicamentos estão no fim, obrigando médicos a recorrerem a drogas de terceira linha ou a sobrecarga de sedativos”, diz um trecho do documento enviado pelo Ministério Público Federal.
No pedido de apuração da conduta dos integrantes do Ministério da Saúde, o subprocurador destaca que o cancelamento foi realizado enquanto Eduardo Pazuello ainda atuava como ministro interino. A representação foi acompanhada de um pedido de instauração de medida cautelar que garanta que o Ministério da Saúde fará a apuração do cancelamento.
O documento enviado pelo subprocurador repercute reportagens jornalísticas que expõem a falta dos medicamentos necessários para a realização da intubação segura dos pacientes internados. O texto diz que o cancelamento da compra pode caracterizar conduta omissiva de agentes públicos.
De acordo com Lucas Furtado, as notícias “evidenciam flagrante desrespeito, pelo Ministério da Saúde, das orientações técnicas emanadas do Conselho Nacional de Saúde. E essa negligência está tendo sérias consequências atualmente”. Ele afirma que os fatos revelados “evidenciam afronta aos princípios da impessoalidade, da moralidade e da eficiência na Administração Pública”.
O documento com a representação também pede ao Ministério da Saúde a aquisição de máscaras PFF2 (Peças Faciais Filtrantes) para serem disponibilizadas gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS), com o intuito de conter a transmissão do coronavírus.
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