"Vou enfrentar sem medo", diz Felipe Neto após intimação de delegado bolsonarista
Com base em lei da ditadura, Felipe Neto é intimado a depor por chamar Bolsonaro de 'genocida'. Delegado foi o mesmo que indiciou o youtuber, no ano passado, por corrupção de menores
Stephanie Vendruscolo, ElPaís
Nesta segunda-feira, o youtuber Felipe Neto foi intimado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro para prestar declarações por ter supostamente cometido crime previsto na Lei de Segurança Nacional (LSN) Nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983, e também de calúnia.
Segundo divulgado em suas redes sociais, Neto atribuiu a intimação ao fato de ter chamado o presidente Jair Bolsonaro de “genocida” por sua gestão na pandemia da covid-19.
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Após divulgar a imagem da intimação em seu Twitter, o influenciador digital afirmou que o ato trata-se de clara tentativa de silenciamento, através da intimidação, e citou o Inquérito contra o advogado Marcelo Feller — também acusado por violações à LSN — que foi arquivado pelo Suprem Tribunal de Justiça no final de 2020.
1) Um carro da polícia acaba de vir na minha casa.
Trouxeram intimação p/ q eu compareça e responda por
CRIME CONTRA SEGURANÇA NACIONAL
Pq chamei Jair Bolsonaro de genocida.
Carlos Bolsonaro foi no mesmo delegado q me indiciou por “corrupção de menores”.
Sim, é isso mesmo. pic.twitter.com/nhMugYfc8c
— Felipe Neto (@felipeneto) March 15, 2021
Coincidentemente, o delegado do inquérito de novembro contra o advogado Marcelo Feller é Pablo Dacosta Sartori, o mesmo agora acionado pelo vereador Carlos Bolsonaro contra o youtuber.
Pronunciamento a respeito da acusação de crime contra a segurança nacional.
15/03/2021
Obrigado a todos que assistirem e puderem ajudar com um RT. pic.twitter.com/b3QL7piaNQ
— Felipe Neto (@felipeneto) March 16, 2021
Redigida durante a ditadura militar (1983), a LSN lista crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social. Segue em vigor até hoje, e havia sido pontualmente utilizada desde a redemocratização.
No entanto, a partir de 2020 a LSN começou a ser evocada com uma constância que até então não havia sido observada.
Em 2020 a lei foi utilizada em pelo menos três situações:
a representação do Ministério Defesa contra o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes;
a solicitação abertura de inquérito contra protestos considerados antidemocráticos;
e o pedido de Bolsonaro para que Ricardo Noblat, colunista da revista Veja, fosse investigado por uma charge publicado em suas redes sociais.
O caso mais recente foi a utilização da Lei para determinar a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) pelo STF. O parlamentar foi acusado de atacar ministros do Supremo em um vídeo divulgado em suas redes sociais e cumpre agora prisão domiciliar.
“Um literal cala boca”. É assim que Alexandre Knopfholz, professor de Processo Penal no Centro Universitário Curitiba, define a medida tomada contra Felipe Neto. Para o advogado, Bolsonaro está banalizando a utilização da LSN, já que eventuais apurações de injúria e/ou calúnia devem ser apuradas conforme o Código Penal, que possui tipos específicos para crimes contra a honra do presidente da República.
Knopfholz também afirma que causa estranheza que o inquérito tenha sido iniciado pela Polícia Civil, já que a Lei de Segurança Nacional é de competência exclusivamente federal.
A falta de competência da Polícia Civil também foi apontada pelo procurador da República Vladimir Aras e seu Twitter.
Os crimes contra a segurança nacional são de competência *federal*. Pelo que se vê abaixo, a intimação teria sido enviada pela Polícia Civil do Rio. A @PCERJ não tem atribuição para apurar crimes da Lei 7.170/83. Se houver algo a apurar, cabe à @policiafederal e ao @MPF_PRRJ … https://t.co/ONnCXE1yci
— Vladimir Aras (@VladimirAras) March 15, 2021
Leiam essa thread de um dos maiores especialistas do Brasil para vcs entenderem o tamanho do absurdo que estão tentando fazer. https://t.co/8tItyDDLnB
— Felipe Neto (@felipeneto) March 16, 2021
Isso daí se chama perseguição política.
Sempre um crítico vocal. Tem meu total apoio. Não podemos nos curvar a nenhum governo que busca o autoritarismo. Força @felipeneto.
Não se cale! https://t.co/YcZKkhqL35
— Caio C. V. Machado (@caiocvm) March 15, 2021
A polícia não pode ser usada como se fosse uma milícia política da família Bolsonaro p/ perseguir opositores. Esse não é só um ataque ao Felipe Neto, é uma agressão a todos nós que defendemos a liberdade e a democracia. O Brasil não será transformado no quintal dos Bolsonaro. https://t.co/u46HuBL1qN
— Marcelo Freixo (@MarceloFreixo) March 15, 2021
Minha solidariedade, @felipeneto!
Se Bolsonaro te considera uma ameaça à segurança nacional, é pq ele é a própria destruição do Brasil!Bolsonaro é corrupto e genocida. São quase 280 mil brasileiros que poderiam ter sido salvos não fosse a política negacionista e criminosa dele!
— Ciro Gomes (@cirogomes) March 15, 2021
Toda minha solidariedade ao @felipeneto pelos acontecimentos deste dia. Somos um país livre e usar do poder para silenciar opiniões contrárias não é comportamento de um governo democrático e sim de um governo de cunho autoritário.
— Marina Silva (@MarinaSilva) March 16, 2021
Com mais de 40 milhões de assinantes em seu canal no YouTube, Felipe Neto tem despontado como uma das vozes críticas ao Governo Bolsonaro.
Em julho de 2020, um vídeo do influenciador foi publicado no jornal The New York Times. Com críticas à gestão da pandemia e às políticas coordenadas por Bolsonaro, Neto também tem sofrido uma ampla campanha de difamação pelos setores bolsonaristas a ponto de chegar a ser indiciado, em novembro de 2020, em um inquérito sobre o crime de corrupção de menores.
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Em consequência da intimação desta segunda-feira, a hashtag #BolsonaroGenocida chegou ao topo dos assuntos mais comentados no Twitter. Políticos, artistas e influenciadores usaram as redes para externalizar seu apoio ao youtuber.
Nesta segunda-feira, a Comissão Arns, um observatório de direitos humanos, e a organização não governamental Conectas denunciaram o Governo Jair Bolsonaro pela “devastadora tragédia humanitária” no país em consequência da conduta na pandemia durante intervenção no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra.