As eleições em 2022 não podem descambar para um tratamento estético, que pode até esconder os sinais de envelhecimento de alguns, contudo, seus atores mantêm o que de mais velho existe na política: a exclusão de quem lhes parece diferente ou inconveniente.
Anderson Pires*
Em 2018, as eleições para presidente ofereciam mais de uma dúzia de opções de candidatos. Ao final, tivemos um segundo turno entre Bolsonaro, então PSL, e Haddad, filiado ao PT. Apesar da maioria absoluta de candidatos de direita, todos tiveram uma participação tímida, quase vergonhosa, como no caso de Alckmin, que juntou a maior de todas as coligações e não chegou a 5% dos votos válidos.
Opção à direita não faltava, mas os votos foram quase todos descarregados em Bolsonaro, que acabou eleito no segundo turno, com cerca de 55% dos votos. Haddad teve aproximadamente 45% dos votos e colocou o PT mais uma vez na disputa.
Pela primeira vez tivemos um presidente eleito que não debateu com seus concorrentes, muito menos apresentou um só projeto relevante em seu programa de governo, no que diz respeito a economia, saúde, segurança, educação, moradia ou qualquer outro tema importante para se governar um país.
Foi eleito mediante um processo de negação a tudo, desqualificação e marginalização da política, que teve como grande cabo eleitoral a Operação Lava Jato e a versão propagada até então, de combate à corrupção e extermínio das grandes empresas privadas brasileiras e políticos, que seriam o câncer que corroía o país.
Detalhe: o candidato que aparecia como capaz de atender a essa expectativa de extermínio era um parlamentar com 30 anos de mandato, sem um só projeto de destaque, que defendia crimes aos direitos humanos, denunciado por recebimento de caixa dois, compra de bens de forma suspeita e envolvimento em processos de rachadinha.
Não tinha como se esperar muito. Após mais de dois anos de mandato, o governo Bolsonaro conseguiu retroceder em todas as áreas. Um verdadeiro desastre que deixa muitos dos seus antigos eleitores sem argumentos de defesa. Com isso, tentam construir uma narrativa que justifique o voto sabidamente desqualificado em 2018, mas querem de alguma forma manter vivo o antipetismo.
O discurso agora é: “Eu quero um Brasil sem Covid, sem Lula e sem Bolsonaro”. A tropa que optou por alguém que defendia a ditadura, que tratava nordestinos, negros, mulheres e homossexuais com preconceito, tenta isentar-se dos erros cometidos e, assim, ficar à vontade para fabricar seu novo exemplo de político que atenda a moral em que acredita.
Uma coisa é certa, esses mesmos dizem que a polarização Bolsonaro X Lula é o maior problema a ser enfrentado. O conteúdo do discurso serve para qualquer um que procure ajustar-se à falta de criticidade e comparação. Serve para quem acredita em Doria, Ciro, Luciano Huck, Amoedo, Eduardo Leite e até o ex-ministro bolsonarista Mandetta como alternativas isentas. Como se isso existisse.
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O que todos têm em comum: foram coniventes com a eleição de Bolsonaro, seja por ação ou omissão. Além disso, em maior ou menor escala representam a elite brasileira que sempre dominou o Estado. Não por acaso, dividem-se entre abastados pelo caminho da política ou do poder econômico. Certamente, essa é a maior diferença que têm com relação a Lula: a classe de origem.
Mas como diria Garrincha, eles precisam combinar com os russos. Apesar de o PT sempre ter sido alvo dessas duas categorias desde sua fundação, existe uma parcela da sociedade que se sente representada pelo partido e, principalmente, pelo ex-presidente Lula.
Aqueles que dizem querer fugir dos extremos não fazem uma discussão honesta. Taxar o PT de extrema esquerda é quase como adotar os métodos da Lava Jato para incriminar alguém: não precisam provas, mas sobram convicções. Ou alguém tem dúvida de que o PT fez o governo de maior expansão do capital em toda a história do Brasil? Em algum outro momento empresas brasileiras cresceram tanto? Bancos tiveram tanto lucro?
Porém, cometeu “pecados” inaceitáveis. Toda essa expansão capitalista teve que direcionar uma pequena parcela para minimizar problemas históricos no Brasil, como a fome, a falta de moradia, a melhoria de alguns serviços essenciais e, consequentemente, proporcionar consumo para quem nunca teve nem o que comer.
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Parece absurdo o nível de contradição, mas não é. O Brasil tem uma significativa parcela da sua elite que transita entre o feudalismo e o escravismo, sendo assim, carregam preconceitos com raízes mais profundas que os princípios, como definiria Maquiavel.
Voltando para a representatividade do PT, desde 1989, quando tivemos a primeira eleição direta após a Ditadura Militar, em todas as disputas presidenciais o partido teve um representante vencendo ou em segundo lugar. Isso contra esquemas gigantescos formados por agentes do Estado e grupos empresariais, que usaram do poder estatal e econômico para influenciar nos resultados eleitorais.
Usar como argumento uma suposta polarização entre extremos para transformar o PT em carta fora do baralho em 2022 é uma manobra clara para evitar a discussão de temas que incomodam essa zona cinza que serviu de base para eleição de Bolsonaro, ou para mascarar o viés autoritário de direita que Ciro sempre representou, com um verniz antiliberal, mas longe de ter qualquer compromisso de classe.
Alternativa ao PT existe?
Vou ser mais preciso. Alternativa melhor que Lula para enfrentar Bolsonaro existe? No momento, não. Nenhum dos possíveis postulantes se coloca como um verdadeiro contraponto. Até opções que me parecem patéticas, como um Luciano Huck que votou em Bolsonaro e bateu palmas para o golpe que Aécio Neves deu início em 2014.
Achar que esse clube da elite, que resolveu assinar um manifesto, que chamaram de Carta Pró-democracia, representa algo melhor do que Lula é reafirmar o bolsonarismo, visto que todos ajudaram na sua eleição. Nem muita maquiagem ou botox para anestesiar as impressões na face lhes garantirá uma silhueta capaz de isentar da responsabilidade pelo que o Brasil vive. Muito menos Ciro conseguirá, mediante um facelift profundo, dizer que as rugas de um trabalhador são menos legítimas para apresentar alternativas ao país que a aliança que busca construir com o DEM de ACM Neto.
As eleições em 2022 não podem descambar para um tratamento estético, que pode até esconder os sinais de envelhecimento de alguns, contudo, seus atores mantêm o que de mais velho existe na política: a exclusão de quem lhes parece diferente ou inconveniente.
*Anderson Pires é formado em comunicação social – jornalismo pela UFPB, publicitário, cozinheiro e autor do Termômetro da Política.
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