Num momento tão nebuloso como esse em que vivemos, quando pobres e pequenos empresários acreditam haver algo de positivo naqueles que dizem lutar para comprar vacinas que não existem, ter Luiza Trajano como voz dissonante é quase um luxo em meio a mediocridade
Anderson Pires*
O Brasil está na periferia do capitalismo. O empresariado brasileiro ainda padece de profunda ignorância, tanto é assim, que acredita ser possível comprar imunidade até com relação a mazelas como uma pandemia. Exemplo maior de demência: imaginar proteger o capital deixando quem reproduz morrer, ou seja, trabalhadores consumidores.
Essa é a lógica que perpassa os que defendem a compra de vacinas por empresas privadas para uso pelos seus donos e funcionários. Está implícito nessa questão: dinheiro compra tudo. Outro ponto presente: se o Estado é ineficiente, por que não posso passar por cima dele? E mais: como sou piedoso, deixo um pedaço do que comprei para que distribuam com os demais. Nada mais feudal que o regime de indulgências.
Poderia ser apenas um caso de ignorância. Mas diante de questões de tão fácil entendimento, como a inexistência de vacina sobrando no mercado, o que inviabiliza qualquer compra direta por empresas, só podemos ver duas possibilidades: tráfico de vacinas com a conivência do poder público ou mais um embate político para aglutinar os ultraconservadores que defendem Bolsonaro e sua saga genocida. Cabe um parêntese, em meio ao caos o legislativo brasileiro transforma uma questão que deveria ser tratada como factoide em central. É como debater regularização fundiária em Plutão.
Mas diante de tantas sandices, aprece o contraponto mais que necessário de alguém com lucidez e compreensão da situação: a megaempresária Luiza Trajano. A senhora do Magalu é certamente a voz mais forte que poderíamos ter nesse momento em defesa da vacinação pública. De forma pedagógica destroça a falácia da compra de vacinas, quando diz: “Dinheiro pra comprar vacina tem. A dificuldade não está no dinheiro, está na falta de vacina.”.
Com seu jeito simples, ela completa: “temos que parar com isso de esquerda ou direita, com fake news, temos que nos unir em um único propósito”. O que Luiza Trajano defende e está fazendo com o apoio de uma grande rede de empresários é trabalhar para sanar deficiências que existem no SUS, para que a vacinação seja feita com o máximo de eficiência e velocidade.
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Com base em dados de pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva, foi possível identificar que 53% dos municípios precisavam de recursos para conseguir trabalhar aos fins de semana e feriados, 39% precisam de ajuda com a rede de frios, 34% apontou dificuldades com a vacinação por drive-thru e 25% colocou o acesso à internet e computadores como um entrave na vacinação.
A empresária que faz questão de exaltar o papel do SUS como o maior programa de saúde pública no mundo qualifica a ação empresarial em meio a pandemia. Mostra que existe uma compreensão diferente da turma do “Véio da Havan” e seu grupo de sonegadores, especuladores e fraudadores que dão apoio a Bolsonaro.
Mais importante que embates que possam existir entre políticos, a posição da Dona do Magazine Luiza tem o respaldo de quem conseguiu em plena pandemia crescer muito com investimento em tecnologia, comunicação e percepção de oportunidade, que vão além de possíveis benesses que o Governo Federal possa proporcionar.
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Enquanto o Magalu multiplicava seu valor, a Havan montava estratégias para burlar normas sanitárias, colocando gêneros alimentícios em suas lojas para conseguirem se enquadrar como serviço essencial. Nada mais coerente para uma empresa que responde por muitos milhões em impostos sonegados. O seu proprietário não poderia ter outro destino do que virar linha de frente do mundo bizarro que Bolsonaro é o maior expoente.
Mas o lado grandioso de Luiza Trajano já se manifestou em outros momentos. No auge dos Governos Petistas ela teve que ensinar aos comentaristas econômicos da Globo, que as falácias que propagavam com relação ao aumento do consumo no país, era mais preconceito com o pobre ter algum acesso a bens, que propriamente uma análise fundamentada.
Certa vez, ela com seu jeito caipira transformou em vento os argumentos da bancada do Manhattan Connection, sobre crise no varejo e uma bolha de consumo que pairava no Brasil, que poderia implicar em quebra da economia. Em poucas frases, a verborragia dos economistas/comentaristas perdeu qualquer credibilidade. Ela lembrou que o bem de consumo mais comprado no país ainda era o tanquinho de lavar roupa. Pouco mais de 50% dos lares dispunham do tanquinho ou máquina de lavar, que é muito mais uma necessidade para diminuir a carga de trabalho feminino, que consumo supérfluo exagerado. Na sequência, completou: apenas 7% dos domicílios brasileiros tem uma TV de tela plana, falar de bolha de consumo com números tão tímidos é não ter dimensão do que é o Brasil e seu nível de desigualdade.
Usando argumentos do seu mundo de lojista, ela mostrou que essa visão turva sobre o Brasil é algo muito grave por parte das elites, que acreditam que o pobre já tem demais e que vivemos num país que se libertou do escravagismo.
No debate agora sobre a vacina, Luiza deu mais um exemplo de compreensão sobre o mundo desigual que o Brasil está inserido. Não vamos enquadrá-la como comunista como alguns imbecis certamente farão. Como ela mesma exemplificou: “Se defendo Bolsa Família, que é algo necessário em um país com tanta pobreza me taxam de esquerda. Quando defendo a privatização de alguns setores, dizem que sou de direita”.
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Num momento tão nebuloso como esse em que vivemos, quando pobres e pequenos empresários acreditam haver algo de positivo naqueles que dizem lutar para comprar vacinas que não existem, ter Luiza Trajano como voz dissonante é quase um luxo em meio a mediocridade.
Do lado de cá, continuo dizendo, enquanto a classe média continuar acreditando que está mais próxima do rico que do pobre, assim como, o pequeno empresário achar que tem mais semelhança com o banqueiro que o trabalhador, vamos precisar que gente como Dona Luiza traga um pouco de sanidade e sensibilidade para um mundo cada vez menos humano.
*Anderson Pires é formado em comunicação social – jornalismo pela UFPB, publicitário, cozinheiro e autor do Termômetro da Política.
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