Saúde

Mulher que apareceu em vídeo viral recebendo cloroquina nebulizada morre no AM

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Vídeo de Jucicleia recebendo cloroquina nebulizada foi compartilhado por ministro de Bolsonaro e membros do alto escalão do governo. O próprio presidente se entusiasmou com o conteúdo e recomendou o tratamento. A mulher morreu e houve tentativa de abafar o caso

A paciente Jucicleia (esq) e a médica Michelle Chechter

Uma reportagem da Folha de S.Paulo revelou nesta semana a história por trás de um vídeo que foi celebrado nas redes bolsonaristas de uma paciente de Covid-19 recebendo cloroquina nebulizada.

O conteúdo chegou a ser compartilhado por Onyx Lorenzoni, ministro de Bolsonaro, e por outros membros do alto escalão do governo. O próprio presidente da República passou a defender a prática após a divulgação do vídeo.

“Os relatos são que, em poucas horas, uma pessoa que receba nebulização de hidroxicloroquina se sente aliviada e partiria para a cura. É apenas uma pessoa, uma informação, mas é sinal de que tem gente que realmente está preocupado com isso, médico que tem coragem”, disse Bolsonaro.

A paciente que aparece nas imagens é Jucicleia de Sousa Lira, de 33 anos. Ela morreu no início de março no Amazonas, mas só agora a imprensa ficou sabendo do óbito. O quadro de Jucicleia se agravou horas após o uso da cloroquina nebulizada.

A médica que ministrou a nebulização é Michelle Chechter, uma conhecida militante bolsonarista que admite ser “defensora do tratamento precoce”. A médica também é fã de Olavo de Carvalho.

O “protocolo” da cloroquina nebulizada adotado na paciente Jucicleia foi criado pelo médico conspiracionista Vladimir Zelenko. Ele foi alçado à fama em março de 2020, quando sua defesa do uso da cloroquina contra a Covid-19 foi encampada pelo então presidente Donald Trump, de forma semelhante ao que ocorreria em seguida no Brasil.

Em abril de 2020, Zelenko se tornou alvo de uma investigação preliminar de um procurador federal por ter mentido que seu estudo havia recebido o respaldo da FDA, a agência norte-americana que regula medicamentos. Por não ter eficácia contra a Covid-19, a cloroquina deixou de ser utilizada em todos os países do mundo, exceto o Brasil.

Para aplicar o tratamento experimental, que consiste na inalação de comprimidos de cloroquina macerados e diluídos, Michelle Chechter ignorou todas as boas práticas da medicina e cometeu um crime.

“Nunca vi isso. Não sabemos quantos pacientes foram utilizados, não há termo de consentimento nem comitê ético. É até mau gosto chamar de estudo. Trata-se de um experimento mengeliano”, afirma o infectologista Francisco Ivanildo de Oliveira, em referência ao nazista Josef Mengele, que realizou experimentos letais no campo de concentração de Auschwitz.

Pelo menos outras três pacientes da médica Michelle Chechter receberam nebulização mesmo sem terem autorizado. Todas morreram. Para convencer familiares dos pacientes, Chechter dizia que a hidroxicloroquina tinha o apoio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e que, por causa disso, sofria oposição política.

A morte de Jucicleia Lira não impediu que o vídeo gravado por Chechter continuasse circulando até hoje no WhatsApp e nas redes bolsonaristas. Apenas no Twitter de Onyx Lorenzoni, o vídeo com a suposta cura de Jucicleia foi visualizado 132,5 mil vezes.

Demitida

Após a reportagem da Folha, a Secretaria de Estado da Saúde do Amazonas demitiu e investiga a médica ginecologista Michelle Chechter. A secretaria diz que a médica passou a fazer parte da equipe em 3 de fevereiro “após contratação em regime temporário pela secretaria junto com outros 2,3 mil profissionais de saúde, via banco de recursos humanos disponibilizados ao Estado pelo Ministério da Saúde”.

Em publicação recente, a médica Michelle publicou fotos da visita de Bolsonaro a Chapecó, em Santa Catarina, município que teria supostamente conseguido reduzir internações por covid-19 com uso de medicamentos sem eficácia contra a doença.

A cidade, no entanto, à época da visita do presidente, no início do mês de abril, tinha 100% dos leitos de unidade de terapia intensiva ocupados, além de ter mais mortes por covid-19 por 100 mil habitantes que Santa Catarina e o Brasil. Segundo Bolsonaro, Chapecó tinha feito um “trabalho excepcional” na pandemia e deu liberdade a médicos para prescreverem o “tratamento precoce”.