Paciente apresentou piora imediata após nebulização de cloroquina no RS. O médico, então, receitou a cloroquina em comprimido via oral
Um homem de 69 anos, internado com sintomas de covid-19 no Hospital de Caridade de Alecrim, cidade gaúcha na fronteira com a Argentina, faleceu dois dias após ter feito quatro sessões de nebulização de hidroxicloroquina diluída.
O tratamento, sem eficácia comprovada e considerado experimental por não constar nos protocolos do Ministério da Saúde, foi prescrito pelo médico Paulo Gilberto Dorneles.
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A hidroxicloroquina deve ser ingerida pela via oral, mas alguns médicos passaram a aplicar a técnica experimental em pacientes da covid-19. Profissionais críticos da prescrição alertam para os riscos de a inalação do fármaco causar efeitos adversos, como taquicardia.
A família do paciente Lourenço Pereira diz não ter sido consultada sobre as nebulizações e afirma que não emitiu nenhuma autorização. Os familiares fizeram uma denúncia ao Ministério Público requerendo a investigação do caso, alegando que a medicação contribuiu para a piora do quadro de saúde de Pereira.
— O que pretendemos é buscar justiça para tudo o que ocorreu com o meu pai no período da internação, para que outras pessoas não passem por tratamentos experimentais. Não teríamos autorizado, sobretudo por sabermos que essa conduta médica não tem base legal — diz a filha Eliziane Pereira, 32 anos.
Pereira tinha o hábito de se deslocar da sua residência, na fronteiriça Alecrim, de bicicleta até a área central da cidade. No dia 19 de março, uma sexta-feira, ele não conseguiu percorrer o trajeto porque sentiu falta de ar. O idoso comunicou a filha Eliziane, que mora em Porto Alegre. Ela chamou a ambulância que levou o homem ao hospital.
Na unidade de saúde, um exame confirmou que se tratava de covid-19. Pereira, que tinha doença pulmonar crônica, intercalou no período de internação o uso de óculos nasal e máscara de Hudson para receber oxigênio.
O prontuário obtido pela família indica que, no segundo dia de internação, em 20 de março, o médico prescreveu inalações de hidroxicloroquina a cada seis horas.
“Diluir e nebulizar conforme orientação”, diz o campo do prontuário em que são anotadas as “observações”. O médico afirmou que um comprimido do fármaco foi repartido em quatro. As frações foram usadas em cada uma das quatro nebulizações feitas ao longo daquele dia.
— O pai me mandou um áudio dizendo que se sentia pior. Isso foi no sábado (20) — relata Eliziane.
No campo “evolução médica” do prontuário do dia seguinte, em 21 de março, foi registrado pela equipe do hospital: “piora do quadro respiratório”, sem indicar se havia motivo específico para isso ou se era o curso natural da covid-19 no paciente.
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A partir deste dia, o médico deixou de fazer as nebulizações e receitou a ingestão de um comprimido por dia de hidroxicloroquina pela via oral, método de uso indicado na bula do remédio.
Apesar de estar prevista nos protocolos do Ministério da Saúde, não há comprovação de eficácia do uso da hidroxicloroquina via oral contra a covid-19, e efeitos adversos podem atingir o paciente, alertam especialistas.
A prescrição permaneceu assim até o dia seguinte, 22 de março, quando Pereira perdeu os sinais vitais e faleceu. A certidão de óbito apontou como causas da morte a covid-19 e a doença pulmonar obstrutiva crônica.
O médico assegura que a nebulização com hidroxicloroquina diluída não afetou o quadro de saúde do paciente. Ele diz que Pereira precisava de leito de UTI, mas que, apesar das suas reiteradas tentativas, não foi possível encontrar vaga na região.
— Usamos uma dose ínfima, quase um placebo. Não alterou em nada o quadro. Usamos como tentativa enquanto aguardávamos leito de UTI. Eu com o paciente ruim, sem leito de UTI, tu sabes o que é trabalhar no Interior, sem condições. Então a gente usou, foi feita a tentativa, mas em dosagem ínfima porque a gente não tinha segurança da validade — afirmou Dorneles.
O profissional diz estar “tranquilo” quanto aos procedimentos adotados no atendimento de Pereira. Ele destacou que o paciente já tinha histórico de problemas respiratórios.
— O problema dele não foi o comprimido. Ele teve uma piora progressiva e nós fazemos o que está ao nosso alcance. Ele tinha só 40% do pulmão funcionando antes de pegar a covid — argumenta Dorneles.
O médico reconheceu que os protocolos do Ministério da Saúde preveem apenas o uso da hidroxicloroquina via oral, e não a diluição e posterior inalação, mas rebateu:
— Eles (Ministério da Saúde) não estão aqui salvando pacientes como nós.
Dorneles ainda afirmou que prescreveu a inalação do fármaco para o caso específico de Pereira, sem estender o tratamento experimental para outros pacientes.
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