Vítima de assédio sexual, humilhada, ameaçada de estupro e morte: soldada fez de tudo para se livrar das perseguições e até mudou de cidade com marido e filhos, mas pesadelo não chegava ao fim. "Ser policial era meu sonho de infância, ajudar as pessoas, proteger os inocentes. Mas era tudo falso"
A soldada Jéssica Paulo do Nascimento, 28, denunciou seu superior por perseguição no trabalho, assédio sexual e ameaças de morte e estupro. Atualmente ela trabalha no 45° Batalhão da Polícia Militar do Interior (BPM/I) em Praia Grande, no litoral de São Paulo. As informações são do UOL.
A atitude criminosa do coronel da PM começou em 2018, quando conheceu Jéssica depois dela assumir o comando do Batalhão da Zona Sul de SP e passou pelas companhias para se apresentar aos policiais militares. Ela o acusa de enviar mensagens de cunho sexual, ameaças por áudio, humilhação em frente aos seus colegas e sabotagem quando se recusou a ceder aos pedidos de seu superior.
“Em um momento em que a gente ficou um pouco sozinho, ele assim veio em uma total liberdade, uma intimidade. Mas a gente nunca tinha se visto, né? E me chamou para sair na cara dura”, relembra Jéssica.
Ela disse ao superior que era casada e tinha filhos, recusando o convite. “Tentei ser educada, expliquei que era casada, tinha filhos, mostrei a minha aliança. Hoje eu vejo como era inocente. Porque, a partir dali, começou a perseguição contra mim”.
A perseguição teria resultado, segundo ela, em um episódio de sabotagem, em que ele impediu toda a companhia dela a prestar um dos testes físicos do concurso público para o Corpo de Bombeiros, que ela tanto queria. “Como eu não cedia e percebi que ele não ia desistir, fui fazer o teste para o Corpo de Bombeiros, queria sair de onde estava. Mas ele me sabotou, não permitiu. E o pior, quando soube que eu queria sair da companhia, exigiu minha transferência para um batalhão que fica a 40 quilômetros da minha casa. Mesmo sabendo que eu tinha dois filhos ainda bebês”, detalha.
Depois disso, ela foi transferida para outra companhia, longe de sua residência. “Eu, na época, estava com meus filhos bem menores, um tinha um ano e o outro, dois anos”, diz. Ela relata, ainda, que após esta transferência, marcou uma reunião para conversar com o comandante, mas que foi humilhada na frente de outros quatro colegas de farda. “Ele me humilhou demais, me rebaixou, me comparou com uma vagabunda. Saí de lá [da reunião] me sentindo pior que um lixo”, desabafa.
Mudança
Um tempo depois, já cansada da perseguição, a soldada contou tudo ao capitão da 1ª Companhia. Ele a orientou a pegar um atestado de 6 meses, para garantir o seu afastamento por instabilidade emocional e ficar longe das investidas do comandante.
“Mas não adiantou. No início de 2019, solicitei uma licença não remunerada de dois anos. Sugeri então ao meu marido que procurássemos um outro lugar para viver. Assim, viemos para a Praia Grande, para onde ele conseguiu se transferir. Mudei meu número de telefone e tudo parecia estar bem”.
Jessica conta que já estava pensando em pedir para ser desligada da PM quando a licença não remunerada vencesse, no início de abril deste ano. Semanas antes, começou a sentir-se mal e teve crises de ansiedade e de pânico com a perspectiva de voltar ao trabalho.
“Foi quando pedi à secretária dele (do comandante) para que intercedesse por mim no sentido de obter pelo menos uma transferência para o litoral. Eu não queria mais contato com ele. Porém, alguém passou meu número novo para ele. E ele voltou a me ligar e mandar mensagens, sempre com palavreado chulo e propostas indecentes”, diz.
Advogado
A essa altura, aconselhada por um advogado, Jessica passou a “dar corda” para o tenente-coronel. Ele passou a prometer que iria transferi-la e que iria torná-la farmacêutica da PM (já que ela está cursando faculdade de Farmácia). Tudo isso, claro, se Jessica se submetesse aos seus pedidos.
“Eu pensei que precisava de provas, porque ele sempre ia fazer isso e ninguém ia acreditar. Entrei em contato com um advogado e ele me orientou a ver até onde ele iria, deixando ele falar”, conta. “Foram coisas muito baixas. Me ameaçou de estupro e de morte”.
As ameaças de morte vieram também por áudios. Em uma das falas, o comandante afirma que “não existe segredo entre dois, um tem que morrer” e “quem não tem problema na vida, está no cemitério”.
O comandante chegou a dizer que havia marcado uma reunião na Sexta-feira Santa (7 de abril), em São Paulo, para resolver o seu caso. Mas, na verdade, queria levá-la para um hotel. O local de encontro seria a área em frente às catracas do Metrô Paraíso.
Um dia antes da data marcada, porém, Jessica procurou a Corregedoria da Polícia Militar e contou tudo. Na sexta-feira, dia 7, apesar da insistência do comandante por meio de mensagens de WhatsApp, ela não compareceu ao encontro.
Sonho arruinado
Jéssica diz que ser policial era um sonho de infância, mas que hoje se arrepende de ter ingressado nos quadros da PM. “Eu sonhava em poder ajudar as pessoas, em ser reconhecida como uma protetora dos inocentes. Mas era tudo falso. Foi o fim de uma ilusão. Se eu pudesse, de alguma forma, avisar à Jéssica criança, lá no passado, daria dois tapas na cara dela e diria para ela acordar, procurar uma outra profissão”, declarou.
“Eu não me sinto mais segura, ele pode deixar a poeira baixar e como qualquer policial que trabalha na rua está sujeito a morrer a qualquer momento, ele vai me matar, aí vai aparecer na nota da Polícia que eu estava na rua, troquei tiro com bandido e morri. Minha vida vale mais, hoje prezo pela minha vida, minha liberdade e ver meus filhos crescerem também, isso que é importante”, finalizou.
A Polícia Militar esclareceu, por nota, que recebeu a denúncia e imediatamente instaurou um inquérito policial militar para apurar rigorosamente os fatos. O oficial foi afastado do comando do Batalhão e a investigação é conduzida pela Corregedoria da Polícia Militar. O comandante não teve a identidade revelada por causa do sigilo do processo.
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