Não há como sabermos, ao certo, quantas pessoas em situação de rua testaram positivo para a Covid-19 e qual é a taxa de mortalidade da doença nessa população
Julia Mezarobba Caetano Ferreira* e João Victor Silva*
O Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, publicado em dezembro pelo Ministério da Saúde, estabelece que a população em situação de rua constitui grupo prioritário para a imunização contra o vírus Sars-CoV-2.
A decisão foi tomada pelo comitê de especialistas que compõem a Câmara Técnica Assessora em Imunização e Doenças Transmissíveis, instituída pelo Ministério da Saúde, através da Portaria nº 28 de 03 de setembro de 2020, e baseia-se em critérios estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para a vacinação global.
A população em situação de rua constitui um dos grupos prioritários para a vacinação em função de apresentar maior risco para o desenvolvimento de quadros severos da doença. Afinal, ocorrência de comorbidades não é incomum e, somada à dificuldade de acesso aos serviços básicos de saúde e higiene, a manutenção da higidez se torna difícil para essas pessoas.
Embora não existam estatísticas oficiais, estima-se que a expectativa de vida das pessoas em situação de rua é menor quando comparada à das pessoas domiciliadas. Isso acontece porque esse grupo apresenta índices de adoecimento maiores do que os da população brasileira em geral, conforme a Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua realizada pelo extinto Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, em 2009.
Nas ruas, a luta diária pela sobrevivência atinge seu extremo. Não há garantia sequer de integridade física – os crimes de ódio contra essa população seguem ocorrendo, informa o noticiário. Nas ruas também é mais difícil seguir o protocolo das autoridades para a prevenção à contaminação pelo novo coronavírus: com o fechamento do comércio e dos banheiros públicos, tornou-se praticamente impossível encontrar um lugar com água e sabão para simplesmente lavar as mãos. O dinheiro escasso não permite a compra de álcool em gel e de máscaras. Não há possibilidade de isolamento social, a #ficaemcasa é utopia.
Seguindo as diretrizes do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação, várias cidades brasileiras já iniciaram a imunização de pessoas em situação de rua. É o caso de Recife (PE), Aracaju (SE), São Paulo (SP), e Natal (RN). O Rio Grande do Norte, aliás, foi o primeiro estado do país a vacinar toda a sua população em situação de rua, 1.500 pessoas. Na contramão, a cidade de Curitiba e o estado do Paraná seguem sem previsão de imunização dessa população.
Não bastasse a ausência de políticas públicas voltadas para esse grupo de cidadãos, no mês de março, o prefeito da capital paranaense protagonizou um episódio constrangedor ao tentar aprovar, às pressas, projeto de lei prevendo a penalização daqueles que distribuírem alimentos para pessoas em situação de rua.
A realidade se torna ainda mais perversa se lembrarmos que o município tem falhado em assegurar condições mínimas de sobrevivência para quem não tem uma casa onde morar. O munícipio, ao não prover alimentação suficiente e ao buscar penalizar os que tentam amparar os mais necessitados, praticamente sentencia a população em situação de rua à morte.
A atual pandemia tem escancarado a precariedade das condições de vida da população em situação de rua na capital paranaense, onde esses cidadãos não são vistos, pelo poder público, como integrantes da “cidade modelo”. Em Curitiba, a população em situação de rua segue sem alimento, sem acesso à água potável e a banheiros públicos. Plano de moradia e a possibilidade de uma habitação digna sequer são cogitados como possibilidade.
A exemplo da secretaria municipal, a secretaria de saúde do estado do Paraná também não dispõe de dados sistematizados sobre a população em situação de rua. Em outras palavras: não há como sabermos, ao certo, quantas pessoas em situação de rua testaram positivo para a Covid-19 e qual é a taxa de mortalidade da doença nessa população.
A ausência de dados, no entanto, não permite ao poder público eximir-se de sua responsabilidade. Vacinação já para a população em situação de rua!
*Julia Mezarobba Caetano Ferreira é psicóloga, mestranda em Bioética pela PUCPR e estuda a população em situação de rua.
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