Conheça a estratégia das empresas para lançar novos produtos e incentivar você a comprar a inovação mais revolucionária de todos os tempos da última semana
DireitosThiago Tanji, Revista Galileu
Em 1879, o inventor norte-americano Thomas Edison registrou a patente da lâmpada elétrica, produzida com filamentos de carbono e que era capaz de funcionar por até 40 horas.
O aperfeiçoamento da invenção estagnou no início da década de 1920, quando as lâmpadas comercializadas em todo o mundo eram utilizadas por até mil horas antes de apresentar defeitos. O aparente limite tecnológico, entretanto, não passava de estratégia econômica: as maiores empresas do setor, estabeleceram um acordo para limitar a vida útil das lâmpadas e estimular a contínua comercialização do produto.
Conhecido como Cartel Phoebus, o caso se tornou o episódio mais notório de uma prática denominada obsolescência programada, em que as mercadorias saem das fábricas com data de validade para deixar de funcionar.
Saiba mais: A obsolescência programada nos leva a um beco sem saída
Esses episódios, no entanto, são cada vez mais raros em uma economia com consumidores exigentes e concorrência acirrada entre as empresas. A estratégia da vez é construída pelo incentivo à compra de novos produtos antes que a troca seja realmente necessária por motivos técnicos. Afinal, todos precisamos correr para as lojas para garantir aquele último lançamento de smartphone. Enquanto isso, mais de 41,8 milhões de toneladas de lixo eletrônico são produzidas todos os anos e despejadas em lixões de países subdesenvolvidos.
Consumismo
O que torna um produto obsoleto? Planos maquiavélicos como o cartel das lâmpadas à parte, as motivações para o consumidor comprar uma nova mercadoria alimentam a estratégia das empresas.
“Alguns produtos são substituídos por questões estéticas, em setores de indústrias como a moda”, afirma Ivan Mota Santos, professor do Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Em outros casos, a obsolescência é utilizada como uma estratégia para despertar o desejo de troca de um produto relativamente novo e que esteja funcionando bem, como as versões de carros e equipamentos eletrônicos atualizados anualmente.
“Para as companhias, é crucial estarem preparadas para o comportamento de consumo no mercado em que estão inseridas”, diz Santos. Um dos precursores do conceito de “consumo permanente”, o designer industrial norte-americano Brook Stevens desenhava produtos com um estilo arrojado para despertar o desejo das pessoas de possuir algo novo antes do necessário.
Com o aumento na produção e distribuição de mercadorias, o ciclo de consumo, utilização e descarte de bens ganhou uma escala maior. “Um produto como um celular está bem mais barato do que anos atrás por conta da produção em massa”, afirma Eduardo Zancul, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). “E a manutenção dos equipamentos ficou muito cara, com peças de reposição que saem de outras partes do mundo.” Na dúvida, o aparelho com defeito vai para o lixo e o consumidor prepara a carteira para novas compras.
O marketing é o segredo do negócio
Para que você fique com vontade de comprar um smartphone novo todos os anos, as empresas investem em pesquisas para entender suas preferências e hábitos de consumo
Desde a morte de Steve Jobs, em 2011, a Apple recebe críticas por não apresentar inovações semelhantes às da época dos lançamentos do iPod e do iPhone, que revolucionaram a tecnologia. A tática de desenvolver o “mais do mesmo”, no entanto, vai bem: no quarto trimestre de 2015, a companhia registrou lucros de US$ 18,4 bilhões, com a venda de quase 74,5 milhões de iPhones no mundo.
“Os produtos têm um valor simbólico para os consumidores”, afirma Fabio Mariano, professor da ESPM. Ao estudar as preferências dos consumidores, as empresas incentivam a aquisição de novas versões dos gadgets, mas sem irritar aqueles que acabaram de comprar um modelo antigo. “O preço do iPhone 6S é muito maior do que o do iPhone 6 porque a Apple não pode canibalizar o próprio produto”, diz Mariano.
Fuscão preto, você é feito de aço
Ao contrário da sabedoria popular, os automóveis de hoje têm maior qualidade e durabilidade do que antes. As tecnologias, porém, dão espaço para falhas técnicas
Quando exemplares de Fusca passeiam pelas ruas, fica a sensação de que carros mais antigos seriam mais duros na queda em relação aos modelos atuais. Mas é só impressão. “O automóvel é desenvolvido hoje com ligas metálicas especiais, há um tratamento de corrosão moderno e as peças são desenhadas com maior precisão”, diz Waldemar Colluci, professor de Engenharia Mecânica da FEI.
Assim como em outras indústrias, o aumento da concorrência motiva as empresas a desenvolver novas linhas de carros e, consequentemente, incentivar o consumo. Os novos veículos, entretanto, não estão imunes a falhas de fabricação: em 2015, mais de 2,7 milhões de automóveis no Brasil foram chamados para recalls, procedimento em que as montadoras realizam a troca de peças defeituosas ou que expõem riscos ao motorista.
Quebrou?
O celular que escorrega das mãos, o instante da apreensão, a tristeza ao ver a tela rachada.
Mesmo com a expansão de recursos tecnológicos, os smartphones ainda apresentam fragilidades por conta de suas particularidades técnicas: em aparelhos antigos, as telas eram menores e revestidas de plástico, enquanto os atuais modelos contam com espessuras mais finas para acompanhar as tendências do mercado. E os componentes internos também possibilitam a chance de maiores danos. “Em função da eletrônica fina, com sensores, acelerômetros e giroscópios, a sensibilidade do equipamento também é maior”, diz Almir Meira, professor da Fiap.
As baterias mais modernas são fabricadas com íons de lítio, que carregam mais rápido e têm maior vida útil. De acordo com informações oficiais da Apple, mesmo depois da redução da capacidade de suas baterias após o uso, elas foram desenvolvidas para manter pelo menos 80% da capacidade de desempenho original.
Está bom para ambas as partes?
Consumidores têm direito a recorrer contra defeitos de fabricação de produtos
Instituído em setembro de 1990, o Código de Defesa do Consumidor reúne artigos que buscam coibir a obsolescência programada de produtos.
Além da garantia legal de uma mercadoria, que é de 90 dias, o fabricante está obrigado a fazer o reparo de um item que apresenta defeitos não decorrentes de mau uso ou desgaste natural. “Mas os fabricantes têm uma resistência enorme para colocar esses dispositivos em prática”, afirma Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Instituto de Defesa do Consumidor, que também destaca a obrigatoriedade das empresas em disponibilizar peças de reposição, mesmo que um item saia de linha.
Além disso, um projeto de lei – PL 5367/2013 apresentado em 2013 na Câmara dos Deputados se encontra arquivado. Mas, em 2019 o senador Veneziano Vital do Rêgo (PSB/PB) iniciou o Projeto de Lei n° 6042/2019 que está em tramitação obriga os fabricantes a divulgar a vida útil de seus produtos e em caso de obsolescência em prazo anterior à vida útil estimada, pode o consumidor exigir restituição ou substituição do produto.
O cemitério da tecnologia global
O destino de quase 70% dos equipamentos eletrônicos descartados por consumidores de países desenvolvidos são lixões de cidades africanas e asiáticas
Os contêineres que desembarcam periodicamente em lixões na periferia de Accra, capital de Gana, contêm equipamentos eletrônicos rotulados como “bens seminovos” para doação a países subdesenvolvidos. Esses produtos, no entanto, não passam de sucata, que é queimada por trabalhadores em busca de metais como cobre, bronze e zinco. Expostos aos gases tóxicos e ao solo contaminado, crianças e jovens do país africano também buscam discos rígidos intactos, que são vendidos por US$ 35 em um mercado ilegal de recuperação de dados.
Recicle aqui
Em um galpão de 400 metros quadrados, caixas de papelão preenchidas com celulares, filas de monitores e CPUs empilhadas aguardam para serem avaliados por uma equipe de quatro funcionários do Centro de Descarte e Reúso de Resíduos de Informática, instalado desde 2009 na Cidade Universitária da USP e que recebe até 10 toneladas de produtos eletrônicos descartados por mês. Boa parte dos equipamentos é levada para reciclagem em centros especializados.
“Mas também conseguimos utilizar peças que estão em bom estado e montamos novos equipamentos”, diz André Rangel, técnico de informática do projeto. Os profissionais, no entanto, observam um padrão nos equipamentos descartados pela faculdade, como computadores e monitores: após um determinado tempo de uso, aparelhos de uma mesma marca que foram comprados juntos apresentam defeitos idênticos – curiosamente, logo após o período de garantia do fabricante expirar.
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