Menino que teve pernas amputadas após ser torturado pelos pais inspira projeto de lei
Menino que perdeu pernas após ser torturado pelos pais biológicos inspira projeto de lei no Reino Unido. Tony Hudgell foi hospitalizado com falência múltipla de órgãos e sepse e os médicos não esperavam que ele sobrevivesse
BBC
O caso de um menino que teve as duas pernas amputadas por causa de agressões cometidas por seus pais biológicos quando ainda era bebê inspirou um projeto de lei que, se aprovado, poderia punir com prisão perpétua atos de violência contra crianças no Reino Unido.
A iniciativa, baseada no que aconteceu com Tony Hudgell, hoje com 6 anos, foi proposta pelo parlamentar conservador Tom Tugendhat e conta com o apoio da família adotiva do garoto.
Ele tinha 41 dias de vida quando foi hospitalizado com falência múltipla de órgãos e sepse (infecção generalizada) após ser espancado pelos pais biológicos, Jody Simpson e Tony Smith.
Os médicos não esperavam que ele sobrevivesse, mas lutaram durante seis semanas para salvá-lo e posteriormente tiveram que amputar as duas pernas de Tony abaixo do joelho.
Os pais do menino foram condenados em 2018 à pena máxima de prisão para casos como esse: dez anos.
Mas o casal pode ser libertado já em setembro do ano que vem após ter cumprido metade da pena.
Por isso, o parlamentar Tugendhat quer aumentar a punição para casos de abuso infantil.
Pelo projeto de lei, batizado de Tony’s law (“Lei de Tony”), os culpados de matar uma criança poderiam ser punidos com a prisão perpétua, a partir dos 14 anos de idade.
Já aqueles que causam lesões corporais graves enfrentariam 14 anos, em vez dos dez atuais.
O objetivo, assim, é igualar as punições para atos de violência contra as crianças às dos adultos.
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À BBC, Tugendhat explicou que, como Tony era muito jovem para identificar quem o havia agredido, ele “não pôde ver seus pais biológicos acusados do crime apropriado”.
“Numa situação muito rara como esta, e destaco que é extremamente raro, perguntar qual foi o responsável é ridículo.”
Ele disse que a nova lei “garantirá que a responsabilidade deles seja clara, mesmo que um bebê não possa testemunhar”.
O projeto de lei ainda aguarda votação para ser aprovado.
Nova vida
Tony mora com os pais adotivos, Paula e Mark Hudgell. Ele foi adotado pelo casal quando ainda estava no hospital.
“As crianças são as mais vulneráveis na sociedade e as sentenças simplesmente não refletem a seriedade dos crimes cometidos”, diz Paula à BBC.
Em outra entrevista, à emissora britânica Sky News, em novembro de 2019, ela lembrou quando o viu pela primeira vez, no hospital.
“Em 2015, uma assistente social perguntou se eu poderia visitar um bebê de quatro meses no hospital, que estava com os membros quebrados e muito mal”, contou Paula.
“Fui visitá-lo e descobrir mais sobre ele. Com cinco semanas, ele tinha todos os membros quebrados, luxações do tornozelo, dedos dos pés, polegares, fraturas múltiplas — ele ficou sem assistência médica por até dez dias — e nessa época, seu pobre corpinho tinha acabado de desistir.”
“Ele teve falência múltipla de órgãos, um edema no cérebro e precisou ser acoplado a aparelhos.”
“Se não fosse pelo incrível NHS (sistema de saúde pública do Reino Unido, o SUS britânico) trabalhando tão rápido e incansavelmente com ele, Tony não teria sobrevivido.”
“Nós o trouxemos para casa, ainda sem saber se havíamos feito a coisa certa. Estava preocupada que ele fosse muito frágil para estar em casa com nossos outros sete filhos — que, ao contrário de Tony, não são adotados.”
“Mas decidimos que o amaríamos e protegeríamos e fizemos um acordo para não superprotegê-lo – o trataríamos como todos os outros.”
“Ele logo se acomodou e em uma semana já estava sorrindo.”
Paula ficou sabendo que o Crown Prosecution Service (CPS, o Ministério Público britânico) não iria processar os pais biológicos de Tony com base em evidências insuficientes e por não saber qual dos pais causou os ferimentos.
Por isso, ela mesma decidiu reunir as provas e apelar da decisão.
“Comecei a pensar nos filhos que morrem e não têm quem lute por eles, ou nos filhos que não são adotados e não têm ninguém para apoiá-los.”
“Por isso, iniciamos a campanha para que as penas contra abuso infantil aumentassem.”
“Não vamos desistir, vamos lutar para que haja mais proteção para as crianças.”
Segundo Paula, “Tony é incrível – ele pode ter perdido as duas pernas, mas nada o detém”.
“Ele se movimenta – usa uma cadeira de rodas, mas gosta de ser muito independente. Ele escala tudo, faz tudo que uma criança normal faria agora.”
“Ele começou a estudar em setembro, uma escola regular, se adaptou extremamente bem e superou todas as expectativas.”
“Tony é simplesmente um garotinho incrível, cheio de vida, indo muito bem e extremamente brilhante.”
Paula disse também que a adoção de Tony teve um impacto positivo em toda a família.
“Tony sem dúvida mudou nossas vidas; é uma alegria tê-lo por perto e todas as crianças o tratam exatamente como os outros.”
“Tony mudou a forma como eles (irmãos) encaram a vida — eles não reclamam mais das coisas e todos se juntam para ajudar.”
“Eles se tornaram muito mais atenciosos e receptivos às outras pessoas agora. Perceberam também como as coisas podem ser difíceis para outras pessoas”, disse.
1,5 milhão de libras
No ano passado, Tony arrecadou 1,5 milhão de libras (R$ 11,3 milhões) para o hospital que o salvou com doações por ter caminhado 10 km com suas próteses.
Ele diz que se inspirou no capitão Tom Moore, que arrecadou mais de 32 milhões de libras (R$ 241 milhões) para instituições de caridade ligadas ao NHS dando 100 voltas em seu jardim antes de seu 100º aniversário em abril do ano passado. Moore morreu de covid em fevereiro deste ano.