Direita

Professora recebe e-mails após atentado em SC: “Somos soldados dispostos a matar e morrer”

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Professora e ativista Lola Aronovich recebeu mensagens que tratam da possível articulação do atentado na creche de Saudades (SC). “Somos invisíveis na web e estamos dispostos a exterminar LGBT’s, mulheres, negros e esquerdistas. Morreremos como mártires. Kipper, nosso novo herói nacional, espero que alcance o paraíso. Garoto inocente, introvertido e com tendências suicidas, que acabou encontrando o caminho e conhecendo a verdade”

(Imagem: Simone Fernandes | ViuOnline)

Lola Aronovich*, em seu blog

Ontem por volta das 10 da manhã Saudades, uma pequena cidade de 10 mil habitantes no Oeste de Santa Catarina, acompanhou cenas de terror: um rapaz de 18 anos invadiu à escola-creche Aquarela, onde estudavam bebês de 6 meses a 2 anos de idade, e matou três deles e duas professoras.

As primeiras informações diziam que o assassino, Fabiano Kipper Mai, usava uma adaga e tinha 14 anos. Depois houve a correção de que ele tem 18 anos e usou um facão. Mas ainda há muitas notícias desencontradas. O rapaz tentou se matar após o massacre e foi levado em estado grave ao hospital, perguntando quantas vítimas tinha feito. Ainda há uma outra criança que foi atingida.

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A primeira pessoa a ser esfaqueada foi a professora Keli Adriane Aniecevski, de 30 anos, que trabalhava há uma década na escola. Fabiano a seguiu até uma sala onde estavam quatro crianças e a agente educacional Mirla Renner, 20 anos, que, além de trabalhar na escola, era estudante de Engenharia Química na Udesc, em Pinhalzinho. Keli e dois bebês morreram no local. Mirla e outra criança foram levadas com vida ao hospital, mas não resistiram. Um delegado comentou o que aconteceu.

As informações que tenho até agora são as que estão nos sites. Uma leitora me enviou alguns áudios que circulam na região, mas não há nada de conclusivo. Num deles, uma mulher diz que Fabiano respondeu a um desafio de um jogo (Free Fire?) de “quem era o mais corajoso”. Também circula o boato de que o pai do assassino se enforcou.

Recebi até agora três emails, dois através do servidor Protonmail (que desde fevereiro 2017 é responsável por 9 em cada 10 ameaças no Brasil a ativistas, políticos e celebridades), e um do Guerrillamail. O destinatário de um dos emails, “MatemDoloresAronovich”, termina com “A próxima a ser morta será você, Jjabba. Já tô com o contato de um pé de pato aí de Fortaleza, se f*de aí!”.

Outro diz: “Olá, Lola. Você já deve estar sabendo do ato de um dos confrades da [chan que eu nunca ouvi falar] no município Saudades, no Oeste de SC, gostaríamos de deixar bem claro as nossas intenções quanto ao ato. Primeiramente, temos que ressaltar que fazemos de tudo pra honrar o nosso recinto, e qualquer ato é válido em vosso nome. Segundo, que nós somos treinados para agir sem remorso, não temos medo e não nos acovardamos, esse é apenas o primeiro de um dos atentados relacionados ao nome da [chan desconhecido], o camarada em questão era conhecido no nosso recinto como Charada, ele já organizava isso a pelo menos uns 6 meses porém não estava determinado realmente a por em prática seu plano, então alguns camaradas (um deles você já conhece por estar relacionado a [um chan que me mandou ameaças em fevereiro] e no caso SOL) resolveram encoraja-lo e ele certamente será bem recompensado por isso. Enfim, o charada é menor de idade e sabemos que não vai dar em muita coisa, é mais uma vitória para nós, e mais uma vitória espiritual para nosso camarada”.

Como sabemos que Fabiano não é menor de idade, creio que podemos descartar as outras ridículas e covardes bravatas do email.

O terceiro email diz: “Boa tarde, o que ocorreu hoje na manhã de terça-feira em uma escola de SC é apenas um exemplo de nossa fúria, fazemos parte de uma legião de soldados dispostos a matar e a morrer. Somos quase invisíveis na web, não subestime nos encontrar. O que estamos dispostos a fazer é exterminar LGBT’s, mulheres, exclusivamente feministas, negros e esquerdistas. Cada um de nós morreremos como mártires, assim esperamos, este não foi o último atentado, isto nada mais é do que o que chamamos de ‘Seleção Natural’. Temos todos os motivos para fazer isso, apenas estamos nos aprimorando. Kipper nosso mais novo herói nacional espero que alcance o paraíso, Death seu mentor lhe instruiu o caminho certo, Kipper um garoto inocente, introvertido e com tendências suicidas que acabou encontrando o caminho e conhecendo a verdade, hoje pode se intitular como um homem sancto e puro. Este é apenas o começo de nossa fúria”.

Ou seja, o que não falta é fórum anônimo misógino reivindicando a autoria do massacre. Que os chans celebram a chacina na creche e saúdam Fabiano como novo herói, não há dúvida. Resta saber se algum deles ajudou a planejar o ataque. Encorajamentos genéricos para que rapazes que pensam em se matar cometam atentados (e só depois se matem ou sejam mortos pela polícia, o que se chama “suicide by cop”) são frequentes nos chans. Esse tópico (abaixo, clique para ampliar), por exemplo, é de um chan em fevereiro.

Saiba mais: A mentalidade de extrema-direita nos massacres

Não sabemos se o massacre de hoje está ligado a outros. O dia 7 de abril marcou dez anos do massacre de Realengo (estou devendo um texto sobre isso).

No dia 13 de março muitos incels (celibatários involuntários, vulgos mascus virjões) comemoraram dois anos do massacre de Suzano, que foi planejado num chan. Eu costumo dizer que, como felizmente não tivemos novos massacres em escolas — até hoje — de lá pra cá, os misóginos andavam frustrados, pois depois de Suzano, e com Bolsonaro eleito (um fascista que prometeu acesso fácil a armas de fogo), a expectativa deles é que haveria muitos atentados.

Porém, 2021 parece ter começado com tudo. São pelo menos três casos terríveis em um curto espaço de tempo: o gamer que matou Sol em SP em fevereiro, o “amigo de longa data” que matou Patrícia em João Pessoa semana passada, e agora esse massacre na creche em SC. As polícias precisam investigar seriamente o perfil dos assassinos, os lugares que eles frequentavam na internet, as semelhanças entre os casos.

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E, como vivemos pedindo, as polícias precisam monitorar os chans, que há muito deixaram de ser apenas espaços anônimos em que os usuários trocam frustrações e imagens violentas e misóginas para se transformarem em criadouros de terroristas. Senão, casos hediondos como os de Realengo, Suzano e Saudades (que nome!) continuarão a se repetir. E ninguém fora os rambos da internet quer isso.

*Lola Aronovich é professora universitária e ativista feminista

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