Não bastasse um conjunto de cobranças e adicionais, em plena pandemia o governo federal publicou o Decreto nº 10.350/2020, que criou uma dívida absurda na conta de luz do país. É a chamada Conta-Covid
Denis Castilho*, Pragmatismo Político
O preço da energia elétrica no Brasil registrará aumentos sucessivos nos próximos meses. Mesmo com um sistema de precificação que favorece as geradoras, neste mês de junho a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou o patamar 2 da bandeira vermelha, uma cobrança adicional que vai gerar o acréscimo de R$ 6,26 para cada 100kWh.
Para entender o que isso representa, basta observar o boleto de cobrança que chega em sua residência. O acréscimo até então em vigor (correspondente ao patamar 1 da bandeira vermelha) era de R$ 4,16 para cada 100kWh. Esse adicional é somado ao sistema tarifário já embutido na conta de luz, a exemplo da parcela de distribuição de energia (17%), a tributos como ICMS e PIS/COFINS (29,5%), à compra de energia (que soma transmissão e encargos setoriais), além da contribuição de custeio da iluminação pública, que geralmente ultrapassa os R$ 10,00 em uma conta simples com valor médio de R$ 170,00[1].
Não bastasse esse conjunto de cobranças e adicionais, em plena pandemia o governo federal publicou o Decreto nº 10.350/2020, que criou uma dívida absurda na conta de luz do país. É a chamada Conta-Covid.
Seus recursos foram utilizados para proteger empresários e manter a alta taxa de lucratividade de corporações ligadas ao setor elétrico. Apenas em sua primeira fase, foi autorizada a contratação de uma dívida de R$ 15,3 bilhões com taxas de juros abusivas (CDI + 2,8% ao ano) que acumularão mais de R$ 20 bilhões, beneficiando também 16 instituições financeiras que participaram da operação, conforme consta no portal do BNDES.
Ocorre que essa dívida será cobrada integralmente nas contas de luz da população brasileira, com início neste mês de junho. Diante de uma conjuntura dispendiosa ao consumidor, como isso foi possível? Como pôde ser aprovado um Decreto que direciona recursos bilionários a um setor já beneficiado pela estrutura tarifária e joga a conta ao consumidor há muito endividado?
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Nesse ponto, a discussão não pode deixar de tocar uma questão central, porém muito dispersa. Enquanto muitos caem nas polêmicas irracionais criadas pelo próprio governo ou por gabinetes do ódio, decretos como este vêm sendo aprovados. Enquanto polêmicas e notícias falsas são difundidas para confundir e causar fraturas no debate público; enquanto perdemos tempo com posicionamentos fúteis e irracionais de escalões do governo, eles próprios vão literalmente triturando ativos do país e jogando a conta na testa do trabalhador.
E não demora, tudo pode piorar. Articulações para privatização da Eletrobrás já estão adiantadas. Além da entrega desmedida de um patrimônio público composto por 125 hidrelétricas, projeções indicam que, além da perda orçamentária a longo prazo, isso trará impacto de 20% na conta de luz – um verdadeiro sistema de pilhagem muito bem tramado que tornará a energia elétrica ainda mais inacessível a milhares de famílias deste país.
Por isso, não se enganem. O disparate constante deste governo é deliberado – produzido para confundir, mudar o foco e direcionar o debate público (não obstante, também as lutas) a rumos inócuos.
Resta o óbvio: clarividência ou polêmica – luz ou blecaute.
*Denis Castilho é doutor em geografia e professor do Instituto de Estudos Socioambientais da Universidade Federal de Goiás.
[1] Referente ao município de Goiânia (GO) em cobrança realizada no mês de maio de 2021.
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