Relembre: Irmãos necrófilos fugiram pela mata durante 4 anos
14 dias de Lázaro não são nada: irmãos necrófilos fugiram durante 4 anos na década de 90 e viraram tema de filme. Na época, 70% das famílias que moravam na região abandonaram suas casas com medo de se tornarem vítimas. Irmãos tiveram infância perturbadora, com pai violento e alcoólatra
informações de VICE
A caçada por Lázaro Barbosa Sousa, 32 anos, acusado de assassinar quatro pessoas de uma mesma família, já leva 13 dias. Se deslocando pela mata na região do município de Cocalzinho, ele tem se escondido da polícia e sua busca já mobiliza mais de 240 agentes de segurança pública.
O caso trouxe à tona histórias de outros “serial killers” brasileiros. Entre eles, estão os irmãos necrófilos, Ibraim e Henrique de Oliveira, que aterrorizaram a região de Nova Friburgo, município do Rio de Janeiro, entre 1991 e 1995. Eles mataram oito pessoas de forma violenta e praticaram necrofilia com os corpos.
Durante os quatro anos em que atuaram, eles viveram se deslocando por uma área de 300 mil metros quadrados de Mata Atlântica entre os municípios de Sumidouro, Riograndina e Nova Friburgo. O conhecimento da dupla sobre a região e sua habilidade para se deslocar no ambiente e desaparecer lembra muito a fuga de Lázaro, que também se utiliza da mata para se esconder.
Os irmãos necrófilos geraram tamanho terror na região que, de acordo com o jornal A Voz da Serra, cerca de 70% das famílias que moravam na zona rural deixaram suas casas com medo de se tornarem vítimas.
OS CRIMES
De acordo com relatos de moradores antigos da região, recolhidos pelo portal Vice, os irmãos nasceram em uma família muito pobre, comandada pelo pai alcóolatra, Brás de Oliveira, que batia na mulher, Maria Luiza, e nos filhos. Não era raro também que o pai obrigasse os irmãos a passarem dias na mata sem mantimentos.
Ibraim era o primogênito, seguido de Henrique e mais dois irmãos caçulas, Jailton e Márcia de Oliveira. A família jamais conheceu outra região que não a área rural em que viviam. Além disso, as crianças eram analfabetas.
Assim como ocorre com Lázaro, os relatos das ações de Ibraim e Henrique beiram o sobrenatural, o que aumentava o medo da população, que os via como selvagens e brutais. O primogênito, no entanto, já dava sinais de violência desde a infância, e há relatos que ele matava animais e fazia sexo com as carcaças.
O primeiro assassinato ocorreu em 1991 em Riograndina. A vítima foi Eliana Macedo Xavier, de 21 anos, que ficou desaparecida por uma semana até que seu corpo fosse encontrado no meio da mata no dia 15 de fevereiro. A jovem foi estrangulada com um fio de arame e seu corpo foi violado após a morte. Ao seu lado foi deixada uma certidão de nascimento desgastada, um crucifixo de madeira preta, uma carteira de veludo preta e sua calcinha rasgada.
Sete meses depois, o corpo de uma criança de 11 anos, Norma Claudia de Araújo, foi encontrado nas mesmas condições que Eliana. A menina também havia sido estrangulada com um arame. Esse crime levou à prisão de Ibraim, que confessou o assassinato, mas disse haver agido sem o irmão. Como tinha 16 anos, foi julgado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e ficou internado no Instituto Padre Rafael na Ilha do Governador até completar 18 anos.
As mortes recomeçaram nem cinco meses após a volta de Ibraim. Os ataques dos irmãos seguia um padrão: mulheres negras, quase sempre na parte da tarde, em regiões afastadas e próximas à mata. Usavam arame e foices e tinham o cuidado de não ferir o corpo das vítimas, que eram violados após o assassinato. Além disso, eles tinham o costume de levar “troféus” das vítimas, como calcinhas.
Em 27 de fevereiro de 1995, eles atacaram um casal, Elizete Ferreira Lima e seu marido João Carlos Maria da Rocha, que tomavam banho em uma das cachoeiras de Janela das Andorinhas. Ambos foram assassinados e os corpos foram estuprados após a morte.
Entre os ataques, os irmãos desapareciam na mata, onde se alimentavam de frutas e dormiam em grutas na Janela das Andorinhas. Entre suas vítimas, está uma tia dos jovens, Vera Lúcia Damasceno. Ela morreu em 1º de abril de 1995, quando supostamente levava mantimentos para os sobrinhos.
A dupla era buscada pelo 11º Batalhão da Polícia Militar de Nova Friburgo. Os moradores da região, no entanto, estavam insatisfeito com o andamento da perseguição e começaram a tomar medidas individuais, como se armar.
Dentre as dificuldades enfrentadas pelos agentes, estava a falta de preparo e equipamento adequado para a busca nas matas, questão que já não ocorre na caçada a Lázaro hoje, que conta com drones, cachorros e policiais treinados. Mesmo com quase todo Batalhão mobilizado, os irmãos conseguiam desaparecer entre a vegetação e só eram avistados quando invadiam chácaras para pegar suprimentos – prática que Lázaro também adota.
Em 1995, os irmãos deixaram mais duas vítimas: em 17 de maio, assassinaram a lavradora Odete de Carvalho, de 56 anos, em sua casa. Em julho, mataram Iria Moraes Ornellas, de 67 anos, na cozinha de sua casa.
Em vista da tragédia que se espalhava, um efetivo do Batalhão de Operações Especiais foi enviado para auxiliar na caça aos irmãos. Por conta da repercussão nacional dos crimes, mais 200 policiais do BOPE foram enviados a Nova Friburgo com cães farejadores.
As últimas vítimas foram Maria Dorcileia Faltz, de 39 anos, que estava grávida, e seu filho, Adriano Faltz Gomes, de 9 anos. No momento em que atacavam a mulher, foram surpreendidos pela criança, que foi coberta de pauladas. Ele resistiu apenas para falecer no hospital no dia seguinte.
Ibraim foi morto, aos 19 anos, por um subcomandante do Bope após invadir um sítio em Riograndina no dia 16 de dezembro de 1995. Henrique ficou desaparecido até se entregar no dia 17 de junho de 1996, por medo de ser morto pelos moradores.
Henrique foi julgado em 1º de setembro de 2000 pela morte do vigia João Carlos e atentado violento ao pudor de Elizete. Ele se declarou inocente de todas as acusações, afirmando que apenas acompanhava o irmão. Mesmo sem poder ser julgado por outros crimes, por falta de provas, ele foi condenado a 34 anos de prisão.
FILME
A história dos irmãos necrófilos virou filme em 2020. O longa ‘Macabro’, de Marcos Prado, amplia a trama policial com um enredo que envolve também aspectos da injustiça social e do racismo estrutural presentes na história do Brasil.
A ideia de um longa-metragem inspirado no caso dos irmãos necrófilos surgiu em 2009, quando Prado, sócio do diretor José Padilha na produtora Zazen Filmes, conversou com o ex-capitão do Bope Rodrigo Pimentel sobre o caso.
Pimentel é autor do livro A elite da tropa e foi sua experiência no Bope que originou o filme Tropa de elite, dirigido por Padilha e produzido por Prado. A ideia original de Macabro tomou novo rumo quando o advogado de Henrique de Oliveira, um dos irmãos, entrou em contato com o diretor, assim que soube da produção.
“Henrique pegou quase 50 anos de prisão sem prova nenhuma. Havia factuais, havia testemunhas, o outro irmão (Ibraim de Oliveira) foi morto por um oficial do Bope, mas ninguém viu o Henrique nas cenas dos crimes”, diz Prado.
O diretor conta que o advogado de Henrique, que está cumprindo sua pena na prisão, argumenta que o cliente foi condenado injustamente. “Então pesquisamos os autos do processo e, dos nove assassinatos, três estão na conta dele. Mas dois sem nenhuma prova, e o terceiro baseado na mudança de depoimento de uma vítima que sobreviveu a um ataque.”
Segundo Prado, a hipótese de que tenha havido uma condenação injusta é um de vários elementos que se juntam em torno de uma história por si só já bastante complexa.
“Há o feminicídio, a questão da violência policial e essa história paralela na cidade, retratada no filme como uma cidade de brancos. Claro que há uma dramaturgia, mas, se pegarmos um paralelo da nossa sociedade e o colocarmos nesse microcosmos, está tudo acontecendo ali: crimes bárbaros, racismo, Justiça e suas contradições”, diz Prado.
O diretor salienta que a trama do filme é apenas inspirada no caso, e não totalmente baseada nele. Nesse processo de construção dramatúrgica, o protagonista foi inspirado em vários oficiais do Bope, inclusive em um que foi, de fato, designado para a missão, por ser de Nova Friburgo.
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No filme, ele se chama Theo, um sargento que seria julgado pelo assassinato de um morador de favela em um erro de operação e por isso é enviado para a missão. Não só por conhecer a região, onde nasceu, mas para “limpar a própria barra”.
Esse tipo de contradição na atividade policial é outra pincelada que o longa dá sobre nosso caos social. Theo é interpretado por Renato Góes, que assume um personagem atordoado pelos reencontros ocasionados pelas circunstâncias da investigação e por seus erros no passado, mas dedicado a compreender a complexidade do caso. Tanto é assim que ele passa boa parte do filme fazendo perguntas aos moradores locais.
PRECONCEITO
Acompanhado pelo cabo Everson (Guilherme Ferraz), que observa ser o único negro no povoado onde os crimes se passam, além dos dois irmãos procurados, ele encontra uma população apavorada, mas extremamente preconceituosa.
À medida em que tenta encontrar os assassinos, que continuam fazendo suas vítimas de maneira cruel, Theo passa a entender como os jovens, de origem pobre, eram tratados pelos habitantes, antes de começarem a cometer os crimes.
Com inspiração direta em relatos jornalísticos reais da época, os jovens eram apontados como “mancomunados com o diabo”, e a família deles tratada como “macumbeiros” e outros adjetivos tipicamente racistas.
Marcos Prado afirma que, embora os fatos que inspiraram o filme tenham ocorrido há quase 30 anos, eles se conectam com o contexto atual. “Lá atrás, não estávamos tão atentos ao racismo estrutural. Mas somos estruturalmente racistas desde sempre. Por isso resolvemos pontuar que eram dois jovens negros, descendentes de escravos, numa região que recebeu muitos imigrantes e onde havia o maior traficante de escravos do Brasil. Por lá havia um dos maiores quilombos do país, que, segundo uma pesquisa que consultamos, desapareceu em sete anos. Claro que o racismo está no Brasil inteiro, mas é uma região que tinha esses ingredientes.”
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