A Petrobras Biocombustível (PBio), que está sendo vendida junto com seu efetivo de empregados pela gestão da Petrobrás, tem um crédito tributário de mais de R$ 2,3 bilhões e essa informação vem sendo omitida no teaser de divulgação do desinvestimento.
“Trata-se de um caso de escandalosa desvalorização do patrimônio público. O crédito fiscal é o ativo mais atrativo e valioso da empresa, porque gera fluxo de caixa futuro, e deveria, obrigatoriamente, estar incluído no teaser da PBio”, afirma a advogada Raquel Sousa, da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), que move uma ação popular junto à Justiça Federal do Rio de Janeiro, com pedido de suspensão da venda da empresa de biocombustíveis.
O saldo bilionário é proveniente do prejuízo fiscal do imposto de renda e da base negativa da contribuição social e consta no último demonstrativo financeiro da PBio, no 1º trimestre de 2020. Quando a empresa tem prejuízo e, mesmo com esse resultado, paga determinados tributos, que são baseados no lucro, como o IRPJ (Imposto Sobre a Renda das Pessoas Jurídicas) e a CSLL (Contribuição Social Sobre Lucro Líquido), ela poderá, futuramente, compensar até 30% do imposto pago sobre o lucro do período. Em 2018 e 2019, por exemplo, a PBio deduziu R$ 8,36 milhões do que teria que pagar ao Estado e ainda resta um crédito bilionário.
O valor desse ativo fiscal, de acordo com a advogada, é quase três vezes maior do que o lucro líquido das duas usinas de biodiesel em atividade, nos estados da Bahia e de Minas Gerais, que fazem parte do escopo de venda da PBio.
“A omissão desse ativo no teaser de venda acarreta uma desvalorização artificial do ativo e traz séria restrição à concorrência, ao deixar de atrair possíveis investidores, o que implica em violação do princípio da eficiência. Isso se constitui em um ato de improbidade administrativa”, declara.
A ausência da informação no documento de divulgação da venda também viola o princípio da publicidade, da impessoalidade e da moralidade. “A informação não consta no teaser, mas quem está no ramo de biocombustíveis ou tem participação acionária e relações estreitas dentro da Petrobrás sabe sobre esse ativo. Ou seja, somente pessoas escolhidas a dedo se beneficiam dessa importante informação na fase de negociação da PBio”, argumenta a advogada.
Conflito de interesses
No mês de fevereiro deste ano, a FNP ofereceu uma denúncia ao Ministério Público Federal do Rio de Janeiro de irregularidades no procedimento de desinvestimento da PBio. Segundo a representação, um dos potenciais compradores do ativo tem no quadro da diretoria executiva de uma de suas subsidiárias, portanto dentro do mesmo grupo empresarial, dois empregados da Petróleo Brasileiro S.A, que estão com o contrato de trabalho suspenso. Além disso, esse potencial comprador também possui no conselho de administração dessa subsidiária funcionários da Petróleo Brasileiro S.A., que estão cedidos e são administradores na PBio.
“Esse cenário de relações profissionais estreitas, envolvendo empregados com cargos importantes e informações privilegiadas, que podem colocar em vantagem decisiva um possível comprador dos ativos em questão, configura-se, claramente, em conflito de interesses”, alerta Raquel.
Com a denúncia, a Federação espera que o MPF adote as medidas judiciais que julgar cabíveis para suspensão do processo de desinvestimento da Petrobras Biocombustível e que os empregados envolvidos sejam afastados dos cargos que ocupam atualmente na PBio.
Lucrativa
Uma das principais produtoras de biodiesel do Brasil, a PBio está em processo acelerado de negociação, mesmo sendo uma empresa lucrativa. Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps) para o Observatório Social da Petrobrás (OSP), de 2017 a 2020, a empresa lucrou R$ 738 milhões.
“O lucro da PBio não é tão grande se comparado ao de outras empresas, mas ela tem um papel estratégico dentro da política energética do país e para a soberania nacional”, destaca o economista do Ibeps Eric Gil Dantas.
Desde sua fundação, em 2008, de acordo com o estudo, foram anos de investimento pesado, razão pela qual a empresa não era rentável. As divulgações financeiras da PBio do período de prejuízo, disponibilizadas pela empresa somente entre os anos de 2012 e 2016, mostram um investimento total de R$ 1,4 bilhão. “Quando a empresa passou para o azul, com o retorno desses investimentos, a direção da Petrobrás decidiu vendê-la”, comenta Eric.
A PBio atua como diversificadora de matéria-prima para o biodiesel e, ao contrário das empresas do ramo, utiliza somente 26% de soja em sua produção. Hoje, 71% da produção nacional é proveniente da soja, que incentiva a monocultura, apontada como uma das grandes causas do desmatamento no país. A empresa realiza ainda trabalho em parceria com a agricultura familiar, potencializando a renda dos pequenos agricultores locais e incentivando a produção de outras culturas.
O levantamento do Ibeps aponta que o Brasil, em 2019, era o quarto maior produtor de biodiesel do mundo e que, em 2020, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), teria passado para o segundo lugar, atrás dos Estados Unidos. Com relação ao consumo nacional de biodiesel, houve um crescimento de 157% na última década. A demanda passou de 24,39 mil m³ em 2011 para 62,8 mil m³ no ano passado, com projeção de crescimento em torno de 20% nesta década.
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