Othoniel Pinheiro*
Para que as teorias conspiratórias se transformem em um poder político factível é indispensável a combinação de uma série de fatores, entre eles, a distorção sistemática da realidade e a construção de um inimigo perigoso e imaginário, para que se fisguem psicologicamente determinados indivíduos a fim de que acreditem nas mais diversas sequências de fake news e passem a seguir na direção determinada pelos manipuladores. É
justamente o que está acontecendo atualmente no Brasil e foi o que ocorreu na Alemanha nas décadas de 20 e 30 do século passado. Lá, criaram-se inimigos imaginários: judeus, ciganos e comunistas. Aqui, a mesma coisa: comunistas, feministas, defensores dos direitos humanos etc.
Pois bem! Declarações de integrantes do governo Bolsonaro, guiados em grande parte pelo guru do bolsonarismo Olavo de Carvalho, sempre estão anunciando nas entrelinhas um grande combate à teoria conspiratória fantasiosa denominada “marxismo cultural”.
Isso não é coisa nova. Em julho de 2011, o norueguês Anders Behring Breivik, ativista da extrema direita, cristão, conservador e defensor do Estado de Israel, assassinou 77 pessoas em Oslo, capital da Noruega, especialmente num acampamento de jovens do Partido Trabalhista Norueguês, onde foram mortas 68 pessoas. Entre os motivos declarados para a prática do atentado, Anders destacou o Islã e o “marxismo cultural” como inimigos da cristandade moderna.
Essa loucura apregoa que o “marxismo cultural” seria uma conspiração propagada pela mídia, por alguns órgãos públicos e por universidades infiltradas por agentes comunistas para a propagação lenta e gradual do comunismo no planeta por intermédio da cultura.
De acordo com a conspiração, uma entidade invisível de marxistas estaria construindo uma grande articulação organizada para a destruição completa da cultura branca, cristã e ocidental. O objetivo central dessa entidade esquerdista seria espalhar valores anticristãos e antiocidentais por meio de ideias como o secularismo, o politicamente correto, o antirracismo, o feminismo, os direitos LGBTs, o ateísmo, o secularismo, o multiculturalismo etc.
E mais: esse grupo seria uma espécie de divisão do marxismo tradicional, onde uma parte dele teria desistido de seguir o caminho da luta de classes para promover uma “cruzada cultural” a fim de destruir, por intermédio da cultura, valores como a família, a religião, a propriedade, a educação infantil, o pudor sexual, o casamento, a virgindade etc.
Enfim, tudo paranoia do grau mais agudo.
Como todos já devem saber, Adolf Hitler, por ocasião de sua prisão entre os anos de 1923 e 1924, escreveu o livro Mein Kampf (“Minha Luta”), descrevendo sua autobiografia e um manifesto político com profundo viés racista, antissemita, anticomunista e antimarxista. O livro possui um papel central na construção do sistema de adestramento, manipulação, distorção da realidade e promoção do ódio entre os alemães da época.
Mas há uma coincidência interessante nesse cenário: o termo “marxismo cultural” (ou, em outros termos, o “bolchevismo cultural”), bastante usado pelo governo Jair Bolsonaro e pelos seguidores de Olavo de Carvalho, foi inventado pelo próprio Adolf Hitler e pelos nazistas no início dos anos 20 para denunciar movimentos modernistas ou que reivindicassem igualdades.
Praticamente todas as organizações culturais nazistas concordavam que os judeus e os oponentes políticos do regime nazista precisavam ser retirados da vida cultural o mais rápido possível, utilizando-se do fundamento que preconiza que o “marxismo cultural” ou o “bolchevismo cultural” deveria ser destruído.
Leia também: Como Karl Marx e o marxismo ajudam a entender o Brasil
De acordo com os nazistas, o bolchevismo cultural seria uma tentativa de desgastar os valores tradicionais e do próprio regime hitlerista, que estaria encarregado de defender esses mesmos valores que o bolsonarismo finge defender. Com essa justificativa, o nazismo perseguia professores, esquerdistas e intelectuais na Alemanha, com destaque para aqueles vinculados à Escola de Frankfurt, que, por sua orientação marxista, foram alvos de perseguições, sendo obrigados a deixar a Alemanha em 1933 para instalar-se em Genebra, e depois em Nova Iorque, em 1935.
É por isso que, atualmente, os fanáticos de extrema direita do mundo continuam a perseguir lunaticamente a Escola de Frankfurt sob a acusação do marxismo cultural.
Hoje, o termo é um dos principais Think Tanks por trás do governo Bolsonaro.
Assim, na visão de muitos integrantes do governo Bolsonaro, se alguém na sociedade brasileira passar a defender publicamente os direitos dos muçulmanos, das mulheres, dos homossexuais ou a igualdade racial, precisa ser ridicularizado, desacreditado ou calado de alguma forma, uma vez que, para os olhos do nazismo e dos fanáticos do bolsonarismo, isso significa uma verdadeira manifestação do “perigoso marxismo cultural”.
*Othoniel Pinheiro é Doutor em Direito – UFBA, Mestre em Direito – UFAL e Defensor Público em Alagoas.
Siga-nos no Instagram | Twitter | Facebook