Braço regional da rede terrorista que assumiu a autoria do atentado de Cabul se reforçou na capital afegã, onde conta com células adormecidas com o objetivo de perpetrar novos ataques
Óscar Gutiérrez, El País
O relatório apresentado em julho com informações da espionagem dos Estados membros das Nações Unidas ao Conselho de Segurança, seu principal órgão de decisão, já alertou sobre a ameaça em Cabul da vertente afegã do Estado Islâmico, grupo terrorista que assumiu a autoria dos atentados cometidos na quinta-feira.
“O grupo reforçou suas posições em Cabul e arredores, onde realiza a maioria de seus ataques, dirigidos a minorias, ativistas, funcionários públicos e pessoal das Forças de Segurança e Defesa Nacional afegãs”. O relatório, assinado pela representante norueguesa na ONU Trine Heimerback, relatava a existência de “células adormecidas” na capital afegã.
Segundo os dados reunidos, o grupo terrorista tem de 500 a 1.500 combatentes e, apesar de ter sofrido duros golpes em sua cúpula e fileiras na fronteira com o Paquistão, continua em processo de expansão, rivalizando com os talibãs por sua oposição aos acordos feitos em 2020 entre a milícia e os Estados Unidos.
O modus operandi dos atentados cometidos na quinta-feira em Cabul, dois ataques sucessivos indiscriminados contra civis, aponta sem dúvida ao que o EI, o grupo sírio-iraquiano que proclamou o califado em 2014, chama de sua “província do Khorasan”. Este último término se refere tradicionalmente a uma região que compreenderia o nordeste do Irã, Afeganistão, Paquistão e outras áreas da Ásia Central.
É por isso que o grupo terrorista —que opera no Afeganistão desde aproximadamente 2015, ainda que de modo mais efetivo nos últimos anos, tendo como alvo especialmente a população xiita— é conhecido pelas siglas ISIS-K (legenda em inglês para se referir ao Estado Islâmico da região).
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Ao contrário do que fez a Al Qaeda, rede mais resistente à expansão de sua marca, o EI, desde a vitória sobre Mosul e Raqa há sete anos, tenta aproveitar a ação de outros grupos violentos além da Mesopotâmia para estender seus tentáculos. E com a queda do califado, províncias jihadistas como a afegã ganharam importância. Foram destinados recursos financeiros, ainda que não de modo significativo, mas, principalmente, foram enviados veteranos da jihad armada para crescer a partir do nordeste do Afeganistão.
De fato, na liderança do ISIS-K, formado em grande parte por afegãos, paquistaneses, tadjiques e usbeques, estaria atualmente Shahab al Muhajir, conhecido por Sanaullah, um jihadista de quem se especula somente que é árabe vindo de fora, possivelmente da Síria ou Iraque —de fato, a palavra “muhajir” costuma ser traduzida como imigrante e estrangeiro.
De acordo com o relatório apresentado ao Conselho de Segurança, Al Muhajir, antes de chegar ao comando do ISIS-K, “atuou como planejador chefe para ataques de importância em Cabul e outras áreas urbanas”. Como outros membros do grupo, Al Muhajir tem em seu currículo experiência na rede Haqqani, aliada dos talibãs e considerada terrorista por Washington. O líder do braço afegão do Estado Islâmico subiu na organização após o duro golpe sofrido por sua cúpula em junho de 2020 em uma operação das forças especiais afegãs.
Mas o grupo de Al Muhajir não foi combatido somente por elas. Os talibãs, especialmente desde o acordo assinado em fevereiro de 2020 com os EUA —em que se comprometiam a não usar o território afegão para organizar e cometer atentados terroristas—, enfrentaram o ISIS-K.
Tanto que, um mês depois do pacto, o general do Comando Central norte-americano, Frank McKenzie, reconheceu em uma entrevista coletiva que os talibãs estavam “esmagando” o ISIS-K na província de Nangarhar, no leste do país, na fronteira com o Paquistão, e de um modo muito “efetivo”. McKenzie chegou a admitir certo apoio “limitado” de forças norte-americanas nessa ofensiva.
Justamente em Nangarhar, mas também na província de Kunar, o braço afegão do EI sofreu um retrocesso com avanços de sua presença no Nuristão, Badghis, Sari Pul, Baghlan, Badakhshan e até em Kunduz. A tomada de poder dos talibãs e o controle do território pode dificultar as operações do ISIS-K, mas também alimentar suas fileiras, com desertores radicais dos talibãs.
Segundo o Centro de Combate ao Terrorismo de West Point, a organização teve suas fileiras engrossadas por grupos armados como o Movimento Islâmico do Uzbequistão e o paquistanês Lashkar-e-Taiba.
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